Nota da Diretoria
Até do ponto de vista pragmático, salários são mais vantajosos que benefícios
Segue em discussão, em alguns setores da universidade, uma proposta visando a definição de uma política de concessão de bônus por meio da utilização das reservas acumuladas pela universidade. Essa proposta se insere no âmbito mais geral dos salários e benefícios, tema sobre o qual a Adusp já se manifestou recentemente em duas ocasiões (veja aqui e aqui).
Nesse processo, levando-se em conta as discussões ocorridas na Assembleia Geral da Adusp de 9/4, alguns argumentos têm se destacado na defesa da concessão de benefícios do tipo vales e abonos. Citamos dois deles:
- com a perda do direito à aposentadoria integral com paridade, seria de fato relevante para mitigar os efeitos perversos das reformas da previdência a garantia de que aquilo que se recebe em termos líquidos seja maior;
- benefícios, vales, bônus, gratificações e prêmios não impactam o comprometimento com a folha de pagamento, enquanto reajustes salariais, sim.
Voltemos num primeiro momento nossa atenção para a questão previdenciária. Como já dito e repetido inúmeras vezes, a reforma previdenciária de 2003, além de desvalorizar as carreiras do serviço público, impôs às categorias o dilema de conviver com diferentes regimes previdenciários. Para mais informações sobre o tema, consulte a cartilha Alguns aspectos sobre a Previdência no serviço público, publicada pela Adusp em maio de 2022.
Grosso modo, para aquelas e aqueles que ingressaram entre 1/1/2004 e 1/10/2013, os proventos de aposentadoria serão definidos por um percentual da média dos salários, que varia conforme o tempo de contribuição. Por exemplo: se a pessoa contribuir por 30 anos, os proventos corresponderão a 80% da média dos salários; se contribuir por 35 anos, corresponderão a 90%. Sem dúvida, muito aquém do direito à paridade e integralidade, mas certamente com proventos superiores ao teto do INSS.
Ora, se para o grupo que ingressou entre 2004 e 1/10/2013 os proventos são calculados como um percentual da média dos salários, quanto maior o salário, maior a média e, portanto, também maiores os respectivos proventos de aposentadoria.
Para aquelas e aqueles que ingressaram após 2/10/2013 ou que ingressaram a partir de 2004 e aderiram ao novo regime de previdência, os proventos de aposentadoria serão limitados ao teto do INSS. As contribuições previdenciárias também se restringem a esse teto e, naturalmente, os valores dos rendimentos líquidos são proporcionalmente maiores.
Ainda assim, não parece que isso seja propriamente uma vantagem, já que é bastante provável que quem se encontre nessa situação tenha, durante a vida funcional, que se defrontar com a busca de alguma forma de complementar os futuros proventos de aposentadoria.
Fazer isso, seja por meio dos fundos governamentais ou daqueles disponibilizados por instituições financeiras privadas, implica utilizar uma parcela do rendimento líquido para complementar a contribuição previdenciária, de modo por vezes mais oneroso e, invariavelmente, com menos garantias de efetivação futura. Se assim for, é ainda mais importante que os salários não percam poder aquisitivo, pois no longo prazo as contribuições previdenciárias complementares sairão dessa fonte.
Argumenta-se ainda que os reajustes nos salários implicam muitos outros descontos, como Imposto de Renda, contribuição previdenciária e Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe). Ainda que as respectivas alíquotas pudessem ser ajustadas de modo a garantir maior justiça em relação às diversas faixas de renda, não há dúvida de que esses descontos são fundamentais para a garantia de direitos sociais. Além disso, com o passar do tempo na ativa, acumulam-se quinquênios e sexta-parte, que representam maiores parcelas permanentes de recebimentos líquidos a cada mês, quanto maior for o salário.
Desse modo, é importante desconstruir a máxima de que a luta por reajustes salariais seja apenas vantajosa para aquelas e aqueles que ainda fazem jus ao direito à aposentadoria integral com paridade. Toda a categoria se beneficia dos reajustes salariais, de modo contínuo e perene.
Não deixamos de reconhecer a perversidade das sucessivas reformas da previdência, que impuseram diferenças nos regimes de aposentadorias. Precisamos tê-las sempre em mente para continuarmos a luta pela sua revogação e impedir que outras, eventualmente ainda mais perversas, venham a se estabelecer. Essa memória e essa resistência contra a perda de direitos devem servir para que a categoria se entenda como uma só, que deve lutar coletiva e organizadamente pelos seus direitos.
Ao mesmo tempo, é claro que reajustes salariais impactam os patamares de comprometimento com a folha de pagamento.
O tratamento da questão do comprometimento com a folha não pode se resumir a um acompanhamento singelo das planilhas apresentadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). Afinal, há vários aspectos a serem considerados. Citamos alguns:
- a USP (a Unicamp também, mas a Unesp, não!) inclui no cálculo do comprometimento com salários os vales-alimentação e refeição, que correspondem a cerca de 7% da folha de pagamentos. Assim, ao fazermos esse desconto, podemos observar que o comprometimento atual seria em torno de 6% menor;
- a recusa sistemática dos sucessivos governos do Estado em repassar às universidades a insuficiência financeira, o que reduziria em cerca de 20% o comprometimento;
- os descontos indevidos na base de cálculo do montante do ICMS do qual derivam os 9,57% do repasse às universidades, descontos esses constantemente denunciados e computados nos boletins do GT-Verbas;
- o mecanismo bastante disseminado de sonegação fiscal e as diversas isenções fiscais, sem lastro em programas de caráter social, oferecidas, muitas vezes em caráter sigiloso, a setores da economia que não revertem esses benefícios em políticas de combate às desigualdades sociais.
Observe-se que, se apenas o item 1 citado acima fosse levado em consideração, o espaço para reajustes salariais já seria maior!
É necessário atentar para o fato de que é justamente o argumento do comprometimento com a folha que faz com que o Cruesp não estabeleça um compromisso de recomposição dos salários, que perdem seu poder aquisitivo ao longo do tempo. É essa perspectiva que leva ao arrocho salarial que, ao longo dos últimos anos, tem permitido o acúmulo de reservas na universidade.
Assim, seria bastante razoável, em princípio, pensar em formas de restituir a quem de direito a massa salarial perdida (atualmente em torno de 20 salários, se tomarmos como referências o mês de maio de 2012 e o índice utilizado pelo Fórum das Seis). Nenhuma categoria de trabalhadores(as), até onde temos notícias, conseguiu conquistar um plano de recomposição da massa salarial perdida. Ou seja, este seria um ganho inédito e bastante significativo.
Quais seriam, então, os senões de se construir propostas que caminhem nessa direção?
Pensando no contexto específico da universidade, há grandes chances de que os reajustes salariais venham a ser sacrificados ou reduzidos à inflação acumulada no ano-base, em função das compensações em formato de recomposição da massa salarial perdida. Assim, em tese, receberíamos parte da massa salarial subtraída, mas continuaríamos acumulando perdas salariais. Por isso, seria importante que o processo de perdas salariais fosse “zerado”, o que, neste momento, significa fazer o poder aquisitivo voltar ao patamar de maio de 2012, que é a reivindicação do Fórum das Seis para a data-base de 2024.
Há que se notar ainda que a concessão de valores em formato de bônus pode encontrar barreiras para se estender àquelas e àqueles que já estão aposentados(as) e que também acumularam essas perdas.
O acúmulo de reservas pela universidade, especialmente nos patamares que se observa hoje na USP, não pode ser entendido como uma vantagem, na medida em que essa reserva se constituiu às custas de arrocho salarial do pessoal da ativa e, vale lembrar, de docentes aposentados(as). Focar a atenção em políticas de bônus compromete a compreensão acerca do conjunto de aspectos relacionados ao (sub)financiamento da universidade, ferramenta importante para a defesa do ensino superior público no Estado.
Como se vê, a luta pela preservação do poder aquisitivo dos salários não é apenas fundamental para a defesa da universidade, da carreira docente e para buscar de algum modo a melhoria das condições previdenciárias. É também fundamental para que não se acumulem reservas às custas do que é nosso de direito!
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