Sucessão Reitoria
Em reunião com Diretoria da Adusp, chapa “USP Viva” defende adoção de fontes privadas de financiamento na universidade e fim da CERT
A Diretoria da Adusp recebeu na última quinta-feira (4/11) a chapa “USP Viva”, composta por Carlos Gilberto Carlotti Junior (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-FMRP) e Maria Arminda do Nascimento Arruda (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-FFLCH), que concorrem à Reitoria da USP respectivamente como candidato a reitor e candidata a vice-reitora. A Diretoria foi procurada por representante da chapa solicitando a reunião.
A reunião demonstrou que, apesar do programa e do discurso da chapa ressaltarem temas como democracia e diversidade, ainda há lacunas importantes para a compreensão de como esses enunciados serão traduzidos de forma concreta na administração da universidade.
Uma divergência central que a reunião deixou evidente se refere à concepção sobre o financiamento da universidade. A chapa reiterou sua visão de que a USP deve buscar fontes externas de financiamento, incluindo mecanismos de endowment e a adoção de projetos constituídos por meio da chamada “tríplice hélice”.
A Diretoria reforçou o convite para que Carlotti e Maria Arminda participem de uma reunião aberta com a categoria para responder a perguntas da(o)s docentes.
A chapa “Somos Todos USP”, composta por Antonio Carlos Hernandes (Instituto de Física de São Carlos-IFSC) e Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado (Faculdade de Odontologia de Bauru-FOB), declinou do convite da Adusp para a reunião aberta com a categoria.
Nesta terça (9/11), a Comissão Eleitoral da USP realiza o debate oficial da universidade entre as chapas. Cada uma terá dez minutos para apresentar seu programa e depois responderá a perguntas enviadas previamente pela internet. Serão dois blocos de perguntas, com três minutos para as respostas. Ao final, as chapas terão cinco minutos para expor suas considerações finais. O debate começa às 17h, com transmissão ao vivo pelo YouTube.
Leia a seguir as considerações feitas por Carlotti e Maria Arminda e pela(o)s integrantes da Diretoria da Adusp sobre alguns dos temas abordados na reunião do dia 4/11, que teve como ponto de partida o Programa da Adusp para a USP, entregue em mãos à candidata e ao candidato, juntamente com a pauta do Fórum das Seis e os planos de valorização dos níveis iniciais das carreiras docente e técnico-administrativa.
Inclusão, diversidade e permanência
A chapa propõe a criação de uma nova Pró-Reitoria, “que tenha capilaridade grande nas unidades”, definiu Carlotti, “para pensar em políticas de permanência estudantil, de gênero, identidade, saúde mental etc.”. O professor defendeu também que é preciso aumentar o investimento em permanência, porque a USP fez inclusão, “mas ela não foi acompanhada de maior investimento”.
De acordo com o candidato, o tema da diversidade está inserido nessa proposta e será tratado pela nova Pró-Reitoria. “Tenho visto muito primeiro ser implantada a política, achando-se que você tem o domínio do conhecimento, e depois precisar modificá-la. Temos que primeiro dialogar, identificar os atores para esse diálogo, fazer uma consulta ampla e depois implementar. Essa Pró-Reitoria vai conseguir entregar uma universidade muito melhor do que recebemos”, afirmou.
A professora Maria Arminda considera que essa nova estrutura terá capilaridade por ser “um organismo oficial, com assento no Conselho Universitário (Co) e enraizamento nas unidades”.
Um exemplo das diferenças entre os planos da chapa e o projeto da Adusp transpareceu nas questões formuladas pela professora Ana Carolina de Souza Silva, docente da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) e diretora regional da Adusp em Pirassununga, que perguntou “como contemplar as pessoas que deveriam estar em postos e cargos para que vocês conversem com a gente e não falem sobre a gente”. A professora também abordou a dificuldade para que mulheres negras e mães consigam ascender numa carreira competitiva – porém, o candidato não ofereceu uma proposta concreta sobre o tema, que, no entendimento da Diretoria da Adusp, é fundamental para a existência de uma universidade menos machista e racista.
Carreira docente
A professora Annie Schmaltz Hsiou, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e 1a vice-presidenta da Adusp, mencionou as dificuldades enfrentadas nas relações com a Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT), que “não referenda o que vem das unidades”. “Isso atinge diretamente a pauta de mulheres que vêm sendo afetadas principalmente em seu estágio de experimentação ou probatório e são obrigadas a entregar relatórios em meio à licença-maternidade ou logo na volta”, apontou.
Carlotti afirmou que no momento a USP possui duas instâncias de análise da atividade docente, a CERT e a Câmara de Atividades Docentes (CAD). Em sua visão, é muito mais adequado que esse papel caiba à CAD, porque o órgão a faz de forma “seriada, periódica, avalia a unidade, departamento e depois quase naturalmente faz a avaliação docente”. “Nossa proposta é que seria melhor terminar com a CERT e ficar só com a CAD, que tem uma lógica de avaliação melhor”, disse.
Em relação à maternidade, o professor lembrou que, durante sua gestão na Pró-Reitoria de Pós-Graduação – da qual se desvinculou para concorrer à eleição –, “tomamos medidas para proteger as alunas e aumentar o tempo de credenciamento para as mães”.
“Precisamos ter a sensibilidade de fazer essas ações em toda a USP, e não como política de uma Pró-Reitoria isolada, mas que toda a universidade tenha essa percepção com o comprometimento com a maternidade, porque senão nunca vamos ter igualdade. Se tivermos a todo momento uma barreira, um problema, isso vai minando a capacidade e a disposição de seguir na carreira”, afirmou.
Maria Arminda pontuou que “a CERT tem sido uma fonte de tensões impressionante” e que a CAD tem a “grande vantagem” de ser eleita, o que já configura “um compromisso diferente”.
A professora Vanessa Martins do Monte, docente da FFLCH e 1a secretária da Diretoria da Adusp, ressaltou que “há uma política oculta, que ultrapassa as unidades, que a universidade reproduz com bastante sucesso, de discriminação de gênero”. São questões de “assédio, e não apenas de descredenciamento de programas de pós, que vão desde a banca do concurso até o processo de estágio probatório e a convivência nos departamentos”.
Relatos de docentes de diferentes unidades e áreas comprovam que “há uma violência de cunho institucional” relacionada a “docentes mães que quase chegaram a perder o cargo e a docentes rebaixadas de regime durante a licença”, além de questões relacionadas a “negros e negras e estudantes periféricos”. “Há um engendramento de uma série de problemas que passam por representatividade nos órgãos colegiados em geral das unidades”, o que demanda uma reorganização profunda da universidade, ressaltou.
Carlotti mencionou a experiência de universidades de outros países que têm adotado a política de realizar concursos de admissão abertos exclusivamente para mulheres e também utilizando critérios de raça/etnia. Afirmou que algumas universidades federais no Brasil já têm adotado essa política e que a USP também poderia adotá-la.
Em relação à ascensão na carreira, defendeu que deve haver possibilidade de que docentes associada(o)s 3, e não apenas titulares, possam concorrer ou ser nomeada(o)s a determinados cargos, e se disse aberto a discutir a criação da categoria de docente plena(o).
Contratações e reajuste salarial
O professor Paulo Eduardo Moruzzi Marques, docente da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e diretor regional da Adusp em Piracicaba, salientou a “grande preocupação com a redução do quadro docente da USP”, que perdeu mais de 900 docentes efetiva(o)s desde 2014, e com a adoção de políticas de reposição com base em contratos temporários e em alternativas como o chamado “Programa de Atração e Retenção de Talentos” (PART), que a Reitoria continua a utilizar apesar de decisão judicial que o suspende.
A professora Michele Schultz, docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e presidenta da Adusp, pontuou que mais de 10% da(o)s docentes ativa(o)s da USP atuam por meio de contratação temporária ou pelo PART.
De acordo com dados da folha de pagamento de outubro, a(o)s temporária(o)s (343) e contratada(o)s pelo PART (237), num total de 580 pessoas, representam 11,1% do universo atual de 5.226 docentes ativa(o)s da universidade.
Carlotti ressaltou que o comprometimento atual com a folha salarial na USP é de 69% (exatamente 68,98% na folha de outubro, de acordo com a planilha do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas-Cruesp) e que há poucos anos esse índice era de 105%. Em sua visão, há condições de fazer uma reposição que seja, “no mínimo”, equivalente à inflação de 2020-2021.
Desde o ano passado os reitores das três universidades estaduais paulistas não concedem reajuste às categorias de servidora(e)s utilizando como fundamento a Lei Complementar (LC) 173/2020, publicada pelo governo federal em maio de 2020.
O candidato a reitor afirmou ainda que “temos que fazer contratação docente” para recompor o nível que a USP tinha “antes da crise econômica” – referindo-se ao período de 2014-2015, que justificou a adoção de medidas como os “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira” na gestão do ex-reitor M. A. Zago-V.Agopyan (2014-2018). De acordo com Carlotti, esse número seria de 6.200 docentes.
O professor também criticou a política de contratação de temporária(o)s, que em sua opinião deveria ser restrita a cobrir situações como afastamentos por viagens, doenças, licença-maternidade e outras situações específicas, e não como forma de recompor o quadro docente, política que chamou de “tapar o sol com a peneira”.
Financiamento da universidade
Um dos temas em que a divergência entre as posições defendidas pela chapa e pela Diretoria da Adusp ficou evidente é a questão do financiamento da universidade. O professor Marcelo Zaiat, docente da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e diretor regional da Adusp em São Carlos, se disse preocupado com o item do programa da chapa que defende “estimular e criar mecanismos complementares para o orçamento da Universidade que respeitem seu caráter público e sua autonomia”. Zaiat questionou quais serão os limites e os critérios para que o caráter público da universidade não seja ferido.
Carlotti ressaltou que a tendência é que o orçamento da universidade continue sujeito a pressões e tentativas de redução por parte do Executivo. Mencionou também sua preocupação com eventuais mudanças no ICMS – ou mesmo a sua extinção – por conta da reforma tributária em debate no Congresso Nacional. Defendeu que é preciso que a universidade demonstre o seu valor de maneira mais clara à sociedade e tenha relações institucionais mais incisivas e diretas com os poderes Executivo e Legislativo.
Em relação ao endowment, modalidade de fundo patrimonial oriundo de doações privadas – projeto lançado pela USP em novembro do ano passado e cuja Fundação Gestora foi instituída em agosto –, e aos projetos de “tríplice hélice”, envolvendo recursos da universidade, de empresas e do governo, Carlotti afirmou que é preciso que sejam “parcerias claras, límpidas, que podemos controlar e avaliar o que se quer fazer”.
“Não vejo nenhuma possibilidade de desvirtuar a ação da universidade. Insistimos na universidade pública, mas você pode ter outros financiamentos que não deixem dúvida do que está acontecendo e tendo o controle. Se esse processo for feito às claras, com a universidade mantendo o caráter público e a autonomia, não vejo problema em fazer esses acordos”, afirmou.
No caso do endowment, justificou que a iniciativa lhe parece interessante “porque não tem interferência externa de empresas”. “Você usa a reserva do fundo e faz alguma atividade ou política que você define. Isso é muito diferente de permitir que empresa ou outra entidade defina o perfil da pesquisa que você vai fazer”, reforçou.
“O ruim é sermos utilizados como vendedores de algum serviço. Isso não interessa à universidade. Agora, o financiamento que dá liberdade para fazer pesquisa, acho interessante”, prosseguiu.
A professora Maria Arminda também defendeu a ideia. “Vamos ter que fazer inclusão social, política de participação, aumentar salário, contratar professores, repor inflação e dar alguma coisa a mais… Como vamos conseguir financiamento absolutamente público para tudo? Acho que a maneira inteligente é uma relação na qual a universidade controle”, afirmou. “Temos que pensar muito seriamente em como vamos fazer com todos esses problemas, como vamos fazer caber tudo dentro do orçamento.”
A presidenta da Adusp salientou a divergência da visão da entidade em relação ao tema, ressaltando a defesa do financiamento público da universidade e da pesquisa, especialmente a pesquisa básica. “Esse modelo, tanto do endowment quanto da tríplice hélice, pode privilegiar a pesquisa aplicada”, ressaltou.
Michele Schultz mencionou também que essa linha de ação vem recebendo ênfase no governo do Estado, principalmente a partir da atuação da secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen, diretora da consultoria internacional McKinsey&Company à época das nebulosas transações do Projeto “USP do Futuro”.
Democracia e participação
Na visão da candidata a vice-reitora, o programa da chapa “tem um compromisso democrático em termos de diálogo, transparência e decisões compartilhadas, até porque a crise é de tal ordem que temos que reconstruir juntos”.
Já Carlotti pontuou que a democracia pressupõe respeitar os colegiados e os processos de discussão. Em relação à representatividade em órgãos como o Co, defendeu que imediatamente é possível aumentar o número de componentes vindos dos museus e institutos especializados, assim como de categorias como docentes associada(o)s e doutora(e)s. Comentou que também é preciso repensar quais entidades externas deveriam ter assento no conselho.
Carlotti garantiu ainda que as decisões da eventual gestão serão tomadas a partir do diálogo com todos os segmentos e que a Adusp e o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) serão recebidos e não tratados como inimigos. “Para resolver um assunto, é preciso ter o maior número possível de opiniões e visões para aumentar o risco de acertar”, disse. O candidato informou também que itens do programa da chapa podem ser reformulados e novos pontos podem ser incluídos a partir dos debates com os diversos segmentos uspianos antes da eleição – que ocorre em turno único no dia 25/11, depois da consulta à comunidade, no dia 18/11.
O professor Celso Eduardo Lins de Oliveira, docente da FZEA e 2º vice-presidente da Adusp, enfatizou que espera que haja espaço para conversas francas e abertas com a gestão, caso vença a eleição, e que todas as questões referentes à categoria docente sejam debatidas com a Adusp, que a representa. Oliveira citou o fato de o reitor Vahan Agopyan, atual presidente do Cruesp, não ter recebido as entidades do Fórum das Seis no último dia 4/10, apesar da solicitação prévia para uma reunião, e que há mais de cem dias o Fórum aguarda o Cruesp agendar uma reunião do grupo de trabalho para debater as propostas de recomposição salarial e de valorização dos níveis iniciais da carreira. Carlotti e Maria Arminda não foram explícitos no compromisso de que as questões referentes à categoria envolverão a Adusp, apesar de mencionarem diálogo com os segmentos.
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