Em recente artigo intitulado “Uma universidade humana”, a gestão reitoral de Carlotti Jr.-Arruda tentou responder à mobilização organizada pelo movimento estudantil e por docentes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), mas não reconheceu a gravidade da situação denunciada. Ao mencionar a reposição de docentes, destacou números relativos a alguns departamentos, mas ignorou o déficit geral de professoras(e)s na instituição, condição essencial para a formação, sobretudo de docentes para a educação básica, em várias áreas de conhecimento humano.

A Reitoria parece pretender priorizar a pesquisa em detrimento da graduação, impondo uma visão meritocrática e produtivista que só aprofunda as desigualdades internas. Documentos como o “Edital para Seleção de Mérito de Docentes MS-3” colocam as unidades em competição umas com as outras, ao invés de promover a valorização, em especial, dos cursos de graduação, que mais necessitam de reposição de claros docentes devido a aposentadorias, falecimentos e exonerações.

A contratação de apenas 126 docentes efetivos em 2022, em comparação com os 148 que se aposentaram, revela um déficit persistente de cerca de 1.000 professora(e)s em relação ao quadro docente de 2014. Essa insuficiência afeta negativamente cursos como Letras e Pedagogia, que correm o risco de desaparecer devido à falta de professora(e)s e servidora(e)s técnico-administrativa(o)s.

Tal insuficiência se espraia pelos demais cursos, pois em 1995 havia 5.056 docentes para os 132 cursos de graduação então existentes (relação de 38 docentes por curso), ao passo que em 2021 eram 5.190 docentes para 329 cursos de graduação (relação de 16 docentes por curso)!1

A Reitoria tenta, mais uma vez, desqualificar o movimento estudantil e a(o)s docentes, dessa vez mirando em especial os departamentos ligados à área de Letras da FFLCH, que protestaram por mais vagas de docentes e de servidora(e)s técnico-administrativa(o)s.

Um dossiê elaborado pelo Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” apresentou dados alarmantes sobre a escassez de docentes nos departamentos do curso de Letras, que não será solucionada pelas contratações propostas pela atual gestão, uma vez que essa insuficiência decorre de opção política adotada por sucessivas gestões da Reitoria da USP.

Busca-se justificar tal situação invocando crises econômicas e a pandemia de Covid-19, mas contraditoriamente a Reitoria promoveu concursos para livres-docentes e progressões horizontais durante o período mais agudo da pandemia.

Essa falta de perspectiva política e pedagógica revelou a negligência da gestão Agopyan-Hernandes (2018-2022) em relação à reposição de docentes nos cursos já sufocados desde a gestão Zago-Agopyan (2014-2018). Ou seja, mais uma vez, o cenário constatado decorre de uma política deliberada, a qual não pode ser justificada por eventuais crises financeiras – que, por sinal, foram enfrentadas às custas dos salários de docentes e servidora(e)s técnico-administrativa(o)s.

A afirmação da Reitoria de que a USP valoriza “quase 90 anos de progresso contínuo” soa vazia e irresponsável diante, por exemplo, da manutenção de 119 docentes temporária(o)s. Muitos cursos sobrevivem graças a essa(e)s docentes, que se encontram sobrecarregada(o)s, com contratos de 8 horas ou de 12 horas de trabalho e sem condições de acesso ao desenvolvimento da pesquisa e da extensão; ou seja, trata-se de profissionais marginalizada(o)s devido à política adotada por sucessivas gestões da universidade.

Além disso, as exonerações na USP têm sido motivadas por uma série de fatores que vão de pressões diversas a sobrecarga de trabalho e cobranças excessivas, resultando no cansaço e no adoecimento físico e mental da(o)s professora(e)s, numa ciranda antissocial agravada pela insuficiência de docentes e servidora(e)s técnico-administrativa(o)s. Aquela(e)s que permanecem estão submetida(o)s a precárias condições de trabalho e a salários muito defasados.

Soa abusiva a insinuação da Reitoria de que a USP seria “uma universidade humana”. Soam ainda mais exorbitantes as insinuações sobre a existência de um “espírito de solidariedade” e de “caminho do diálogo” por parte de uma gestão que permanece indiferente aos reclamos de docentes, servidora(e)s técnico-administrativa(o)s e estudantes.

É urgente a mudança de postura por parte da gestão reitoral, porque condições materiais existem; há recursos para investir no avanço das contratações de docentes, na recomposição salarial e na valorização dos níveis iniciais da carreira docente, como vem mostrando o GT-Verbas da Adusp. Em síntese, há plenas condições para o atendimento das reivindicações da campanha da data-base de 2023, que aliás já se constituem como reivindicações histórias da categoria!

_______________________

1 A partir de 1995 foi adotado o padrão de financiamento de 9,57% do ICMS-QPE para as universidades estaduais paulistas, sendo que cabem à USP 5,02% desse índice; 2021 corresponde ao último ano com dados consolidados pelo Anuário Estatístico da USP.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!