Em vitória para seu projeto de construção de fábricas em área tombada, Instituto Butantan obtém autorização para erguer prédios de 48 metros, embora gabarito seja de 25 metros
Fotomontagem representa novos prédios industriais do Butantan, projetados com gabarito de 60 metros, vistos do câmpus (Imagem: IB)

O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) aprovou parcialmente, no início de abril, depois de longa tramitação, a revisão do plano diretor do Instituto Butantan, batizado de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI).

O PDDI foi apresentado em 2022, exatamente dez anos depois da aprovação do plano vigente. Intervenções de grande porte já estão em andamento na área do instituto para colocar de pé as mudanças previstas na revisão.

Moradores(as) da região do Butantã vêm denunciando nos últimos anos a derrubada de árvores na área do instituto e outras ações que têm provocado transtornos à comunidade, incluindo a obstrução de vias para trânsito de caminhões pesados que carregam material para as obras. Em relação ao desmatamento, tramita no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) um inquérito civil para investigar o caso (leia abaixo).

De acordo com uma lista publicada pelo Butantan em abril de 2022, 35 edificações seriam demolidas, enquanto outras 12 seriam construídas, incluindo novas fábricas de vacinas e um edifício-garagem de seis andares. Alguns itens foram suprimidos na versão final do projeto aprovada pelo Conpresp.

Questionado pela reportagem do Informativo Adusp Online, o Butantan não respondeu sobre o andamento atual e o cronograma de execução das obras a partir da resolução do Conpresp.

Uma das restrições impostas pelo órgão, ligado à Secretaria Municipal de Cultura, reduz de 60 metros para 48 metros o gabarito máximo das novas construções na área do instituto. O gabarito é a altura do térreo até o nível da cobertura, excluídos o ático, as casas de máquinas e a caixa d’água.

Mesmo essa “redução”, porém, já representa uma concessão ao Butantan, porque em 2017 o gabarito para a chamada “área envoltória” do instituto foi estabelecido pela legislação municipal em 25 metros. Estudos em curso para o Plano de Intervenção Urbana (PIU) Arco de Pinheiros preveem gabarito máximo de 28 metros também para a Zona de Ocupação Especial (ZOE) da qual o Instituto Butantan e a Cidade Universitária fazem parte.

Revisão dos parâmetros pode levar à permissão de gabarito de até 60 metros

No entanto, a SP Urbanismo, empresa pública ligada à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), manifestou ao Conpresp a possibilidade de permitir um gabarito de 48 metros na ZOE Butantan. A mágica vem de um “empréstimo” desse índice, válido para as regiões classificadas como Zonas de Centralidade (ZC). Esse é o caso de perímetros demarcados na Av. Corifeu de Azevedo Marques, uma das vias que delimitam a área do instituto.

“Entendemos que a adoção do gabarito de 48 metros parece ser uma solução intermediária que, de um lado, possibilitará a expansão das atividades do instituto e da produção de vacinas (visto que tem quase o dobro de aproveitamento do atualmente permitido), e, de outro, diminuirá o impacto da implantação desses edifícios dentro do perímetro tombado e também no entorno do instituto”, disse em seu voto a conselheira Eneida de Almeida, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no Conpresp e uma das relatoras do processo.

O voto da conselheira, aprovado por unanimidade em reunião extraordinária do órgão no último dia 4/4, abre até a possibilidade de que as edificações alcancem o gabarito de 60 metros proposto inicialmente pelo instituto, caso a SMUL e a SP Urbanismo venham a alterar as definições acerca dos parâmetros da ZOE Butantan.

A conselheira lembrou que “o PDDI prevê a expansão para os próximos 20 anos” e que “haverá tempo hábil para se considerar alternativas de expansão da atividade fabril em lotes que não tenham restrições de tombamento ou gabarito”.

A decisão do Conpresp determina ainda que o Butantan deve apresentar os respectivos licenciamentos por parte da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para a “aprovação de projetos específicos para setores/edificações relativas ao plano de expansão”.

Receitas do instituto são públicas, mas gestão é de fundação privada

Ao longo de toda a tramitação do projeto, o Butantan jamais abriu mão do gabarito de 60 metros para as novas edificações, mesmo havendo manifestações e pareceres técnicos contrários por parte do Conpresp. Outros itens do PDDI, no entanto, foram alterados, por meio da supressão de algumas construções inicialmente previstas. Foi cancelada, por exemplo, a construção de dois edifícios do setor de pesquisa e um do setor industrial, além de um mirante no centro do terreno.

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Trânsito de caminhões e maquinário pesado é constante na área do instituto

O projeto também deixou de prever a utilização de áreas atualmente ocupadas, o que levaria ao despejo de diversas organizações lindeiras ao instituto, como o Centro de Saúde Escola do Butantã (Cseb), a Escola Técnica Estadual (ETEC) Cepam e o Ponto de Economia Solidária e Cultura, entre outros.

Os impactos dessas intervenções para a vizinhança, incluindo a Cidade Universitária, são evidentes e vão desde o aumento expressivo da circulação de veículos pesados até os riscos envolvendo o funcionamento de grandes fábricas que vão lidar com biossegurança e compostos potencialmente perigosos em meio a uma região densamente povoada como a do Butantã.

“Eles poderiam construir uma fábrica de vacinas num lugar que não fosse patrimônio histórico, economizando dinheiro, e não gastando a rodo como estão fazendo. É muito surpreendente haver um investimento tão grande num parque industrial verticalizado, que custa muito mais caro”, diz Sonia Hamburger, integrante do Conselho Gestor do Ponto de Economia Solidária e Cultura. “Vão gastar um dinheiro enorme para construir um complexo de produção de vacinas numa área de proteção ambiental e derrubando muitas árvores, o que para nós, em São Paulo, é muito ruim.”

Em relação às finanças, vale ressaltar que as receitas do Butantan são quase que integralmente oriundas de recursos públicos, fruto da venda de vacinas e outros insumos especialmente ao Ministério da Saúde, para utilização no Sistema Único de Saúde (SUS).

Ocorre que os recursos são administrados por uma entidade privada, a Fundação Butantan, que cada vez mais dá as cartas no rumos do instituto público, relação classificada como inconstitucional pelo Ministério Público de Contas (MPC).

Em 2021, em virtude da venda de 101,7 milhões de doses da CoronaVac para a vacinação contra a Covid-19, a Fundação Butantan alcançou R$ 8,076 bilhões de receita líquida, conforme seu balanço. O superávit chegou a R$ 2,578 bilhões.

O PDDI, com a sua gigantesca previsão de novas obras e consequentemente de grandes custos, começou a tramitar nos órgãos públicos no ano seguinte. Mera coincidência?

Sonia Hambuger critica também a construção do edifício-garagem de seis andares, praticamente “grudado” à entidade. “Isso é um absurdo, num lugar que é ao lado do metrô. É um incentivo ao transporte privado, individual, dentro de uma área pública”, afirma.

O Cseb, que presta atendimento médico à comunidade e é unidade de formação de estudantes e desenvolvimento de projetos da USP, também tem sofrido com o trânsito de caminhões que carregam material para as obras que estão sendo feitas no seu entorno.

Análise técnica aponta prejuízos como poluição e diminuição da cobertura vegetal

Várias dessas consequências foram apontadas em análise técnica emitida em março deste ano pela arquiteta Marina Prado, do Núcleo de Projeto, Restauro e Conservação (NPRC) do Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo, e encaminhada ao Conpresp. “O manejo arbóreo previsto para a implantação dos novos empreendimentos terá um impacto significativo sobre o local, resultando em: diminuição da cobertura vegetal e área permeável; geração de processo erosivo; perda de habitats da fauna; mudanças microclimáticas; alteração no escoamento das águas pluviais etc.”, descreve ela.

A arquiteta menciona ainda “impactos decorrentes da expansão da atividade fabril, como poluição sonora e atmosférica, incremento no consumo de água e aumento na produção de efluentes líquidos e geração de resíduos sólidos”.

Em análise técnica anterior, emitida no dia 11/8 do ano passado, Marina Prado já havia afirmado que “a proposta de adensamento e verticalização da Área Industrial resultaria em sério prejuízo à ambiência dos edifícios do eixo histórico que se pretende valorizar”.

Além disso, lamentou que, mesmo tendo ocorrido diversas tratativas com o Butantan para reduzir os gabaritos e se obter um menor adensamento, não havia sido concretizada “qualquer alteração para atender às diretrizes de regulamentação da área envoltória”.

USP procura instituto e quer participar das discussões sobre PDDI

Em fevereiro deste ano, os(as) conselheiros(as) do Conpresp visitaram o Butantan, sendo recebidos(as) por diretores do instituto e da fundação.

Um arquiteto do Butantan, na descrição da relatora, argumentou que “a proposta de adensamento visava atender a produção de vacinas e reduzir o impacto de supressão arbórea ao mínimo, visto que a redução do gabarito poderia significar maior espraiamento das atividades industriais no terreno”.

Já o diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, “afirmou que contratos de transferência de tecnologia previam a implementação de plantas industriais para a produção de vacinas e ressaltou a importância e urgência da instalação de tais edifícios”.

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MP-SP investiga derrubada de cerca de mil árvores

Ao defender a aprovação da revisão do PDDI, o voto da conselheira Eneida de Almeida leva em consideração essa argumentação ao registrar “a evidente importância do Instituto Butantan enquanto entidade de pesquisa e desenvolvimento de vacinas e soros”.

“O slogan ‘a serviço da vida’ é muito forte”, disse ao Informativo Adusp Online um pesquisador do Instituto Butantan. “E qual é o tamanho do impacto que essas fábricas vão ter no bairro? Qual é o risco? Não existe risco biológico?”, pergunta.

Na visita ao Butantan, a conselheira Stela Da Dalt, doutoranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, ressaltou que seria importante que representantes da Reitoria e da Prefeitura do Câmpus da Capital (PUSP-C) fossem ouvidos.

O reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. e a prefeita do Câmpus da capital, Raquel Rolnik, foram recebidos nos dias seguintes por diretores do Butantan. “Nós manifestamos as nossas preocupações a respeito dos impactos e eles nos apresentaram todo o projeto. Encaminhamos as nossas considerações e reivindicamos que as transformações urbanísticas e territoriais do Butantan sejam conversadas em conjunto com a USP, até porque fazemos parte da mesma ZOE”, disse ao Informativo Adusp Online a prefeita do Câmpus, Raquel Rolnik. A professora também convidou o instituto a participar das discussões da revisão do Plano Diretor do Câmpus, que está em andamento.

Raquel Rolnik ressaltou que, pessoalmente, considera que o local mais adequado para a expansão das atividades do Butantan seria a região do Jaguaré. Ali, diz, “já existem vários terrenos vazios, subutilizados, com muito mais estrutura urbanística para acolher não apenas essas construções industriais, mas também suas possíveis expansões”.

Professor da FAU, autor do PDDI foi condenado por improbidade administrativa

O PDDI divide o zoneamento do Butantan em cinco áreas: Zona Industrial (ZI); Zona de Pesquisa (ZP); Zona Administrativa (ZA); Zona de Cultura e Ensino (ZCE); e Zona de Preservação Ambiental (ZPA).

“Com a definição do zoneamento e ocupação do solo, ficam delimitadas as áreas passíveis de construção de novos edifícios. Tais construções, sobretudo na área industrial (que hoje é a área com maior demanda reprimida do instituto), demandam demolições de edifícios existentes, a fim de permitir que edifícios adequados aos mais inovadores padrões técnico-científicos sejam implementados”, justifica o projeto.

O PDDI foi elaborado pelo arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, livre-docente aposentado da FAU e presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

Como o instituto é tombado pelo Condephaat desde 1981, qualquer alteração no conjunto de edifícios e no seu entorno precisa ser analisada pelo órgão, ligado à Secretaria de Cultura do governo estadual. Nesse caso, portanto, Faggin estaria na condição de deliberar a respeito de um projeto de sua autoria.

A própria Diretoria da FAU emitiu nota na qual afirma que “não considera saudável essa dupla atuação (…), já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses”.

O Condephaat aprovou o PDDI em setembro de 2022. A ata da reunião, publicada no Diário Oficial do Estado em 5/10/2022, registra que, “por uma questão de conflito de interesses”, Faggin se retirou da sala no momento da discussão, sendo os trabalhos conduzidos pelo vice-presidente, Frederico Maia Mascarenhas.

Faggin, cujo escritório recebeu cerca de R$ 1 milhão pelo projeto, foi condenado por improbidade administrativa em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) no caso da demolição de um casarão histórico em Guarulhos. Em 2010, o arquiteto emitiu parecer técnico no qual defendia que a construção não tinha “relevância suficiente” para que permanecesse tombado pelas autoridades do município. Meses depois, os vereadores da cidade aprovaram projeto favorável ao destombamento e o casarão foi demolido apenas para dar lugar a vagas de estacionamento do Internacional Shopping.

Por meio de sua Assessoria de Comunicação, o Butantan disse ao Informativo Adusp Online que Faggin “não desempenha nenhuma atividade para o Instituto desde fevereiro de 2023, quando teve início a atual gestão”. “O projeto do escritório em questão foi encerrado e o inquérito sobre conflito de interesses arquivado pelo Ministério Público”, prossegue.

Inquérito do MP-SP investiga derrubada de árvores em área de proteção

Entre 2021 e meados de 2022 quase mil árvores foram cortadas no Butantan, num processo de desmatamento que atingiu 17,4 mil m² da área do instituto. Um inquérito civil aberto pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital do MP-SP investiga o caso.

De acordo com parecer técnico emitido em setembro de 2022 pelo Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx) do MP-SP, houve “desmatamento naquela área de vegetação protegida ambientalmente, inclusive com obras de grande porte em APP [Área de Proteção Permanente] de curso d’água com consequente descaracterização ambiental, paisagística e arquitetônica de patrimônio tombado” e “acentuado desmatamento da área de vegetação IMUNE DE CORTE [destaque do original], em área de Bosque Heterogêneo com a ocorrência de bioma Mata Atlântica”.

Nova vistoria foi realizada pelo CAEx em abril, e o prazo para apresentação do parecer é o próximo dia 8/7.

O MP-SP aguarda também a resposta de ofícios encaminhados ao Condephaat e ao Conpresp sobre as obras previstas no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) do Butantan.

Em nota enviada ao Informativo Adusp Online, a Assessoria de Comunicação do Instituto Butantan diz que “somente realiza manejo arbóreo após receber as devidas licenças e autorizações legais dos órgãos competentes”. “Em alguns casos, inclusive, em atendimento a solicitações de vizinhos do instituto. Não existe ‘desmatamento’, considerando que, a partir da remoção de árvores invasoras, há um enriquecimento da mata com o plantio de novas mudas de vegetação nativa”, alega.

“Qualquer retirada de árvore ocorre somente em caso de risco de queda constatado por especialistas, com laudo técnico e autorização prévia dos órgãos ambientais, visando garantir a segurança da população, inclusive de idosos e crianças que circulam diariamente pelo parque, bem como de colaboradores”, prossegue a nota —que pretende fazer crer, assim, que quase mil espécimes foram abatidos dentro de uma APP porque corriam risco de queda. “Quando necessária a remoção de árvores nativas, o instituto realiza o plantio de outros exemplares arbóreos para a devida compensação, conforme determina a legislação vigente.”

EXPRESSO ADUSP


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