A X Jornada Universitária de Defesa da Reforma Agrária na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) ocorreu entre os dias 16 e 21 de abril, com uma grande diversidade de atividades (mesas de debate, oficinas, minicursos e vivências) e participação de mais de 20 convidados. A Jornada contemplou diversos temas: conjuntura político-econômica; reforma agrária no Brasil contemporâneo; agronegócio e capital financeiro no século XXI; feminismo e juventude no campo; luta do povo guarani; teatro do oprimido; produção de audiovisual; grafismo indígena; sistema agroflorestal urbano; agroecologia; extensão rural.

Participação remota da João Paulo Rodrigues, do MST

Estes temas foram abordados de diferentes maneiras, tais como vivências na Casa do Hip Hop e no Acampamento Marielle Vive (Valinhos); fórum de experiências em agroecologia e extensão rural em assentamentos; e sabatina do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, com a participação de João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A X JURA foi enriquecida pela participação em diversos de seus espaços de assentado(a)s e acampado(a)s da reforma agrária, assim como de estudantes representando diversos grupos de agroecologia e extensão rural de universidades públicas localizadas no estado de São Paulo. Deste modo, foram notáveis a abrangência e a qualidade dos debates e demais atividades desta semana de reverência internacional às lutas camponesas, como propõe a Via Campesina em homenagem aos agricultoras e agricultores assassinados em Eldorado de Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996.

Estiveram presentes militantes dos assentamentos Milton Santos (Americana e Cosmópolis) e Sepé-Tiarajú (Ribeirão Preto), além daqueles dos acampamentos Elizabeth Teixeira (Limeira) e Marielle Vive (Valinhos). Quanto aos estudantes, estiveram representados o Coletivo Pés Vermelhos (UFSCar Araras), o Grupo Gira-Sol (Unesp Rio Claro) e o Grupo Timbó (Unesp Botucatu). Estudantes de Ciências Sociais da FFLCH-USP e da UFSCar, campus de São Carlos, também prestigiaram esta décima edição da Jura.

A abertura do evento forneceu o eixo para os debates em todas as atividades. A derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022 criou a possibilidade de reconstrução de diversas políticas públicas de grande importância para o desenvolvimento dos assentamentos, para a promoção da agroecologia e para o combate à fome no país. A retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a reinstalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) são exemplares aqui. A perspectiva de reconstituição de estoques de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do financiamento dos Núcleos de Agroecologia nas universidades passa a figurar neste novo horizonte. A reinstalação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) torna plausíveis a renovação da política de implantação de assentamentos e o fortalecimento do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) enquanto órgão responsável por arrecadar terras para a reforma agrária e por assegurar infraestrutura rural em áreas reformadas.

Ao mesmo tempo, as análises apresentadas apontaram enfaticamente que tanto a retomada de tais políticas quanto, sobretudo, a realização da reforma agrária e o desenvolvimento da agroecologia no país dependem principalmente da mobilização popular. Em outras palavras, é fundamental avançar na organização das trabalhadoras e trabalhadores com independência política do governo federal (formado a partir de uma frente democrática bastante ampla), sem permitir que seus limites institucionais criem amarras e pautem as reivindicações dos movimentos sociais, estudantis e sindicais.

Outro eixo fundamental dos debates se referiu à ressignificação da reforma agrária. Não se trata somente de redistribuir terras, pois sua legitimidade se assenta cada vez mais na transição tecnológica e cultural para a agroecologia, promovendo a produção de alimentos saudáveis para toda a população brasileira. O desenvolvimento desta nova matriz de produção se baseia na agrobiodiversidade e na variedade de culturas alimentares, que oferecem riqueza nutricional e favorecem uma relação harmônica do homem com a natureza.

Ministro Paulo Teixeira (MDA) recebe Carta da X JURA

Por outro lado, a compreensão da questão agrária no século XXI requer ciência de que o agronegócio modernizou-se articulando diferentes setores do capital (agrícola, financeiro, industrial e comercial), atualizando-se como pilar fundamental da economia brasileira. Porém, seu foco na produção de commodities para exportação, substituindo alimentos fundamentais da mesa do povo brasileiro, como arroz e feijão, com base em monoculturas de larga escala, elevada aplicação de agrotóxicos, recurso frequente ao trabalho precário (quando não análogo ao escravo), desmatamento e destruição de biomas e invasão de terras indígenas o torna susceptível de deslegitimação diante da insegurança alimentar do povo brasileiro e do trauma climático e ecológico do planeta.

Oportuno destacar igualmente que, em mesa de debates no dia 19 de abril, a participação das mulheres na reforma agrária e na promoção da agroecologia foi abordada por Maria Alves da Silva e por Miriam Nobre. A primeira insistiu na importância da organização e dos engajamentos femininos nas dinâmicas do assentamento Irmã Alberta, em Perus, e a segunda discorreu sobretudo sobre diversas ações da Marcha das Margaridas (maior mobilização brasileira das mulheres do campo, das águas e da floresta que ocorre desde 2000 em favor de um mundo de igualdade, liberdade e democracia) para obter reconhecimento de direitos das mulheres assentadas e agricultoras, cujos trabalhos e demandas sofrem frequentemente de invisibilidade.

Convém aqui também realçar outro momento marcante de celebração dos dez anos de JURA. Tratou-se do plantio de um pau-brasil, próximo ao portal de entrada da Esalq, simbolizando o enraizamento da JURA (com seus sentidos em favor da reforma agrária e da agroecologia) nesta instituição reconhecida por seus laços históricos e estreitos com o agronegócio brasileiro.

Desde 2018, a JURA-Esalq concede o “Prêmio Paulo Kageyama”, em memória deste reconhecido professor do Departamento de Ciências Florestais falecido em 2016. Kageyama atuou junto ao MST em defesa da reforma agrária, da agroecologia e dos movimentos populares, tendo sido um dos idealizadores da JURA nacionalmente, entre os anos de 2012 e 2013. O Prêmio é uma homenagem a personalidades, que, como o próprio Kageyama, lutam em favor da reforma agrária, agroecologia, agricultura familiar e universidade pública, gratuita, democrática e com qualidade.

As premiadas e premiados deste ano foram Maria Alves da Silva, militante do MST, agricultora na Comuna da Terra Irmã Alberta (Perus), formada em pedagogia, com especialização em educação do campo e agroecologia; Lucineia do Rosário, engenheira agrônoma, agricultora agroecológica no assentamento Fabio Henrique (Prado-BA); Miriam Nobre, engenheira agrônoma, mestre pelo Programa de Estudos na Integração da América Latina (Prolam-USP), integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial das Mulheres; Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello, professora sênior da Esalq, mestre em Sociologia Rural (Esalq) e doutora em Antropologia Social (FFLCH), e que desenvolveu projetos de pesquisa e extensão com quilombolas, ribeirinhos, indígenas e assentados da reforma agrária; Ademir de Lucas, médico veterinário, técnico e professor da Esalq especializado em extensão rural e organização de produtores, foi coordenador do Grupo de Extensão Rural de São Pedro (GESP), atuando em questões associadas ao associativismo, agricultura familiar, agroecologia, extensão e desenvolvimento rural; Marcos Sorrentino, biólogo, pedagogo, professor sênior da Esalq, foi coordenador do Laboratório de Educação e Política Ambiental (OCA) até 2020, desenvolvendo seus trabalhos em torno notadamente de políticas públicas de educação ambiental e planejamento de futuro para sociedades sustentáveis.

A mesa de encerramento da X JURA contou com a presença do ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que na sua explanação realçou as medidas que estão sendo concebidas visando reconstruir a ação pública do MDA. Na ocasião, foi lido e entregue ao ministro o documento “Dez anos da JURA-Esalq: universidade pública comprometida com a justiça social, democracia e a sustentabilidade ecológica”. Em seguida, Paulo Teixeira mencionou a ideia de estabelecer um convênio com a Esalq a fim de favorecer a concretização de ideias apresentadas nesta carta de propostas.

Em suma, pode-se concluir que a X JURA-Esalq fortaleceu a luta pela reforma agrária popular e pela agroecologia em uma das unidades de ensino e pesquisa mais conservadoras da Universidade de São Paulo. Serviu assim para reunir energias e impulsionar ânimos e disposições, além de nutrir com conhecimento científico qualificado a experiência política e prática de coletivos que atuam com as temáticas agrária e agroecológica no campus Luiz de Queiroz e em diferentes outros campos de disputa de ideias no estado de São Paulo.

EXPRESSO ADUSP


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