Em mais um ataque à ciência, à pesquisa e à educação no Estado, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) inseriu no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 encaminhado à Assembleia Legislativa (Alesp) um dispositivo que pode reduzir o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em cerca de 30%.

O inciso IV do artigo 22 da LDO cita, além do artigo 271 da Constituição do Estado —que determina que o Estado destinará “o mínimo de um por cento de sua receita tributária” à Fapesp —, o artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

Esse artigo, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 132, que no ano passado instituiu a reforma tributária, determina que “são desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032, 30% (trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes”.

A inclusão do dispositivo permitiria a redução de 30% do orçamento da Fapesp, valor estimado em cerca de R$ 600 milhões.

A possibilidade de corte de recursos da agência mobilizou diversos setores da comunidade acadêmica e até mesmo do mercado, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que vieram a público em defesa da Fapesp e da manutenção do seu financiamento.

O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) divulgou comunicado no qual afirma que “o ensino superior e o ecossistema de pesquisa, desenvolvimento e inovação” têm “relação intrínseca” com a Fapesp.

“Esse sistema, caracterizado pela importante interação com a sociedade, pela transferência do conhecimento e pelo forte impacto na qualidade de vida da população, para ser eficiente, necessita de planejamento a longo prazo, de apoio político, de políticas públicas eficientes e de financiamento adequado”, dizem os reitores.

“Para manter esses ganhos históricos e avançar nessa trajetória, precisamos de uma Fapesp protagonista, com financiamento previsível, para que sejam mantidos sua acurada qualidade na avaliação de projetos e seu reconhecimento internacional. A pujança da ciência de São Paulo deve crescer cada vez mais e o apoio dos Poderes Executivo e Legislativo são [sic] fundamentais para a manutenção e o progresso dessa excelência”, finaliza a nota assinada pelos reitores da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, presidente do Cruesp, da Unesp, Pasqual Barretti, e da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles (Tom Zé).

Entidades que compõem o ICTP.Br se declaram “em estado de muita apreensão”

Entidades científicas que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br) — entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC); e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) —divulgaram nota na qual se declaram “em estado de muita apreensão” em razão da possibilidade de corte de 30% dos recursos da Fapesp.

“Todas as entidades aqui representadas se manifestam e apelam para as organizações sociais e públicas, a imprensa, as instituições empresariais e, principalmente, aos parlamentares estaduais, que não permitam que seja interrompida essa história de grandeza construída pela sociedade paulistana, responsável pelo desenvolvimento do estado e exemplo para o restante do país, alterando-se Constituição Estadual para a redução dos recursos dessa importante agência pública”, diz o comunicado.

O Conselho Superior da Fapesp, presidido pelo ex-reitor da USP M. A. Zago, também emitiu manifestação sobre o projeto da LDO. No texto, o colegiado afirma que “recebe essa notícia com grande surpresa e extrema preocupação”. “Surpresa porque a redução do financiamento da ciência, tecnologia e inovação não fez parte, até o momento, de qualquer plano ou manifestação da atual administração do Estado; pelo contrário, o governo paulista, até o momento, tem expressado pleno apoio à Fapesp e a todo o sistema de ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, que se destaca no panorama nacional pela qualidade e eficiência, resultante, em parte, da estabilidade do financiamento da Fapesp por 62 anos. Preocupação, porque desnecessário reiterar o papel essencial da Fundação no Estado e no país.”

Contudo, acredita o Conselho Superior da Fapesp, “o Executivo pode reverter com urgência esta previsão de reduzir o financiamento da Fapesp, cuja estabilidade desde a promulgação da Constituição Paulista de 1989 jamais foi afetada”.

O colegiado lembra que, “num momento crítico de novos desafios tecnológicos em temas como vacinas, inteligência artificial, genômica, mudanças climáticas, combate ao câncer e tecnologias quânticas, não podemos retroceder”.

“Esperamos que o Executivo Paulista, fiel à sua determinação de apoiar o desenvolvimento do Estado com base no conhecimento e na tecnologia, restaure a determinação pioneira feita pela Assembleia Constituinte de São Paulo em 1947, reiterada na reforma constitucional de 1989, de aplicar 1% da receita tributária do Estado no apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico paulista. É esta destinação que assegurou e assegura a liderança do Estado na ciência e na inovação brasileira”, finaliza.

Governo diz que “não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”

Em nota à imprensa, a Federação das Indústrias destaca que a Fapesp “tem uma história muito relevante de apoio à ciência, à tecnologia e à inovação em São Paulo” e “é parte essencial do sistema de paulista de inovação, que coloca São Paulo na liderança tecnológica do país”, sucesso cuja base é “a estabilidade dos recursos repassados à Fundação”. “Para isto, é importante manter e reafirmar o estabelecido na Assembleia Constituinte de 1989, que prevê o aporte de 1% da Receita Líquida estadual à Fundação”, defende a entidade empresarial.

Cabe ressaltar que a postura da Fiesp e de algumas outras entidades certamente está ligada ao volume cada vez maior de recursos que a agência tem investido no setor privado, a pretexto de fomentar a inovação e o “empreendedorismo”.

Outro ponto a destacar é que a própria Fiesp, assim como o Cruesp e as várias entidades do mundo acadêmico e científico que vieram a público agora em meritória defesa da Fapesp, não se manifestaram em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, também encaminhada pelo governo Tarcísio à Alesp, que reduz a destinação mínima de recursos para a educação no Estado de 30% para 25% da receita de impostos. Se aprovada, a PEC 9/2023 irá subtrair cerca de R$ 10 bilhões anuais do ensino público e impactará inclusive o financiamento das universidades estaduais paulistas.

A PEC 9/2023 aguarda votação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alesp, onde a oposição tem usado de todos os mecanismos regimentais possíveis para barrar a sua tramitação.

O governo Tarcísio-Ramuth, em nota divulgada pela imprensa, diz que “o artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não reduz em 30% o orçamento da Fapesp” e que “a mudança observada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) trata de ajuste de publicação da norma”, em função das alterações trazidas pela reforma tributária.

“O dispositivo aponta que haverá um anexo próprio na Lei Orçamentária Anual demonstrando o cumprimento da vinculação de receita da Fundação. O debate sobre a alocação e efetivação da dotação é realizado no âmbito do envio da Lei Orçamentária Anual de 2025 à Assembleia Legislativa, que ocorre em setembro. Não há previsão de utilização deste dispositivo até o momento”, afirma o Executivo.

Não é a primeira vez nos últimos anos que o orçamento da Fapesp é alvo de ataques do governo estadual. Em 2020, a Lei Orçamentária Anual enviada pelo então governador João Doria (PSDB) e aprovada pela Alesp para o ano seguinte previa a aplicação da Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios (DREM) ao orçamento da Fapesp, o que possibilitaria a redução de 30% do orçamento da agência. Porém, no final desse mesmo ano, Doria publicou um decreto para “recompor” o orçamento da Fapesp e das universidades estaduais, também afetadas pela medida.

EXPRESSO ADUSP


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