Como parte das reivindicações da pauta salarial na data base 2023 está um reajuste de 15,75% em maio de 2023. Uma conta simples: se tal reajuste fosse concedido ao salário base de docentes em início de carreira, no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), que é de R$ 13.357,25, seria acrescido um valor de R$ 2.103,77 nos salários mensais. Portanto, no período de maio/23 a abril/24, considerando-se o 13° salário, o acréscimo nominal bruto seria de R$ 27.349,01.

Desse modo, a gratificação (GVRP) oferecida pela gestão Carlotti Jr.-Maria Arminda — registre-se: oferecida apenas a parte das e dos docentes da USP — corresponde fundamentalmente a esse ganho em termos brutos. É sabido que sobre os salários recaem outros descontos para além do imposto de renda, mas vale lembrar que reajustes salariais são ganhos permanentes.

Há que se reconhecer que os valores dessa gratificação são significativos para uma categoria que tem sido submetida ao longo dos anos a um contínuo arrocho salarial, com sobrecarga de trabalho, com instabilidade no emprego, com adoecimento laboral, com condições de trabalho cada vez mais precarizadas. Sem mencionar a perda da aposentadoria integral e da paridade para as e os docentes que ingressaram após 2003.

Ainda assim, há aspectos que não podem ser ignorados.

Bônus, prêmios e gratificações são oferecidos em um dado momento, sem que haja garantia de que serão reeditados, o que não ocorre com os salários.

Curiosamente, ou não, esse tipo de iniciativa ocorre quando a universidade consegue acumular reservas, em geral devido à promoção de arrocho salarial. Mas, ao contrário, não seriam esses os períodos oportunos para recompor o poder aquisitivo dos salários?

A gestão Carlotti Jr.-Maria Arminda optou por conceder um bônus de valores significativos pouco antes da data-base, o que inevitavelmente compromete o processo de negociação. Mais ainda, constam da folha de pagamentos da USP, de abril/23, R$ 121milhões a mais em relação à folha de março/23. Destes, cerca de 91 milhões correspondem ao pagamento do prêmio de R$ 5.000. Os restantes R$ 30 milhões ainda não foram explicados pelo Cruesp. Esse mecanismo superestima e maquia o comprometimento com salários justamente no período de data-base, uma iniciativa nada transparente e bastante capciosa.

No mundo corporativo, não é incomum a adoção de uma política de concessão de bônus anual, sempre atrelada a desempenho. Tal política vem acompanhada de salários mais baixos, o que é bastante vantajoso para quem detém os lucros, já que sobre eles não incidem os encargos trabalhistas, além de a corporação vender a ideia de que esse mecanismo se insere na perspectiva de distribuição de lucros. Na realidade, o que se recebe como bônus é muito provavelmente apenas uma parcela daquilo que deveria ser pago nos salários de cada mês. A política de oferecer bônus, ao invés de melhores salários, permite manter o controle sobre empregadas/os, não raro chamadas/os de “parceiras(os)” ou de “colaboradoras(es)”, que devem se comportar, dar o sangue para se qualificarem a receber melhores bônus.

No setor público, e igualmente na universidade pública, não podem ser utilizados os mesmos parâmetros de análise, mas certamente a concessão de prêmios, bônus e auxílios diversos, bem como o controle que a perspectiva produtivista exerce sobre o corpo docente, seguem a mesma lógica do mundo corporativo. Uma lógica vantajosa para quem emprega, eminentemente patronal, e por isso não surpreende que reivindicações desse tipo sejam atendidas mais facilmente do que aquelas que pleiteiam recomposição salarial.

Reivindicar reajustes que reestabeleçam o poder aquisitivo dos salários é trabalhoso, exige esforço coletivo e disposição de luta e por isso pode parecer mais vantajoso receber bônus, gratificações, prêmios. Mas não devemos nos deixar enganar, pois no médio ou mesmo no curto prazo esses supostos benefícios contribuem para a desvalorização dos salários e, por consequência, para a desvalorização da carreira docente e para a precarização das condições de trabalho na universidade.

Merece ainda questionamento a defesa desses bônus e prêmios sob a alegação de que tais benefícios não implicam um aumento permanente ou mesmo pontual do impacto da folha de pagamentos frente aos recursos da universidade. Há que se refletir: se a compensação inflacionária dos salários pressiona o orçamento da universidade, então é porque o orçamento está aquém do necessário. Desta forma, a luta pela valorização salarial é também uma luta pelo adequado financiamento da universidade.

Admitir-se arrocho salarial em nome de gerir um orçamento insuficiente não é defender os direitos da categoria docente, nem tampouco a universidade pública. Ao contrário, é entregar a universidade pública aos ditames impostos na gestão Zago-Agopyan (assessorada pela consultoria McKinsey) e também incorporados às que se seguiram.

É importante registrar que a garantia de salários valorizados e não corroídos pela inflação promoveria mais condições para a categoria ter mitigadas as mazelas da absurda perda do direito à integralidade e à paridade das aposentadorias, ou seja: a revisão no mesmo tempo e padrão que colegas em atividade. É falacioso o argumento de que para quem não mais usufrui desse direito é indiferente que os supostos benefícios sejam ou não incorporados aos salários, na medida em que o que de fato importa é alcançar um melhor rendimento líquido. É preciso lembrar que prêmios, bônus, cartões refeição e alimentação, auxílio-saúde e gratificações são concedidos no lugar de reajustes salariais que reponham o poder aquisitivo aos salários. Desse modo, acumula-se ao longo do tempo uma perda salarial que já corresponde a 18,6 salários nos patamares de maio de 2012.

A propósito da situação atual, vejamos mais uma conta, considerando-se o salário base de um(a) docente MS3-1 em RDIDP, já com o reajuste de 10,51%, ou seja: R$ 14.759,76. Para que esse salário volte ao patamar de maio de 2012, é necessário um reajuste de 14,23% e, portanto, o salário de um(a) docente em início da carreira, no patamar de maio de 2012, seria de R$ 16.860,07. Assim, a perda salarial desde então corresponde a 18,6 vezes esse valor. Vale dizer, sem considerar os adicionais por tempo de serviço, aquelas(es) que ingressaram até maio de 2012 deixaram de receber R$ 313.597,35, uma quantia da ordem de 10 gratificações como a que foi concedida recentemente pela USP.

Não há de fato como deixar de enfrentar algo tão estrutural quanto as perversas reformas da Previdência, em especial a de 2003, promovida pelo governo Lula-Alencar, e a de 2019 pelo governo Bolsonaro-Mourão, que recebeu pronta adesão do governo Doria-Garcia. Aqui se trata de refletir criteriosa e amplamente com a categoria sobre a estratégia e as táticas a serem adotadas com vistas a reverter as referidas reformas. Além disso, devemos empreender a luta coletiva pela valorização salarial e pelo adequado financiamento da universidade pública, de modo condizente com o exercício da função pública, social e de caráter permanente na universidade.

EXPRESSO ADUSP


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