Memória
Cerimônia na FFLCH homenageou 14 ex-estudantes que a Ditadura Militar executou, mas a Reitoria esqueceu-se de diplomar Antonio Benetazzo!
Também a dramaturga Heleny Guariba, assassinada pelo Exército em 1971, foi excluída da solenidade realizada em 26 de agosto no auditório Nicolau Sevcenko com a presença do reitor, vice-reitora, pró-reitora de Inclusão e Pertencimento e pró-reitor de Graduação
A atribuição de diplomas honoríficos de graduação a 14 ex-estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), no dia 26 de agosto, e a dois ex-estudantes da Faculdade de Medicina (FM), no dia 28, nas respectivas unidades, foi marcada por momentos de forte emoção de familiares, amigos e outras pessoas presentes. Assassinados(as) pelas Forças Armadas ou pela polícia entre 1968 e 1976, por atuarem em grupos de esquerda, tais jovens integram a lista de quarenta e sete pessoas ligadas à USP que perderam a vida por combaterem a Ditadura Militar (1964-1985).
Os eventos foram organizados pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), com a anuência da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e das direções da FFLCH e da FMUSP, como parte do projeto denominado “Diplomação da Resistência”, sugerido pela vereadora Luna Zarattini (PT), por coletivos discentes e por familiares das vítimas. Em ambos os casos estiveram presentes o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, a pró-reitora Ana Lúcia Duarte Lanna (PRIP) e o pró-reitor Aluisio Segurado (PRG).
No auditório Nicolau Sevcenko da FFLCH, familiares, amigos e estudantes receberam os diplomas conferidos a Carlos Eduardo Pires Fleury, Catarina Helena Abi-Eçab, Fernando Borges de Paula Ferreira, Francisco José de Oliveira, Helenira Resende de Souza Nazareth, Isis Dias de Oliveira, Jane Vanini, João Antonio Abi-Eçab, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, Maria Regina Marcondes Pinto, Ruy Carlos Vieira Berbert, Sergio Roberto Correa, Suely Yumiko Kanayama e Tito Alencar Lima (Frei Tito). Por algum motivo, não houve a entrega do diploma devido a Antonio Benetazzo.
Na solenidade realizada na FMUSP dois dias depois, foram atribuídos diplomas a representantes de Antonio Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher.
Realizadas tardiamente, no sexagésimo aniversário do golpe militar que, em março e abril de 1964, derrubou o então presidente João Goulart (Jango), e quase quarenta anos após o encerramento do governo do general João Batista Figueiredo (o último do ciclo ditatorial), as cerimônias realizadas na FFLCH e na FMUSP colocaram em evidência uma série de questões relacionadas à Ditadura Militar que continuam dolorosamente atuais.
A impunidade dos torturadores e dos chefes militares, o apagamento da memória histórica, as relações institucionais da USP com o regime ditatorial, as permanências deste na universidade. No Brasil, o engavetamento das Recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ao Estado brasileiro. Na USP, o lento cumprimento das recomendações da sua própria Comissão da Verdade, cujo Relatório Final foi publicado em 2018.
Nas cerimônias tudo isso veio à tona, nas falas de diferentes participantes. Mas foi principalmente por meio da manifestação de estudantes, seja como oradores(as) convidados(as), seja na forma de grupos políticos organizados, que foram apontadas dissonâncias, insuficiências e insatisfações. “Ditadura nunca mais!” foi a primeira das palavras de ordem ouvidas no auditório Nicolau Sevcenko, da FFLCH, de diversas que, às vezes, pareceram deixar atônitos o reitor e alguns de seus vizinhos na mesa (confira aqui a gravação disponível no YouTube da solenidade de 26 de agosto).
Oradoras discentes exigem punição para “torturadores de ontem e de hoje”
“A gente infelizmente ainda sofre com os resquícios do que foi a Ditadura Militar. Precisamos sair dessa atividade com o compromisso de que Bolsonaro e seus cúmplices sejam punidos”, propôs a primeira oradora da noite, Dani Oliveira, representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) “Alexandre Vannucchi Leme”, fazendo referência ao Terrorismo de Estado tão presente no cotidiano das periferias brasileiras.
Dani citou o caso do menino João Pedro, assassinado no Rio de Janeiro em maio de 2020, em operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Federal. “Nós iremos construir condições para que essa polícia assassina, os torturadores de ontem e de hoje, sejam verdadeiramente punidos por seus crimes contra o nosso povo, contra nossa juventude”, disse ela, lamentando que os policiais acusados pela morte tenham sido absolvidos pela justiça.
“Não há como falar no dia de hoje sem lembrar da histórica resistência dos estudantes da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que mesmo sob a mira direta do Comando de Caça aos Comunistas protagonizou uma intensa atividade no movimento estudantil e político de oposição ao golpe militar instaurado em 1964. A própria história da FFLCH de hoje é fruto da destruição [ocorrida], durante a batalha da [rua] Maria Antônia, do seu antigo prédio”, destacou Bianca Borges dos Santos, presidenta da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP).
“Nesse período a nossa entidade, presidida por José Dirceu, sob o cognome de Daniel, participou diretamente do enfrentamento contra o Comando de Caça aos Comunistas, que resultou na morte do estudante secundarista José Guimarães. Da mesma forma, tantos outros estudantes dessa faculdade e dessa universidade foram linha de frente no enfrentamento às ideias impostas pelas fardas dos coronéis. Estudantes como Helenira Resende, primeira vice-presidente negra da União Nacional dos Estudantes […] e Sueli Kanayama, ambas assassinadas pelos militares na Guerrilha do Araguaia”, prosseguiu.
“Hoje, em um momento histórico, no mesmo ano em que ‘descomemoramos’ os 60 anos do golpe militar, realizamos a diplomação póstuma desses estudantes que tiveram as suas vidas ceifadas por lutar pela democracia, pela liberdade de expressão e pela liberdade de organização política. Por lutar ‘contra a ideia da força, com a força das ideias’, como dizia Norberto Nehring, nosso professor, também vítima desse regime”, acrescentou Bianca.
“Que seja esse o momento dessa universidade assumir um compromisso com a luta por memória, verdade e justiça, que transcenda essa diplomação póstuma. Um compromisso que garanta que os cúmplices do regime militar, como Miguel Reale, responsáveis diretos pelo assassinato dos homenageados de hoje e de tantos outros, não sejam mais homenageados pela nossa universidade”, propôs a presidenta da UEE-SP, sob fortes aplausos. “Miguel Reale até hoje dá nome a uma sala na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mesmo tendo sido o reitor que instaurou a assessoria [AESI] que vigiou e delatou ao regime militar estudantes, docentes e funcionários dessa universidade por dez anos, a partir de 1972”, protestou.
“Os homenageados de hoje eram estudantes como nós. Estudantes compromissados com a construção de um país democrático e livre para todos, que enfrentaram a repressão, viveram na clandestinidade, sofreram todo tipo de violência para que hoje nós estivéssemos aqui. Mas queremos ir muito além”, continuou Bianca. “Foi da crença inabalável no apagamento do passado, em nome de um suposto futuro, que o fascismo se alimentou. Não permitiremos que siga sendo assim. Somos a memória viva daqueles que foram silenciados, e nos inspiramos profundamente em seu legado. É por Helenira, Sueli, Ísis, Antonio, Carlos, Catarina, Fernando, Francisco, João, Luiz, Maria, Rui, Sérgio, Tito e Jane que hoje dizemos ‘presente’. Para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça”.
“Colocamos Tarcísio de Freitas para correr da USP”, diz presidenta da UNE
Outro discurso muito aplaudido foi de Manuella Mirella Nunes da Silva, presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE). “Foram necessários 60 anos para que esse momento acontecesse. Mas felizmente aconteceu e estamos reparando nossa história”, pontuou. “Esses jovens deram a sua vida para que a gente pudesse estar aqui hoje. Nós da União Nacional dos Estudantes nunca esqueceremos. Continuaremos exigindo que os torturadores de ontem e de hoje paguem pelos seus crimes, porque ainda não pagaram. Assim como exigimos que todos aqueles que atentaram contra a democracia no 8 de janeiro no Brasil também sejam punidos. Nós queremos Bolsonaro na prisão”.
Manuella traçou outro paralelo com a conjuntura atual: “Assim como aqueles estudantes em sua época deram a sua vida, nós no movimento estudantil também damos um recado, e é por isso que colocamos Tarcísio de Freitas para correr aqui da USP, para falar que a gente não aceita ninguém que contribua ou concorde com os pensamentos e os resquícios da Ditadura Militar”. A presidenta da UNE prestou homenagem especial à memória de Helenira Resende, destacando as dificuldades que ela, como mulher negra, deve ter enfrentado para ingressar como aluna na USP.
“É pela coragem dela que a gente segue lutando, Helenira que deu sua vida, foi presa no congresso da UNE, clandestino [de Ibiúna], Helenira que foi para a guerrilha do Araguaia, deixou a sua família, deixou de lado seu futuro para lutar pela liberdade, pela democracia, pelo Brasil. Como diria Honestino Guimarães, que recebeu seu diploma post mortem de geólogo na UnB [Universidade de Brasília]: ‘Podem nos prender, podem nos matar, mas voltaremos e seremos milhões’. Ninguém vai calar a nossa voz. Por Helenira e por cada estudante que deu a sua vida para que a gente tivesse um Brasil mais justo, igualitário e soberano. Não temos tempo para ter medo”.
Tal como as oradoras que a precederam, Iara Nazareth de Souto Santos, representante dos(as) familiares e sobrinha-neta de Helenira Resende, também chamou atenção para a questão das desigualdades raciais. “Fico imaginando como foi para tia Nira se fazer presente nesse espaço, cinquenta anos atrás. É inegável que ela deixou sua marca, mas me questiono como era para ela ser um corpo negro em um espaço que foi construído para que nós não estivéssemos aqui”, principiou. Lembrou que seu bisavô, pai de Helenira, cursou medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a partir de 1928, abrindo caminho para que, posteriormente, seis mulheres da família ingressassem em universidades públicas, tornando-se “matemáticas, cientistas e professoras”.
Helenira, continuou Iara, “mostrou que sim, aquele espaço pertencia a ela, e se fez presente na UNE, no partido [PCdoB], no combate à Ditadura, e sua luta abriu caminho para que hoje outros espaços possam ser conquistados por mulheres negras”. Em nome da família, homenageou sua tia-avó Helenalda Resende de Souza Nazareth, presente na cerimônia, que “em plena Ditadura Militar enfrentou um sistema horrível para apoiar sua irmã e para ter notícias sobre Helenira”. Destacou ainda a luta de todas as famílias que buscavam (e ainda buscam) notícias de seus entes queridos, que “correram riscos para que hoje estejamos aqui” e que “nunca desistiram dessa luta, passada de geração para geração”.
Muito emocionada, a vice-diretora da FFLCH, Ana Paula Torres Megiani, saudou a coragem das estudantes que se manifestaram a seu lado na mesa, agradeceu a presença de todas as famílias, e assinalou: “A memória que nós estamos hoje aqui apresentando, e homenageando as pessoas mortas e desaparecidas pela Ditadura, é algo muito, muito importante para cada um de nós. Que seja um momento de reflexão para todos”. No início da cerimônia, o diretor da unidade, Paulo Martins, disse que seria um “dia de reparação” e também deu as boas-vindas a familiares e amigos que compareceram à homenagem póstuma.
A pró-reitora Ana Lanna admitiu a demora da instituição em implantar medidas de reversão do legado ditatorial. “A universidade, décadas atrás [sic], instaurou a sua própria Comissão da Verdade, presidida por diversos docentes, que fizeram o levantamento desses alunos que foram assassinados ou desaparecidos pela Ditadura. Esse processo da Comissão da Verdade da USP gerou um conjunto de recomendações que ainda que muito tardiamente nós, na Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, estamos nos esforçando para que possamos cumprir e realizar essas determinações”, declarou ela. A comissão foi criada em 2013.
“Essa sessão, a diplomação desses estudantes, integra a recomendação número 8 [sic] da Comissão. Esse semestre ainda nós faremos a reinauguração do Memorial, do Monumento para os mortos da Ditadura na USP, com apoio do Núcleo de Estudos da Violência dessa faculdade, e seguiremos cumprindo esse papel fundamental da reparação dos direitos e da memória, que integra uma das diretrizes da Pró-Reitoria”.
Ana Lanna agradeceu à Diretoria da FFLCH e à Pró-Reitoria de Graduação, “que fizeram com que essa sessão não seja uma homenagem apenas, mas seja uma sessão solene e formal da universidade”, isso porque, sustentou, “a universidade efetivamente diploma esses estudantes, e isso é muito difícil, foi um processo muito complexo, e atende a uma demanda das famílias: nós estamos mais do que homenageando, a universidade está reconhecendo as trajetórias interrompidas”.
Quatorze diplomas foram entregues, e Antonio Benetazzo fica sem
Após manifestações do pró-reitor Aluisio Segurado, da Graduação, e da vice-reitora Maria Arminda, ocorreu a entrega física dos diplomas honoríficos a familiares das pessoas homenageadas, amigos(as) ou, em alguns casos, a estudantes escolhidos(as) para representá-las (provavelmente porque não foi possível localizar familiares nem pessoas próximas). Foram momentos de intensa emoção, aplausos entusiásticos e também palavras de ordem de grupos estudantis presentes.
Único familiar de Catarina Helena Abi-Eçab ainda vivo, seu irmão Aluísio (Lula) Ferreira recebeu o diploma a ela atribuído pela USP. Nella Oliveira Menin, uma senhora bem idosa, deslocou-se com dificuldade até o palco para receber o diploma conferido a seu irmão Francisco José de Oliveira. O diploma de Helenira Resende foi confiado à sua irmã Helenalda, presentes também outras pessoas da família. Adriana Dias de Oliveira recebeu o diploma atribuído a Ísis Dias de Oliveira, sua tia.
Depoimentos de Aluísio, Nella, Helenalda, Adriana e outros familiares foram reunidos num tocante vídeo exibido ao final do evento e disponível na página da PRIP.
Aparecida Favoreto Makhoul, sobrinha, e mais quatro familiares de Jane Vanini receberam o diploma a ela conferido. Aparecida tentou ler um texto, “uma carta de Jane Vanini para vocês”, mas esse gesto alegre e promissor foi frustrado pela mestra de cerimônias, sob a alegação de que “no final desta cerimônia o microfone estará aberto para todas as manifestações”.
Os diplomas atribuídos a João Antonio Abi-Eçab e Ruy Berbert foram entregues às suas respectivas irmãs Mariliana Santos Abi-Eçab e Regina Maria Berbert Pereira. A historiadora Angela Mendes de Almeida, de 85 anos, recebeu o diploma conferido a Luiz Eduardo Merlino, seu marido e companheiro de militância. O professor Emir Sader (UERJ) recebeu o diploma atribuído à sua esposa, Maria Regina Marcondes Pinto.
O diploma devido a Sueli Yumiko Kanayama foi entregue à sua amiga Nair Kobashi, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Rita Sipahi e Aytan Sipahi receberam o diploma conferido a frei Tito de Alencar, de cuja família são amigos.
O diploma de Antonio Benetazzo não foi entregue. Ao que parece, a PRIP promoveu nova confusão com Benetazzo, a exemplo do que ocorreu quando circulou o primeiro vídeo sobre a diplomação na FFLCH, no qual não constava o nome dele. Embora a imagem de Benetazzo apareça ao lado dos demais no slide projetado no telão do auditório, é possível comprovar que ele foi excluído do vídeo da PRIP exibido na abertura da solenidade de 26 de agosto. Esse vídeo apresenta resumos biográficos acompanhados de fotografias individuais, mas não há resumo da sua biografia, nem a imagem correspondente. Os nomes são elencados em ordem alfabética, sendo que o primeiro é Carlos Eduardo Pires Fleury e não Benetazzo, como deveria ser.
Terminada a exibição desse mesmo vídeo, antes mesmo de iniciada a composição da mesa, a mestre de cerimônias passou à leitura dos nomes que receberiam homenagem. Mas ela só leu quatorze nomes: novamente Benetazzo foi excluído. Mais adiante, no momento que precedeu a entrega dos diplomas, ao ser lida novamente a relação de nomes contemplados, esse militante ítalo-brasileiro chegou a ser citado, no entanto somente ao final, após o de frei Tito de Alencar, o que sugere que foi lembrado de última hora e por isso acrescentado na derradeira posição. Mas, pelo visto, esqueceram-se de preparar o seu diploma, porque ele não foi entregue.
Embora o Jornal da USP, órgão oficial da Reitoria, anuncie na manchete de sua reportagem sobre o evento que foram diplomados “15 estudantes”, o leitor ou leitora que consultar as fotografias disponíveis na página digital constatará que não existe a imagem correspondente à diplomação de Benetazzo, pelo simples fato de que ela não aconteceu.
“Deram suas vidas para que tivéssemos um futuro melhor”, disse o reitor
Falando de improviso, o reitor Carlotti Jr. disse que os(as) jovens estudantes assassinados(as) pela Ditadura Militar “não tiveram a oportunidade de modificar a sociedade por meio de suas atividades profissionais, mas fizeram mudanças profundas através de suas ações, deram suas vidas para que tivéssemos um futuro melhor”, e que, embora haja um monumento no campus, “nós precisávamos mostrar um apego melhor a essas pessoas que deram a vida pela liberdade da universidade, de São Paulo e do Brasil, e a suas famílias”.
De acordo com o reitor, embora o momento da Ditadura Militar tenha sido ultrapassado, de tempos em tempos a liberdade é ameaçada. “No passado recente a universidade se manifestou de forma muito clara no [dia] 11 de agosto de 2022, antes das últimas eleições, quando nós reunimos várias entidades, várias forças políticas da sociedade, para mostrar no Salão Nobre da Faculdade de Direito e depois nas Arcadas a posição da universidade em respeito à liberdade, em respeito à liberdade de expressão, em respeito à democracia no Brasil”.
Infelizmente, observou, foi preciso repetir tal ato no dia 9 de janeiro de 2023, “logo depois dos movimentos que tivemos em Brasília contra a posse de pessoas eleitas democraticamente, nós precisamos recolocar a universidade, reposicionar a nossa decisão”. Então, acrescentou, “no dia 9, quando o país ainda estava assustado, incomodado com a situação que aconteceu em Brasília, essa universidade estava reunida novamente no Salão Nobre da Faculdade de Direito, para mostrar a posição de apoio à democracia, à liberdade e ao estado democrático de direito”. Ainda segundo Carlotti Jr., “somente com essas premissas é que nós vamos poder avançar como sociedade civil, diminuir nossas desigualdades e ter um país melhor que todos nós sonhamos”.
A cerimônia oficial de reconhecimento póstumo, disse o reitor, é importante porque mostra para a sociedade o papel que esses(as) jovens homenageados(as) tiveram, “e o que a gente espera de uma universidade, que é mudar as condições sociais do povo paulista e do povo brasileiro”. Ele agradeceu aos movimentos sociais, “que nos mostram alguns caminhos que muitas vezes nós demoramos a entender, mas vocês [movimentos] nos alertam, vocês são uma luz que surge para mostrar caminhos para a sociedade, então muito obrigado”.
Apesar da referência simpática de Carlotti Jr. aos movimentos sociais, a Adusp, entidade que se forjou na luta contra a Ditadura Militar, tem sido excluída das cerimônias organizadas pela Reitoria desde 2023, assim como o Sintusp e até mesmo os integrantes da hoje extinta Comissão da Verdade da USP. Cabe lembrar que são inúmeras as contribuições da Adusp relacionadas ao ajuste de contas com a Ditadura Militar, cabendo mencionar o livreto O Controle Ideológico na USP (1964-1978) e diversas edições da Revista Adusp dedicadas ao tema, em especial a de número 33, de outubro de 2004, e a de número 53, de outubro de 2012.
Após a manifestação do reitor, foram exibidos dois vídeos: um trazendo depoimentos de familiares e outro, de caráter mais político, preparado pelos centros acadêmicos da FFLCH. Imediatamente em seguida, porém, a mestra de cerimônias declarou encerrada a solenidade, antes que as várias pessoas que desejavam falar, e que aguardavam pacientemente ao lado da tribuna, pudessem fazer uso da palavra. Passou o microfone a uma delas e retirou-se.
A primeira oradora dessa fase “pós-cerimônia” foi a professora Vera Paiva (Instituto de Psicologia), filha do ex-deputado federal desaparecido Rubens Paiva e ex-integrante da Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Para espanto de muitos que teimavam em permanecer no auditório, enquanto Vera falava sobre a reinstalação da CEMDP pelo atual governo (após inaceitável demora de um ano e meio), o reitor retirava-se do local com seu séquito.
“Custa crer que a USP tenha resolvido desaparecer com Heleny Guariba novamente”, diz ex-deputado
O ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT), que presidiu a Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” na Assembleia Legislativa (Alesp), fez críticas ao modo como a Reitoria conduziu o evento no auditório Nicolau Sevcenko. Geólogo formado pelo Instituto de Geociências (IGc-USP), quando estudante Diogo militou na Aliança Libertadora Nacional (ALN), e foi preso e torturado nas dependências do então II Exército.
“O nome de Heleny Guariba, que chegou a lecionar na USP, foi cortado sob o pretexto de que ela já tinha sido diplomada em vida. Essa antiga aluna integrou a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Formou-se na USP em Filosofia mas era, principalmente, uma artista subversiva do teatro: dirigiu várias peças, criou grupos de teatro em escolas e trabalhou com Augusto Boal”, lembra o ex-parlamentar em declaração encaminhada ao Informativo Adusp Online.
“[A professora] Maria Silvia Betti protestou contra o apagamento desta artista e militante pela FFLCH por ser ‘inaceitável supressão da história de luta e de trabalho de Heleny Guariba dentro da USP e dentro do teatro’. Heleny continua a ser uma desaparecida política da Ditadura, porque nem mesmo a Comissão Nacional da Verdade conseguiu encontrar seus restos mortais. Custa crer que a USP tenha resolvido desaparecer com ela novamente: a cerimônia sequer a citou”, deplora Diogo.
No seu entender, a presente série de homenagens da USP às vítimas da Ditadura Militar “padece de um gravíssimo defeito de origem: ela se desarticulou dos grupos dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, e dos ex-presos políticos, que lutam há anos por memória e justiça”. A seu ver, a universidade resolveu ignorar a militância histórica desses movimentos, que geraram as várias comissões da verdade que existiram no Brasil.
“A Comissão da Verdade da USP foi vergonhosamente excluída da cerimônia: nenhum de seus membros esteve na mesa para falar durante a diplomação”, comenta Diogo. “A família de Jane Vanini foi impedida pela mesa de ler uma carta da própria aluna desaparecida, sob o pretexto de que, no final, o microfone estaria aberto para manifestações, e porque as outras famílias também não poderiam falar. Isso não foi combinado com as famílias; algumas delas vieram de outros Estados para, no final, serem censuradas”, diz ele.
“No entanto, as autoridades universitárias deixaram a cerimônia no momento da ‘abertura’ do microfone e, para deixar documentado o desprezo da direção da FFLCH pelas vozes que foram excluídas, o momento das ‘manifestações’ não foi gravado no vídeo oficial do evento, que foi interrompido antes disso”, protesta ele.
Os problemas no formato do projeto “Diplomação da Resistência” também foram apontados em reportagens anteriores do Informativo Adusp Online, confira aqui e aqui.
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