Serviço Público
Na Câmara dos Deputados, GT da reforma administrativa prepara-se para apresentar propostas; medidas atacam estabilidade, regimes estatutários e carreira, denuncia Andes-SN

A Câmara dos Deputados retomou neste segundo semestre a agenda da reforma administrativa, inicialmente pautada pelo governo Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão (2019-2022) por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020. Elaborada pelo então ministro Paulo Guedes, a PEC 32, que desfigurava o serviço público, foi derrotada pela forte resistência do funcionalismo público, por meio de suas entidades gerais, entre as quais o Andes-Sindicato Nacional.
O atual presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), aponta a reforma administrativa como uma das prioridades de sua gestão e a define como “um pacto republicano pelo futuro do país”. No lugar da PEC 32, Motta criou um grupo de trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que será o relator do GT.
Constituído por 18 deputados, o GT realizou 17 audiências públicas, ouviu 46 convidados e diz haver recebido mais de 200 contribuições de diversas entidades. Espera-se que o relator Pedro Paulo apresente já na semana que vem dois projetos de lei e uma nova PEC, que devem formar o conjunto da reforma. O fim da estabilidade do servidor público, medida prevista na PEC 32, não faz parte da nova reforma, conforme os planos de trabalho do GT e declarações do próprio Pedro Paulo, que segundo a Agência Brasil nega que a proposta retire direitos de servidores.
No entanto, na sessão realizada no plenário da Câmara nesta quarta-feira (na forma de “Comissão Geral” e com a presença do próprio Motta), 3, o relator elogiou o estado gerencial formulado por Bresser-Pereira e defendeu “meritocracia”, análise de desempenho com bonificação e tabela única de vencimentos com pelo menos 20 níveis. Um dos eixos do debate foi a derrubada de remunerações adicionais que elevam salários acima do teto constitucional (atualmente, R$ 46.366,19).
Na mesma ocasião, segundo a Agência Câmara Notícias, “Pedro Paulo antecipou pontos que deverão compor as propostas legislativas a serem apresentadas pelo grupo”, o principal dos quais é justamente a criação da tabela única de remuneração das categorias que compõem o serviço público.
“A nova tabela incluirá os vencimentos de todos os servidores, desde a base até os chefes dos três Poderes. Atualmente, existem dezenas de tabelas e carreiras distintas, conforme o Poder ou ente (União, estados ou municípios). ‘Isso é algo absolutamente disruptivo na administração pública brasileira’, disse Pedro Paulo. A proposta prevê um prazo de dez anos para adaptação”, reporta a Agência Câmara Notícias. Outros temas incluídos nas mudanças são “avaliação de desempenho dos servidores, bônus por resultado, revisão de vínculos empregatícios” e ainda “combate a privilégios”.
Governo federal condiciona estabilidade à avaliação de desempenho
Em audiência do GT realizado em julho último, a ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação, condicionou a estabilidade à avaliação de desempenho do funcionalismo: “Lembrando que na nossa visão a estabilidade é algo importantíssimo como defesa do Estado brasileiro, mas não pode ser ser um prêmio ao mau servidor. A nossa visão é estabilidade com a avaliação de desempenho, a gente tem que premiar os bons servidores, inclusive para que eles não sintam que estão carregando nas costas o serviço público. A gente é contra a competição de servidores, mas é a favor de uma boa avaliação de desempenho”.
Na sessão de quarta no Plenário, Francisco Gaetani, secretário extraordinário para a Transformação do Estado do Ministério da Gestão e Inovação (e portanto um dos principais auxiliares de Esther Dweck), disse que a reforma administrativa faz parte do processo de modernização do Estado, mas precisa ser conduzida com equilíbrio. Elogiou a manutenção da estabilidade dos servidores, o combate a supersalários e privilégios, e defendeu a avaliação de desempenho.
As entidades do funcionalismo convidadas a comparecer e se manifestar no decorrer da sessão questionaram não apenas as medidas previstas, mas o próprio processo de discussão do GT. Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate), denunciou a ausência de diálogo com as categorias. “Nenhum dos 12 milhões de servidores federais teve acesso ao texto que está sendo discutido. As informações vêm apenas pela imprensa”, disse.

Emerson Garcia, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, alertou para os riscos de uma tabela única de remuneração. A seu ver, cargos com diferentes níveis de responsabilidade e risco não devem ser nivelados. “Se nivelarmos realidades distintas, teremos injustiças nessa disciplina”, advertiu.
“Barrar a reforma administrativa será um grande desafio a servidores e servidoras e demandará muita mobilização e luta”, avaliou Cláudio Mendonça, presidente do Andes-SN, após acompanhar a atividade realizada no Plenário da Câmara nesta quarta.
“Quando o deputado Pedro Paulo apresentou pontos da reforma administrativa, nos soou como um reforço daquilo que nós já compreendemos, de que está se construindo um conjunto de ataques ao serviço público. E a tarefa do Andes-SN, dentro do Fonasefe, é reforçar o entendimento de que a luta contra a reforma administrativa tem que ter uma centralidade, pois não é somente um ataque ao funcionalismo público, é um ataque a uma concepção de Estado, a uma concepção que permite um serviço público de atendimento universal, ao qual toda a população trabalhadora possa ter acesso”, afirmou Mendonça.
O presidente do Andes-SN destacou que é deliberada a insistência, tanto do relator do GT quanto de outros apoiadores da reforma, no tema dos supersalários, que na verdade diz respeito a uma ínfima proporção do funcionalismo público: “Aquilo que eles definem como supersalário é algo que não representa nem 0,5% do funcionalismo público. De forma proposital, não informam que boa parte do funcionalismo público, seja na esfera municipal, estadual, distrital ou federal, não ganha nem 5 mil reais”.
Em declaração concedida à Agência Brasil no dia 25 de agosto, Diego Ferreira Marques, diretor do Andes-SN, apontou como retrocesso, e um risco para a estabilidade do servidor público, a previsão de criação de um cadastro nacional para contratação de funcionários temporários: “Mesmo que não exista um dispositivo dentro da legislação que viole a estabilidade dos servidores públicos que estão na ativa, na prática, a tendência é que amplas áreas de serviço público não tenham mais concurso com estabilidade”, assinalou o dirigente sindical.
Para Diego, ao disciplinar-se o contrato temporário em lei, com a figura do empregado contratado via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), haverá o fim indireto da estabilidade na medida em que os servidores concursados forem substituídos por empregados temporários, “por meio de uma naturalização, como figura de gestão do Estado dos contratos temporários através desse cadastro”. A estabilidade no serviço público impede a demissão sem causa fundamentada e sem processo administrativo com amplo direito de defesa. Trata-se de uma proteção necessária para impedir interferências políticas e pressões indevidas na prestação dos serviços públicos.
O dirigente da Andes-SN acrescentou que, pelo menos até aquele momento, o relator ainda não havia consultado as entidades que representam servidores. “Não há diálogo. O deputado ouviu representantes, não apenas do Congresso, mas de entidades patronais para pensar a reforma. Porém, não houve interlocução com as entidades de servidores públicos”, concluiu Diego. A quase totalidade dos(as) 14 “especialistas” convidados(as) pelo GT, por exemplo, é ligada a organizações empresariais ou do chamado “terceiro setor”.
Se implantadas, propostas em estudo vão precarizar serviços, diz Andes-SN
O Andes-SN produziu um documento de análise das 70 medidas trabalhadas no âmbito do GT, no qual aponta os principais ataques aos direitos do funcionalismo. Assim, no que diz respeito à estabilidade e aos regimes estatutários, o Sindicato Nacional aponta três medidas principais em discussão no GT:
1) “uma lei nacional para admissão de cargos temporários nas três esferas estatais, prevendo-se modificação no artigo 37 da Constituição Federal”, por meio da qual seria suprimido o conceito de “excepcional interesse público”;
2) “a perda de cargo do servidor estável por insuficiência de desempenho, por meio da incorporação do PL 51/2019, que regulamenta o artigo 41 da Constituição Federal, estabelecendo-se assim normas únicas para os Programas de Gestão de Pessoal/Avaliação de Desempenho”;
3) alteração nas regras de Estágio Probatório: “uniformização a partir de modificação do artigo 20 da lei 8.112/1990, reintroduzindo-se os ciclos semestrais e a possibilidade de demissão no curso do estágio probatório, como presente na PEC 32”.
No que diz respeito a salários e carreiras, duas medidas produziriam efeitos diretos:
1) “a organização de cargos pela sistemática de posto e posição — haveria, ao mesmo tempo, homogeneização de 20 níveis para todas as carreiras e o fim dos sistema de promoções e progressões unicamente por estrutura de carreira, com possibilidades de ingresso por posto”;
2) “introdução de bônus de desempenho, em consonância com a introdução do sistema geral de avaliação por desempenho e com a tendência à equalização generalizada de malhas salariais por meio de uma ‘tabela única’ em que a diferença entre o início e o fim desse ‘carreirão’ não ultrapassasse 50% do teto”. Entre as consequências mais graves das mudanças cogitadas pelo GT, o documento do Andes-SN elenca o desmonte dos regimes estatutários, a vulnerabilização da estabilidade, a precarização dos serviços, achatamento das malhas salariais do funcionalismo público, retrocesso nas carreiras e aumento dos problemas de saúde entre servidores e servidoras.
O jornal O Globo divulgou algumas das propostas do GT coordenado por Pedro Paulo. A aposentadoria compulsória deixaria de ser a punição administrativa máxima a juízes e membros do Ministério Público (MP); será possível a demissão de juízes e membros do MP por meio de processo administrativo, com garantia de defesa e contraditório; as verbas indenizatórias, utilizadas como forma de burlar o teto salarial, terão definição mais rígida; serão vedadas férias superiores a 30 dias (atualmente, juízes podem gozar 60 dias de férias).
O teto salarial do funcionalismo passaria a valer também para os funcionários de empresas estatais não dependentes, c documento sobre as propostas trabalhadas pelo GT omo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal.
A reforma prevê a criação da identidade única para servidores. Os atos terão de ser rastreáveis, o que permitirá, em tese, maior transparência e controle.
No que diz respeito aos cartórios, ou serviços notariais e de registro, haveria um teto para remuneração líquida dos titulares dos serviços de notas, e lei nacional para fixar emolumentos.
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