Meio ambiente
Diretor do Instituto Butantan receberá representantes de movimento que luta pela suspensão do desmatamento e da instalação de fábricas no local
Uma comissão de representantes do movimento SOS Instituto Butantan será recebida pelo diretor da instituição, o médico Esper Kallás, docente da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A reunião terá a participação do vereador Nabil Bonduki (PT), professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), que foi procurado pelo próprio Kallás para intermediar o encontro, segundo relatou em plenária do movimento realizada na noite da última quinta-feira (8 de maio) no Centro de Saúde Escola Butantã (CSEB). As datas propostas pelo diretor foram 31 de maio ou 2 de junho.
A comissão deve apresentar a Kallás uma pauta de reivindicações relacionadas aos problemas causados pelas obras de expansão em andamento no Butantan. Entre as principais reclamações das entidades e coletivos e de moradores(as) do entorno estão o barulho causado pelas obras e novas construções, a poluição, o trânsito intenso de caminhões e o risco biológico representando pela instalação de unidades fabris na região. Outro problema grave é a previsão de derrubada de 6.629 árvores na área do instituto para dar lugar a prédios do complexo fabril.

Na plenária, representantes do movimento e moradores(as) deixaram claro que não são contra a produção de vacinas, principal justificativa do Butantan para a expansão, mas questionam a instalação de fábricas em meio a uma zona residencial. Além disso, a área é tombada desde 1981 como bem cultural de interesse histórico e paisagístico estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).
Existem áreas alternativas para a expansão industrial
“O Butantan é uma área de 750 mil m², cercada pela USP e por bairros residenciais. Se essas unidades forem instaladas lá dentro, os bairros vão deixar de ser residenciais e a região vai passar a ser fabril, sendo que existem outras possibilidades para essa expansão”, disse na plenária a professora Shirley Schreier, docente sênior do Instituto de Química (IQ) e vizinha do instituto.
O movimento também quer reforçar que os impactos negativos das intervenções não se restringem à vizinhança, mas trarão prejuízos ambientais com reflexos em toda a cidade, cujas áreas verdes estão cada vez mais ameaçadas.
Em caso de acidentes com material biológico, alertou a professora, as consequências serão sentidas imediatamente, porque os muros do terreno são incapazes de conter as ameaças. Os riscos não são apenas locais, mas podem se tornar até globais, afirmou, citando a pandemia da Covid-19, originada numa cidade chinesa.
A professora mencionou como uma das alternativas para a expansão industrial do Butantan a Fazenda São Joaquim, propriedade do instituto em Araçariguama, na região de Sorocaba, que tem mais de 1.200 hectares.
Lúcia Ribeiro, moradora da vizinhança, relatou na plenária que está com problemas de saúde decorrentes do barulho das novas instalações construídas ao lado do biotério do Butantan. “Estou com zumbido no ouvido, problemas de audição e dificuldade para dormir, coisas que nunca tive”, disse. As queixas são comuns na região, afirmou.
“O apartamento é meu, moro ali há anos. O que tenho que fazer? Sair da cidade, do país? Como é possível isso?”, questionou.
Em artigo publicado no Jornal da USP, o professor Marcus Mazzari, docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), registrou que “milhares de pessoas que vivem nas proximidades da antiga mata do Instituto Butantan, ‘patrimônio histórico do Estado de S. Paulo’, estão submetidos atualmente à tortura inaudita de um barulho permanente, 24 horas por dia, que vem de exaustores, geradores, condensadores de ar-condicionado e outras fontes que para o leigo é difícil identificar com precisão”. “Distúrbios de audição, insônia (mas como conciliar o sono sob ruído ininterrupto de máquinas?), estresse, crise de ansiedade e de hipertensão são a consequência natural dessa situação escabrosa”, prossegue.
“Produção de vacina ou preservação dessa mata mostra-se como dilema inteiramente falso! E é absolutamente estarrecedor que a Fundação Butantan – cujo projeto engloba também a construção de um grande restaurante com seu correspondente estacionamento – tenha conseguido junto aos órgãos competentes autorização para promover tais devastações no coração de uma zona residencial!”, diz Mazzari.
Gestão anterior “passou o trator”, considera atual diretor do Butantan
De acordo com Bonduki, Esper Kallás disse que está procurando alternativas de terrenos para a construção das unidades fabris, mas não citou especificamente nenhum local.
Na avaliação do vereador, o caso do Butantan é mais um exemplo dos conflitos em relação ao planejamento urbano dos quais a cidade está cheia, embora o caso tenha as suas especificidades. “O tipo de iniciativa que está ocorrendo aqui, que é produção industrial, é diferente do problema com as incorporadoras e a construção de prédios de apartamentos”, considera.

“Acho que devemos manter a mobilização em todas as possibilidades, mas também pode haver um caminho e uma negociação para uma alternativa que pode dar alguns resultados interessantes”, considera Bonduki. “Essa possibilidade de diálogo está aberta”.
Ao assumir a gestão do instituto, em janeiro de 2023, Kallás já encontrou em andamento algumas ações do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), elaborado pelo arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, livre-docente aposentado da FAU e presidente do Condephaat.
De acordo com Bonduki, Kallás afirmou que a expansão prevista no PDDI era um projeto caro à gestão anterior do instituto, comandada pelo médico Dimas Covas, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP). “A gestão anterior ‘passou o trator’, ele usou esse termo”, disse o vereador.
Movimento avalia acionar o Ministério Público Federal
Já há um inquérito em andamento no Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) que questiona as intervenções na área do instituto, como o desmatamento de quase mil árvores entre 2021 e 2022. Esse inquérito, porém, não tem avançado e ainda não se transformou em processo. A necessidade de uma ação mais efetiva por parte do MP-SP vem sendo reivindicada há meses, e foi tema inclusive de uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa (Alesp) no final do ano passado.
O movimento está se articulando para tomar outras iniciativas. Dada a morosidade do MP-SP, o Grupo de Trabalho (GT) Jurídico do SOS Butantan tem procurado entidades que possam patrocinar uma ação civil pública e está providenciando a contratação de um perito para produzir um laudo sobre o desmatamento e outros impactos das intervenções na área. A possibilidade de acionar o Ministério Público Federal (MPF) está sendo avaliada. Ações para ampliar o envolvimento dos(as) moradores(as) do entorno nas atividades estão em andamento.
Assessores(as) de pelo menos outros(as) cinco vereadores(as) – Eliseu Gabriel (PSB), Keit Lima (PSOL), Luana Alves (PSOL), Luna Zaratini (PT) e Marina Bragante (Rede) – também estavam presentes na plenária e reforçaram o compromisso dos mandatos com a causa. Entre as possibilidades de ações no âmbito municipal está questionar o Butantan, os órgãos do município e até a Justiça em relação ao zoneamento urbano e ao uso do solo – afinal, o que o se pretende é transformar uma área residencial numa área industrial, sem a mensuração dos impactos e das consequências.
Outro ponto questionado na plenária foi a relação entre o Instituto Butantan e a Fundação Butantan, entidade privada dita “de apoio” que na prática tem dado as cartas nas ações do instituto público. Na audiência da Alesp em dezembro passado, o procurador José Mendes Neto, do Ministério Público de Contas (MPC), qualificou como “rigorosamente confusa” a relação entre o instituto e a fundação. “É uma mistura entre o público e o privado em que não se sabe onde começa o público e onde termina o privado”, definiu.
No mesmo dia da plenária, por sinal, a Fundação Butantan publicou no Diário Oficial do Estado as demonstrações financeiras referentes a 2024. O superávit registrado chegou a R$ 826,6 milhões.
No próximo dia 24 de maio, às 10h, as entidades e coletivos que compõem o movimento farão uma marcha, com início na Estação Butantã do Metrô, seguindo até a entrada do Instituto Butantan na avenida Vital Brasil. A intenção é entrar na área e conversar com a população e os(as) visitantes sobre os problemas provocados pelas intervenções já em andamento e as demais previstas no projeto de expansão.
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