Foi o segundo voto proferido no julgamento, iniciado em 16/9, de diversas ADIs ajuizadas no Supremo Tribunal Federal contra a reforma da Previdência aprovada pelo Congresso Nacional a pedido do governo Bolsonaro (Emenda Constitucional 103/2019)

No julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de diversas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) contra a reforma da Previdência aprovada pelo governo Bolsonaro (Emenda Constitucional 103/2019), o ministro Edson Facchin abriu divergência parcial em relação ao voto do relator, ministro Luis Roberto Barroso, que rejeitou totalmente as ADIs propostas. O julgamento iniciou-se em 16/9 e deverá ser concluído nesta sexta-feira (23/9).

Segundo a votar, Facchin manifestou-se favoravelmente às ADIs 6.254, 6.255 e 6.256, julgando-as parcialmente procedentes no tocante à inconstitucionalidade de três dispositivos, entre os quais o confisco imposto aos proventos de aposentado(a)s e pensionistas do funcionalismo público mediante excessiva majoração das alíquotas de contribuição previdenciária regular e, ainda, o confisco mediante a cobrança da chamada “contribuição extraordinária”. 

A matéria tem repercussão nos Estados, pois a EC 103/2019 vinculou as unidades da Federação. Em São Paulo, o então governador João Doria (PSDB) encaminhou à Assembleia Legislativa (Alesp) e conseguiu aprovar uma reforma da Previdência em moldes semelhantes: impôs aos e às servidore(a)s estaduais (entre os quais os e as docentes das universidades públicas estaduais) alíquotas de contribuição mais altas, de até 16%, e instituiu a figura da “contribuição extraordinária”.  

No seu voto, Facchin declara a “inconstitucionalidade do artigo 1º, na parte referente aos parágrafos §1º-A, §1º-B e §1º-C, do art. 149 da Constituição Federal, consoante alteração da EC 103/2019”, deixando claro, em diversas passagens, que esses dispositivos produzem um efeito de confisco sobre as aposentadorias e pensões a que fazem jus o(a)s servidore(a)s. 

Particularmente cruel, o parágrafo 1º-A do artigo 149 estabelece: “Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo”. O resultado imediato desse dispositivo é uma tributação de caráter pesadamente confiscatório, como apontado pelos críticos da reforma, uma vez que o parâmetro em vigor até então, para efeito da cobrança das contribuições, era o teto das aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).  

Já os parágrafos 1º-B e 1º-C estipulam respectivamente que, uma vez demonstrada “a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o déficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas”, e que tal contribuição extraordinária “deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do déficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição”.

Facchin endossa parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre as ADIs, segundo o qual a norma em questão, “ao extinguir a imunidade da contribuição dos inativos até o limite do teto do Regime Geral da Previdência Social, subverte, sem nenhuma justificativa, a simetria entre os regimes”, e de que haveria “verdadeiro cheque em branco” quanto à contribuição extraordinária, “dado que a cláusula que permite a instituição do tributo não contém contornos mínimos da exação extraordinária”, permitindo arbitrariedades. 

“Não subsiste razão para que a cobrança de contribuição aos inativos do RPPS [Regime Próprio da Previdência Social] dê-se em bases majoradas em relação aos trabalhadores em geral e para a instituição aberta e difusa de contribuições extraordinárias, sob mera alegação de haver ‘déficit’”, argumenta o ministro, em aberta contestação a uma das principais teses defendidas por Barroso.

“O permissivo trazido pela EC 103/2019 já parte de um contexto fático em que, segundo a manifestação da PGR, está fixada uma carga tributária de 37,39% […]. E, para qualquer cenário de déficit que não se especifica, admite-se que sejam agregadas contribuições extraordinárias, em âmbito infraconstitucional”, prossegue Facchin, acrescentando: “O constituinte reformador não esclarece o seu conceito de déficit, nem a margem que admitiria a situação tida como ‘excepcional’. A se considerar a narrativa inserta no voto do relator e a sua ratio decidendi, já experimentaríamos tal situação de déficit, de forma que a redação da norma permite que o extraordinário seja a regra e que não existam mínimos parâmetros de segurança jurídica e não-confisco quando se tem em mira a previdência do servidor”.

Seu voto lembra ainda que a jurisprudência do STF “repele a tributação cujo caráter seja confiscatório e requer a referibilidade entre o que se contribui e o que se aufere como benefício”, princípios estes ignorados pela EC 103/2019. Ele cita como exemplo ementa do ministro aposentado Celso de Mello, para quem “a tributação confiscatória é vedada pela Constituição”, e “razões de Estado não podem ser invocadas para legitimar o desrespeito à supremacia da Constituição”.  

Ainda segundo Mello, “a proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição […] de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo- lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo)”. 

Carga contributiva já é “próxima à metade do valor da remuneração dos servidores”

Escudado nas considerações de Mello, Facchin conclui que “a instituição de um regime [previdenciário] que pereniza a exceção e a surpresa, a exemplo do novel artigo 149 e dos seus parágrafos, não é, a meu sentir, constitucional, porquanto violadora da segurança jurídica e da vedação à instituição de tributo confiscatório”. 

Não é possível, ainda, acrescenta ele, “sustentar que a regra constitucional dependerá de lei regulamentadora e, como seria uma mera ‘expectativa’, não estaria revestida de inconstitucionalidade”, pois existe “uma moldura fática atual que deve conformar a interpretação da norma e esta já evidencia carga contributiva elevada, próxima à metade do valor da remuneração dos servidores, não havendo margem para norma autorizativa, em termos indefinidos de novas contribuições que, aparentemente, não pretendem ser, de nenhum modo, ‘extraordinárias’”.

Facchin declara, igualmente, a inconstitucionalidade da expressão “que tenha sido concedida ou” do artigo 25, §3º, da EC 103/2019. “Em relação ao mesmo dispositivo, dou interpretação conforme à Constituição à locução ‘que venha a ser concedida’, de modo a assegurar que o tempo de serviço anterior ao advento da EC 20/1998, nos termos da legislação vigente à época de seu implemento, seja computado como tempo de contribuição para efeito de aposentadoria”. Se acatado pelo STF, seu entendimento anulará um dos aspectos perversos da reforma: a retroatividade do confisco dos proventos.

A seu ver, “é necessário conferir interpretação conforme à Constituição, de modo a que sejam respeitadas as aposentadorias concedidas anteriormente à edição da emenda, em atenção à garantia constitucional insculpida no art. 5º, XXXVI”, bem como, “no que tange às vindouras, que seja assegurado patrimônio jurídico construído anteriormente à EC 20/1998”.

Finalmente, no seu voto o ministro confere “interpretação conforme à Constituição ao art. 26, §5º, da EC 103/2019, de modo a que o acréscimo sobre o cálculo de benefícios, instituído em favor das trabalhadoras mulheres filiadas ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), aplique-se em igual modo e sem distinção às mulheres servidoras vinculadas ao Regime Próprio da Previdência Social (RPPS)”.

O voto divergente de Facchin foi comemorado pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP), autor do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 22/2020, prestes a ser votado pela Alesp. O PDL 22/2020 susta os efeitos do decreto 65.021/2020, que foi editado por Doria e dispõe sobre a declaração de déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência do Estado.

“Isso nos ajuda. Isso fortalece nossa luta em São Paulo para derrubar o decreto 65.021 e aprovar o PDL 22/2020”, comentou Giannazi nas redes sociais. “Nós estamos acompanhando [a votação no STF] e conversando com os ministros ou com os chefes de gabinete dos ministros. Os aposentados e pensionistas também estão mandando mensagens aos ministros”.

Minuta facilita envio de mensagens ao(à)s ministro(a)s do STF

Quem quiser juntar-se à tarefa de convencimento do(a)s integrantes do STF, no sentido de que, no julgamento em questão, votem favoravelmente às ADIs que se opõem à EC 103/2019, pode enviar mensagens aos endereços eletrônicos funcionais do(a)s ministro(a)s. A minuta abaixo facilita esse trabalho, por abordar as questões essenciais em jogo no julgamento.

A minuta pode ser usada como está ou adaptada pelo autor ou autora da mensagem da forma que julgar mais conveniente, inclusive mediante o acréscimo de trechos desta matéria. Vale lembrar que, embora o relator Luis Roberto Barroso já tenha proferido seu voto, ele pode revê-lo, portanto é interessante que continue a receber mensagens, e que, por outro lado, Edson Facchin já votou favoravelmente às ADIs. A seguir o texto proposto:

 

Exmo(a) Sr(a) Ministro(a) do Supremo Tribunal Federal,

Eu, _______, servidor(a) público(a) estadual da Universidade de São Paulo, venho, respeitosamente, pedir a V.Exa. o voto favorável aos servidores públicos por ocasião do julgamento previsto para este mês de setembro das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.254, 6.255, 6.256, 6.258, 6.271, 6.279, 6.289, 6.361, 6.367, 6.384, 6.385 e 6.916, que questionam dispositivos da EC 103/2019 (Reforma da Previdência).

Em São Paulo, a Emenda Constitucional 49/20 e Lei Complementar 1354/20, aprovadas pela Assembleia Legislativa em 2020, reestruturaram o Regime Próprio de Previdência Social, prejudicando e desprezando os direitos dos servidores públicos.

Entre outros pontos nefastos, destaca-se o aumento para 14% da alíquota de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas que recebam proventos acima de um salário-mínimo, e a possibilidade de contribuições “extraordinárias”, a critério do governo estadual.

A alegação da administração foi a suposta existência de deficit, o que, no entanto, não foi comprovado por nenhum estudo ou evidência. O deficit previdenciário, se existir, deve-se à política de privatização dos serviços públicos, com a não realização de concursos e não reposição dos quadros de servidores. Os prejuízos são evidentes, não só para os servidores, mas para a população que precisa e utiliza os serviços públicos.

O(a)s servidore(a)s da ativa, aposentado(a)s e pensionistas têm sido prejudicado(a)s pelas reformas e reestruturações de carreiras realizadas pelas sucessivas administrações além de, tal como, não receberem os reajustes salariais e reposições inflacionárias há anos.

Além disso, não é justo que o(a)s aposentado(a)s não só continuem a contribuir para a Previdência (o que não ocorre na iniciativa privada), como ainda fiquem sujeitos a aumentos de alíquota, conforme o arbítrio do governante.

Desse modo, apelo ao seu senso de justiça para votar pela inconstitucionalidade das reformas previdenciárias em questão.

 

Cordialmente,

 

(assinatura)

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São os seguintes os e-mails do(a)s ministro(a)s:

 

GILMAR MENDES audienciasgilmarmendes@stf.jus.br

RICARDO LEWANDOWSKI gabinete.mrl@stf.jus.br

CÁRMEN LÚCIA gabcarmen@stf.jus.br

DIAS TOFFOLI gabmtoffoli@stf.jus.br

ROSA WEBER audienciasrw@stf.jus.br

ROBERTO BARROSO audienciamlrb@stf.jus.br

EDSON FACHIN gabineteedsonfachin@stf.jus.br

ALEXANDRE DE MORAES gabmoraes@stf.jus.br

NUNES MARQUES gmnm@stf.jus.br

ANDRÉ MENDONÇA secretaria.gmalm@stf.jus.br

 

EXPRESSO ADUSP


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