Denúncia
Quem são os dirigentes da Comunitas?
Convênios da entidade com prefeituras são questionados e justiça anula contrato em Pelotas
Incumbida pela Reitoria da USP de elaborar o projeto “USP do Futuro” em colaboração com a consultoria McKinsey&Company, cabendo-lhe ainda financiar a iniciativa por intermédio de doações de “ex-alunos”, a “organização da sociedade civil de interesse público” (Oscip) Comunitas-Parcerias para o Desenvolvimento Solidário conta na sua direção com pessoas ligadas à Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e à Fundação Instituto de Administração (FIA).
A Comunitas é presidida por Regina Célia Esteves de Siqueira, que assina os documentos firmados com a USP relacionados ao projeto (confira aqui). Nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Regina foi diretora de Projetos Especiais do Gabinete do Ministério da Educação (MEC) e, “de 1996 a 2002”, atuou no Conselho da Comunidade Solidária. Seu currículo informa ainda que é formada “em Administração de Empresas, com MBA em Gestão Universitária”, e que desde 2009 “responde pela gestão do Centro Ruth Cardoso — criado em 2009 por sua mantenedora AlfaSol — e da Comunitas, como Diretora-Presidente”.
O Conselho Diretor da Comunitas, por sua vez, tem como presidente o empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan e ex-diretor do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tem duas vice-presidentes: as professoras Rosa Maria Fischer (FEA-USP) e Gilda Figueiredo Portugal Gouveia (Unicamp).
Rosa Maria Fischer é professora titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP). Fundou e dirige o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor, programa da FIA, “onde coordena o MBA Gestão e Empreendedorismo Social e os cursos de especialização em Responsabilidade Social e Terceiro Setor”. Trata-se da fundação privada que durante anos se disse “de apoio” à USP, no entanto em 2011 montou sua própria faculdade. A professora participa de conselhos de diversas instituições: “Fundação Itaú Social, Fundo Itaú de Excelência Social (FIES), Fundação Jari, Centro Ruth Cardoso (CRC), Centro de Estratégias para Organizações Sociais (CEOS) e Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin”.
Gilda Portugal, por seu turno, é professora colaboradora do Departamento de Sociologia da Unicamp, vice-presidente do Conselho Consultivo do CRC e membro do Conselho Curador da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso. Foi delegada do MEC em São Paulo (1995-1999), assessora especial do ministro Paulo Renato, da Educação (1999-2002) e assessora especial do Secretário da Educação de São Paulo (2007- 2011).
Entidades irmãs
O CRC, organização criada em 2009, e a Alfasol (Alfabetização Solidária), surgida em 1998, são como entidades irmãs da Comunitas. Dividem o mesmo prédio: “Edifício Ruth Cardoso”, na Rua Pamplona 1.005, na capital paulista. E a composição de seus orgãos de direção e colegiados registra algumas nomes coincidentes.
As três organizações são presididas por Regina Célia (que integra ainda o Conselho Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, e outros colegiados). Gilda Portugal exerce, como visto, a vice-presidência dos conselhos da Comunitas e do CRC — Consultivo, neste caso. Rosa Maria Fischer também integra o Conselho Consultivo do CRC, ao lado do professor da Faculdade de Direito da USP e ex-ministro Celso Lafer (presidente), do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de seus filhos Paulo Henrique, Luciana e Beatriz Cardoso, num total de vinte e três componentes.
A Comunitas define-se como “organização da sociedade civil brasileira que tem como objetivo contribuir para o aprimoramento dos investimentos sociais corporativos e estimular a participação da iniciativa privada no desenvolvimento social e econômico do país”. A principal decorrência disso parece ser a busca de parcerias com prefeituras e órgãos estatais, com base na proposição de que o Estado é deficiente e tal colaboração pode levar a superar os “gargalos” e “inconsistências” da atuação do poder público. A Comunitas acredita-se detentora ou facilitadora de saberes e metodologias empresariais que, mediante “treinamento”, serão repassados a gestores e funcionários públicos.
A revista Exame, do grupo Abril, exalta assim uma dessas parcerias, em reportagem laudatória publicada em 2015: “Nos últimos dois anos, a Prefeitura de Santos, no litoral paulista, tem passado por um choque de eficiência que tirou um bocado de seu ranço de repartição pública e a tornou, em alguns aspectos, parecida com uma empresa. Um exemplo: os 12.000 servidores municipais agora passam por avaliações de desempenho periódicas, uma prática comum na iniciativa privada. Caso atinjam os objetivos, que incluem redução de despesas e metas de produtividade, recebem um salário extra”.
Depois de enumerar avanços como o aumento de 20% no número de crianças atendidas em período integral nas escolas municipais de Santos, a revista explica: “Para definir onde a Prefeitura pode ganhar eficiência, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) e seus secretários passam por uma sabatina a cada três meses com alguns empresários de porte, como Rubens Ometto, sócio da Cosan, uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do Brasil, e José Ermírio de Moraes Neto, conselheiro do grupo Votorantim”. O prefeito, diz Exame, “faz parte do Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável”, cujo objetivo é “reunir empresários e poder público para melhorar a gestão das cidades”.
A presidente da Comunitas reforça esse discurso. A seu ver, “a gestão pública no Brasil é muito fechada em si e tem o desafio de trabalhar conjuntamente com o empresariado e a sociedade civil para elevar o nível de eficiência dos serviços destinados à população”. Prossegue: “A iniciativa privada está sempre pensando no futuro. A gestão pública tem primeiro um planejamento olhando para as coisas que aconteceram e como ela reage ao presente. E, quando pensa no futuro, é no período de gestão daquele governo. É um planejamento de governo, e não de Estado”.
Sem licitação
Assim, os pactos induzidos pela Comunitas abrem caminho à tutela do poder público por visões e rotinas de viés empresarial, privado, o que suscita questionamentos. Tais parcerias, ademais, são realizadas sem licitação, não raramente são negociadas de modo sigiloso, e implicam a contratação de “parceiros técnicos” designados pela Comunitas. Tudo isso tem provocado reações.
Em 2015, por exemplo, a Câmara Municipal de Pelotas (RS) exigiu explicações do prefeito Eduardo Leite (PSDB) a respeito de um termo de parceria assinado em 2013 com a Comunitas para implantar um programa de desenvolvimento sustentável: “Mesmo com o contrato cancelado pelo Tribunal de Justiça do Estado [TJE], em janeiro de 2015, a Prefeitura de Pelotas mantém o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A, conhecido como Grupo Falconi, atuando na administração municipal”.
Inicialmente, o Instituto Falconi foi contratado pela Prefeitura de Pelotas em fevereiro de 2014, por R$ 2,148 milhões, para “avaliar a situação e qualidade da educação no município, bem como implantar novas práticas de gestão que ampliassem a qualidade do ensino” — mais concretamente, elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O contrato, contudo, não foi submetido à análise do Conselho Municipal de Educação.
Por unanimidade, a 1ª Câmara Cível do TJE, a pedido do Ministério Público Estadual, expediu liminar em que suspendeu o contrato, por considerar que “a necessidade da realização da consultoria contratada para alegada consecução do interesse público é por demais duvidosa e pouco razoável, quando haveria outras alternativas mais presentes no cotidiano do ensino municipal e bem menos onerosas aos cofres públicos”. Em janeiro de 2015, foi a vez de a 4ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública exarar sentença em que declarou anulado o contrato.
Quanto ao projeto de desenvolvimento sustentável, as evidências são de que nem mesmo os secretários municipais tiveram acesso à sua formulação. No início de 2014, o site da Comissão Nacional do PSDB informou que o prefeito de Pelotas apresentou o “Plano de Estratégia e Gestão 2014-2017 aos secretários e assessores da Prefeitura”, aos quais anunciou: “Esta cartilha deve passar a nortear as nossas ações daqui para frente. Ela estabelece os valores que norteiam o nosso governo e nos ajudará a canalizar os esforços nas prioridades traçadas”. Em resumo: a estratégia de governo foi elaborada por consultores externos, estranhos à gestão pública.“A cartilha foi produzida com a colaboração da Comunitas e da Falconi Consultores de Resultado, através do Programa Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável”, continua o site do PSDB. “O serviço de consultoria do Plano Estratégico 2014-2017, coordenado pela Coordenadoria de Estratégia e Gestão da Prefeitura, tem apoio da iniciativa privada. Orçado em R$ 1,5 milhão, o serviço é patrocinado por um grupo de líderes empresariais”.
“A cartilha foi produzida com a colaboração da Comunitas e da Falconi Consultores de Resultado, através do Programa Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável”, continua o site do PSDB. “O serviço de consultoria do Plano Estratégico 2014-2017, coordenado pela Coordenadoria de Estratégia e Gestão da Prefeitura, tem apoio da iniciativa privada. Orçado em R$ 1,5 milhão, o serviço é patrocinado por um grupo de líderes empresariais”.
Confidencialidade
Em Campinas (SP), o Ministério Público Estadual recebeu em 2014 uma representação protocolada pela Frente Legislativa pela Educação Pública, que pediu investigação da legalidade do convênio firmado, em abril de 2013, entre o prefeito Jonas Donizette (PSB) e a Comunitas, tendo como “intervenientes” outras três instituições privadas: Instituto Falconi, Centro de Liderança Pública (CLP) e Instituto Tellus. Vale assinalar: o CLP é onde leciona Patrícia Ellen da Silva, sócia da McKinsey&Company e uma das coordenadoras do projeto “USP do Futuro”.
Tratava-se do mesmo “Programa Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável” aplicado em Santos, Pelotas, Juiz de Fora (MG), Teresina (PI) e outras cidades do país. Formada por parlamentares da oposição, a Frente Legislativa pela Educação Pública avaliou que a Comunitas estaria executando atividades inerentes à Prefeitura de Campinas, “com remuneração mediante captação de recursos realizada a partir de ação do próprio poder público”, como informou o Blog da Rose.
Diferentemente de Pelotas, em Campinas a resistência à parceria não foi bem sucedida. Mas vieram à tona as semelhanças entre os casos, como o segredo previsto nos documentos. A Prefeitura de Campinas firmou com a Comunitas o “Termo de Sigilo e Confidencialidade 6/13”, cuja cláusula 4.1.b) define que “compete à conveniada [Comunitas] e intervenientes [Falconi, CLP e Tellus] manter o sigilo relativo às informações confidenciais e revelá-las apenas à conveniada e intervenientes [sic]”. Já a cláusula 4.2.a) estipula que “compete ao convenente [o município] envidar esforços para disponibilizar todas as informações confidenciais solicitadas pela conveniada e intervenientes no prazo máximo [de] 48 horas”.
A cláusula 6.1. assegura “a proteção apropriada para as informações relativas a negócios, dados estatísticos e/ou pessoais, recursos humanos, comercialização ou promoção de qualquer produto ou serviço, diretriz ou práticas comerciais, bem como quaisquer relatórios, documentos técnicos ou não, desenhos, materiais e mercadorias, levadas ao conhecimento da Receptora [Comunitas e seus ‘parceiros técnicos’], cujo teor a Transmissora [Prefeitura] não deseja que seja revelado, publicado ou disseminado sem sua prévia autorização”.
A exemplo do que vem ocorrendo na USP, esse tipo de convênio tende a gerar insatisfações e desconfianças. Primeiro porque é difícil aceitar que uma Prefeitura tenha tanto a esconder dos munícipes, e mais ainda compreender o que a leva a confiar tão cegamente em entidades privadas a ponto de lhes repassar informações que considera sigilosas. Segundo porque a Comunitas sempre termina por impor seus parceiros, como o Instituto Falconi — ou, no caso da USP, a McKinsey&Company.
Cortes de pessoal
A “Cartilha de Equilíbrio Fiscal – Diagnóstico da Folha de Pagamento”, lançada pela Comunitas em 2016 como orientação para prefeituras, contou com a colaboração de assessores do instituto na sua produção, e a bibliografia utilizada cita relatórios da empresa e dois livros de Vicente Falconi. O consultor, dono do instituto que leva seu nome, é conhecido por sugestões de reestruturação que incluem drásticos cortes de pessoal. O então governador Aécio Neves (PSDB) contratou Falconi para adotar o “choque de gestão” em Minas Gerais. O governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) solicitou os serviços do consultor “para ajudar na tarefa de redução de custos” em 2011.
O Instituto Falconi também foi contratado pelo prefeito Reni Pereira (PSB), de Foz do Iguaçu (PR), sem licitação, para executar um projeto de “modernização da gestão”, por R$ 4,1 milhões. Em julho último, Reni foi preso pela Polícia Federal, acusado de corrupção e peculato.
O Informativo Adusp entrou em contato com a Comunitas, em 22/9, para que a entidade esclarecesse questões relativas ao projeto “USP do Futuro”.
A Comunitas não respondeu: ao invés disso, encaminhou as perguntas à Assessoria de Comunicação da Reitoria da USP, que comunicou ao Informativo Adusp, por e-mail, que a “comunicação referente a esse projeto está centralizada na Universidade” — e, a título de resposta, reiterou “a nota divulgada no dia 20/9”.
As perguntas que a Comunitas deixou de responder são as seguintes: “Como se dará a participação da Comunitas no projeto? Como se deu a escolha da Comunitas pela USP e qual é ou será seu papel no projeto? A Comunitas participou de audiência com o governador Geraldo Alckmin em 5/9. Qual o objetivo da reunião, bem como da presença de algumas grandes empresas?”
Questionamentos da Câmara Municipal de Pelotas quanto à parceria entre Prefeitura, Comunitas e Instituto Falconi
Após examinar a documentação e as informações disponíveis sobre os termos de parceria firmados entre a Prefeitura de Pelotas e a Comunitas, a Câmara Municipal apresentou os seguintes questionamentos ao prefeito:
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