Privatização
Professores de espanhol da FFLCH questionam parceria com Santander
Uma declaração assinada por doze professores da Área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) questiona a iniciativa da Reitoria de promover o curso “Vale – Espanhol para professores”, organizado por Banco Santander, portal Universia e Instituto Cervantes.
A “facilidade para que empresas privadas ofereçam um serviço com tal abrangência no âmbito da Universidade parece contrastar com os obstáculos que enfrentam […] as áreas que tentam desenvolver, por meio da extensão, uma oferta análoga (no caso, o ensino de uma língua estrangeira à comunidade)”, afirma o documento. “Esses obstáculos são de três ordens: escasso reconhecimento do trabalho da extensão na produtividade dos docentes (tanto por parte da Universidade como das agências de fomento e avaliação), falta de enquadramento jurídico adequado para aqueles que poderiam desenvolver essas tarefas (educadores, monitorias, etc.) e de estratégias que permitam equilibrar a necessidade de sobrevivência dos cursos com o irrenunciável caráter público da Universidade”.
Os professores lembram que no Centro de Línguas da FFLCH “a área de língua espanhola (e muito provavelmente as de outras línguas) aguarda pelo envio de cargos de educadores que, via de regra, não têm chegado, fato que limita a possibilidade de enfrentar o crescimento da demanda”. O “entusiasmo com que o curso ‘Vale’ é promovido”, acrescentam, “contrasta com o desaproveitamento dos valiosos recursos humanos que a própria Universidade gera, que poderiam redundar não apenas em um serviço para a comunidade mas também na pesquisa que surge de todo trabalho de extensão”.
“Generosidade?”
Prosseguem: “Diante da ‘generosidade’ de um banco que aparentemente oferece o ensino de espanhol de forma desinteressada, as instâncias dirigentes da USP poderiam pensar em como empregar essa ajuda aproveitando seus recursos internos […] e em como contribuir para fortalecê-los e para que estes se desenvolvam em boas condições, ao invés de desestimulá-los ‘terceirizando’ o trabalho”.
Outra reflexão dos professores de espanhol da FFLCH envolve “os protagonistas do oferecimento” e “sua recente atuação, no estado de São Paulo”, em relação à implementação da lei 11.161, que torna obrigatório o espanhol no ensino médio. Em setembro de 2006, a Secretaria de Estado da Educação (SEE) assinou, junto com Universia, Santander e Instituto Cervantes “um acordo para implementar um projeto chamado ‘Oye’, que tinha como objetivo habilitar milhares de professores de espanhol para a escola brasileira apenas com um curso totalmente à distância de 600 horas” e que “teria a mesma plataforma (AVE) que hoje se oferece no ‘Vale’, só que para habilitar como docentes profissionais sem nenhum conhecimento prévio da língua e sem sequer formação prévia na área de Letras, os já professores da rede pública de outras áreas do conhecimento” (Informativo Adusp 224).
A SEE, explicam os professores, contava com o aval das universidades públicas, mas, diante da rejeição do projeto pelos departamentos de línguas da USP, Unicamp e Unesp, e do “repúdio do professorado paulista em geral, expressado em um manifesto com mais de um milhar de assinaturas”, “desistiu do caráter habilitante do projeto e, atualmente, difunde o curso como extensão”, certificado por “instituições de ensino superior” não especificadas.
Para os autores da declaração, o curso “Vale” “aparece em um preocupante contexto de anúncios de ensino universitário à distância, por parte do governo estadual, que parecem incluir, de modo impreciso, a formação docente, inclusive de ‘línguas’” e portanto “parece-nos oportuno deixar registrado que o projeto ‘Oye’ (…) também mostra a capacidade de insistência dos interesses alheios à comunidade educativa”.
Matéria publicada no Informativo n° 270
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