Opnião da Adusp

Preocupante autoritarismo

Em face dos graves acontecimentos aqui sumariados, a diretoria da Adusp manifesta sua preocupação com a proliferação, nas unidades da USP, de “regimes disciplinares” policialescos. Não se admite que, no momento mesmo em que a questão da democracia na USP ganha as páginas dos jornais, diretores de unidades exibam um crescente autoritarismo nos campi da universidade. A diretoria da Adusp continuará atenta à escalada de agressões à convivência democrática

Depois da tentativa da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) de instaurar processo disciplinar com a finalidade declarada de expulsar nada menos do que sete alunos da graduação (Informativo Adusp 283), outras unidades juntam-se à sanha punitiva: a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, instituiu um “Regime Disciplinar do Corpo Discente”, ao passo que as diferentes unidades do campus de Ribeirão Preto notificaram cerca de 150 alunos, acusados de cometer “deliberado ato de indisciplina” (“evento com presença de bebidas alcoólicas e mídia eletrônica”) e sujeitos “à aplicação da pena de repreensão capitulada no artigo 249 do Decreto 52.906 de 27 de março de 1972, antigo Regimento da Universidade de São Paulo”.

A Congregação da Esalq aprovou, em 27/8/2009, o “Regime Disciplinar” proposto por sua Comissão de Legislação e Recursos (CLR) em 6/8/2009. O “Regime Disciplinar” visa, segundo o artigo 1º, “assegurar, manter e preservar os princípios morais, a ordem, o zêlo, o decoro e a obediência legal, imprescindíveis a todas as atividades universitárias e à convivência ética (sic) entre docentes, alunos e funcionários da Esalq”.

Entre as infrações disciplinares arroladas no “Regime Disciplinar”, constam “perturbar os trabalhos acadêmicos bem como o funcionamento da administração da Esalq” e “incitar, promover ou apoiar ausência coletiva aos trabalhos escolares, obstruir ou impedir o livre trânsito de membros da comunidade”. A direção da Esalq tenta, assim, coibir greves estudantis (eufemisticamente designadas pela expressão “ausência coletiva”), sem preocupar-se com o detalhe de que legalmente a unidade não pode criar semelhante “regime”.

“A Esalq está extrapolando sua competência”, afirma o professor Demóstenes Filho, diretor regional da Adusp, que entregou à direção da escola um parecer da advogada Lara Lorena, do departamento jurídico da entidade, o qual aponta a inconsistência da decisão de 27/8. “Existe uma isonomia entre os alunos da USP, que devem ser tratados da mesma maneira”, completa o professor, lembrando que não pode haver regime diferenciado em nenhuma das unidades.

Na reunião de setembro da Congregação, por pressão dos estudantes chegou-se a um acordo mediante o qual o “Regime Disciplinar” foi suspenso, devendo ser substituído por uma “política de convivência”, a ser norteada pela preocupação de evitar o trote violento. O Informativo Adusp procurou o professor Antonio Dechen, diretor da Esalq, mas ele se encontrava em um evento e não entrou em contato até o fechamento desta edição.

Conflito em RP

No campus de Ribeirão Preto, explodiu um conflito entre gestores e estudantes, cuja causa imediata é também um código disciplinar: as “Normativas sobre a realização de eventos sociais e festivos no campus da USP de Ribeirão Preto”, aprovadas pelo Conselho Gestor do Campus em 19/8/2009. No entender dos alunos, as “Normativas” impedem a realização de qualquer festa, com ou sem bebida, além de colocar os centros acadêmicos na condição de fiscais da conduta dos estudantes, o que consideram inaceitável.

“Pedimos esclarecimentos sobre o que queria dizer ‘festa universitária’. O coordenador do campus me disse que qualquer tipo de confraternização estava proibido”, relata Leandro Rosa, aluno de Psicologia e membro do centro acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-RP). No seu entender, as “Normativas” do Conselho Gestor envolvem as lideranças estudantis na repressão às festas: “Os centros acadêmicos teriam que ‘dedar’ os alunos; as atividades dos centros acadêmicos podem ser suspensas pelo diretor”.

No dia 2/9, os estudantes reagiram, com o propósito assumido de contestar as novas normas: “Diante disso, resolvemos fazer uma festa como um ato político, para despertar as pessoas quanto ao que estava acontecendo”, diz Rosa. No decorrer da festa, realizada em dependências da FFCL-RP, cerca de 300 alunos assinaram um abaixo-assinado de repúdio às “Normativas”.

Agentes da Guarda Universitária compareceram ao local, ameaçaram chamar a Polícia Militar, e, como os estudantes se recusassem a encerrar a festa, pediram o nome dos responsáveis. Os estudantes então forneceram várias listas de nomes, que constituíam parte do abaixo-assinado, num total aproximado de 150 assinaturas. “O restante das listas entregamos uma semana depois, no Conselho Gestor”, acrescenta Rosa.

Tom policial

A resposta dos diretores de unidades ao ato de rebeldia dos estudantes foi emitir notificações a cada um dos alunos que assinaram o documento, fixando prazo de 15 dias para “apresentação de defesa”. Redigida em tom policial, a notificação informa que a festa de 2/9 foi registrada no boletim de ocorrência 309 da Guarda Universitária (“ilustrado com fotografias”) e que o aluno notificado, além de manifestar repúdio às “Normativas”, “confessando (sic) inclusive ser um dos responsáveis pela organização e realização do referido evento, configurando, dessa forma, um deliberado ato de indisciplina”, está sujeito portanto à aplicação da pena de repreensão prevista no Regimento de 1972, “em vigor por força do disposto no artigo 4º das Disposições Transitórias do Regimento Geral da USP”.

O diretor da FFCL-RP, professor Sebastião de Sousa Almeida, declarou ao Informativo Adusp que, assim como as “Normativas” foram aprovadas pelo Conselho Gestor, a decisão de enviar as notificações foi acordada pelos diretores das diversas unidades do campus, cabendo a cada diretor enviá-las aos alunos dos respectivos cursos. A decisão sobre eventuais punições também será tomada “de comum acordo” por todos os diretores: “Vamos ver a defesa”, disse.

Na visão de Almeida, como as “Normativas” previam a proibição e os alunos deliberadamente a afrontaram, não há por que espantar-se com as notificações: “Os estudantes disseram: ‘Fizemos uma festa com bebida’. O ato foi realizado, a consequência efetivou-se”. Além disso, alega que as festas estão proibidas desde a época das prefeituras do campus, ou seja, antes da implementação da coordenadoria. “O que o coordenador fez foi o seguinte: ‘A festa está proibida, então vamos normatizar’”.

Segundo o diretor, em 2007 os estudantes firmaram com o Ministério Público Estadual um termo de ajustamento de conduta (TAC) que proíbe a realização no campus de quaisquer festas “com barulho, som e bebidas alcoólicas”, para evitar transtornos para os pacientes do Hospital das Clínicas, bem como para as atividades da própria USP e os moradores do entorno. Ele também citou a lei estadual, de 2009, que proíbe o porte e a armazenagem de bebidas alcoólicas nas escolas.

 

Matéria publicada no Informativo nº 294

EXPRESSO ADUSP


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