Nesta quarta-feira (28/9), o Jornal da USP publicou entrevista com a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda que traz afirmações questionáveis, quando não inconsistentes. A vice-reitora afirmou, por exemplo, que “gostaria de entender um pouco melhor qual é a pauta dos estudantes, porque ela tem sido difusa, com muitas reivindicações”, e que “gostaria que os estudantes apresentassem uma pauta objetiva para a gente conversar” (destaques nossos).

Consultado a respeito pelo Informativo Adusp Online, Allan Terada, integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre), diz considerar a declaração da vice-reitora “bastante desrespeitosa” com o movimento. “Não sei se a Reitoria se faz de sonsa ou se ela realmente não escuta o que os estudantes estão falando, porque para a grande maioria dos estudantes a pauta está muito clara”, rebate.

“A gente está se mobilizando em torno de dois eixos centrais: a contratação tanto de professores como de técnico-administrativos, e a permanência, tanto por conta da questão do corte das bolsas PUB [Programa Unificado de Bolsas], como de vários descasos da Reitoria, não só dessa gestão: um descaso histórico e sistêmico”, explica Terada, citando ainda falta de transparência no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE).

A seu ver, a Reitoria teme a abordagem conjunta das diversas questões em jogo: “Para nós não basta contratar. A gente quer reposição automática, o fim do edital de mérito, que é a porta de entrada para uma política neoliberal”.

Na entrevista, Maria Arminda repete declaração do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. de que “nesse período de 2014 a 2022, não foram criados novos cursos de graduação, tampouco novas unidades de ensino, com exceção do curso de Medicina em Bauru” (destaques nossos). A finalidade desta retórica é demonstrar que não houve expansão e, portanto, não faria sentido contratar um número de docentes maior que 879, teto definido pela Reitoria. Mas comporta inverdades e mistificações.

Ao contrário do que dizem Maria Arminda e Carlotti Jr., o curso de Medicina de Bauru não foi o único criado no período 2014-2022. Em 4 de julho de 2017, o Conselho Universitário (Co) aprovou a criação do “Bacharelado em Biotecnologia, com 60 vagas, proposto pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH)”. O Bacharelado em Biotecnologia foi lançado com pompa e cerimônia em 5 de setembro desse mesmo ano, no Salão do Co, com a presença do então reitor M.A. Zago e de outros dirigentes da USP. E começou a funcionar em 2018, quando foi constituída a primeira turma de estudantes.

Portanto, foram pelo menos dois os cursos de graduação criados no período, não um. Ainda que o Bacharelado em Biotecnologia tenha, de certa forma, substituído a extinta Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN) e aproveitado alguns docentes de LCN que foram “realocados”, um curso novo precisa de infraestrutura adequada e docentes da área.

Medicina da FOB tem aulas lecionadas por graduados, além de videoaulas no lugar de docentes

Por outro lado, a “exceção” que seria o curso de Medicina de Bauru, sempre citada de modo ligeiro, merece ser examinada com maior atenção. Primeiro porque, quando do seu meteórico processo de criação, também em 2017, o corpo docente do futuro curso foi subdimensionado, como demonstrou o acirrado debate da proposta entre os membros do Co. Aprovada, destaque-se, por estreita margem de votos.

Segundo, porque a extravagante vinculação do curso de Medicina à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) criou uma situação anômala, que se reflete até hoje, basta ver que a vice-reitora assim “explicou” o presente cenário do curso: “Nesse caso, as atividades acadêmicas têm sido ministradas por docentes de São Paulo e, principalmente, de Ribeirão Preto” (destaques nossos). Informação espantosa, que talvez esclareça fenômenos precarizantes como a contratação de docentes temporários que só possuem graduação. Ou, ainda, a oferta de vídeoaulas para substituição de docentes.

Vale lembrar que a diretora da FOB, Marília Buzalaf, protestou veementemente no Co quando o reitor apresentou seu plano de 876 contratações, pois, embora esperasse que a unidade fosse contemplada com 21 “claros docentes”, ela recebeu apenas um.

Por último, a declaração de Maria Arminda (e antes dela, de Carlotti Jr.) sobre a inexistência de novos cursos de graduação reflete uma tentativa de manter a questão circunscrita a esse âmbito, como se a pós-graduação não contasse para efeitos do cálculo de docentes necessários. No entanto, houve uma expansão significativa nos programas de pós-graduação (PPG) entre 2014 e a atualidade. A Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), por exemplo, lançou 11 novos PPG nesse período. A Escola de Engenharia de Lorena (EEL) criou, em 2016, o Doutorado em Engenharia Química.

Docentes aposentados “continuam onerando a folha de pagamento”. E a LC 1.010/2007, como fica?

Outra afirmação inconsistente da vice-reitora na sua entrevista ao Jornal da USP diz respeito ao pagamento de docentes aposentada(o)s e pensionistas. “Os docentes mesmo aposentados continuam onerando a folha de pagamento”, afirmou a jornalista Adriana Cruz, que a entrevistou, antes de emendar: “O que a Reitoria tem feito para dirimir esse custo das aposentadorias no orçamento da USP?”. Ao responder, Maria Arminda tangenciou: “Essa questão dos aposentados sempre esteve no nosso horizonte. Temos que ter um projeto para essa questão dos aposentados, mas não é um tema que depende somente da USP”.

Ao invés de esquivar-se, a vice-reitora poderia ter dito que é o governo estadual que onera a USP, não a(o)s docentes e pensionistas e demais servidora(e)s da universidade. O esperado aqui seria apontar a distorção da “insuficiência financeira”, tal como essa expressão é definida pela Lei Complementar (LC) estadual 1.010/2007, que criou a São Paulo Previdência-SPPrev.

Reza o parágrafo único do artigo 27 da LC 1.010/2007: “Entende-se por insuficiência financeira o valor resultante da diferença entre o valor total da folha de pagamento dos benefícios previdenciários e o valor total das contribuições previdenciárias dos servidores, dos Poderes, entidades autônomas e órgãos autônomos do Estado”.

Ocorre que a insuficiência financeira vem sendo custeada exclusivamente pelas universidades estaduais. Isso fere o caput da LC 1.010/2007, que estipula: “O Estado de São Paulo é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do RPPS [Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos] e do RPPM [Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado] decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários, observada a insuficiência apurada em cada um dos Poderes e órgãos autônomos” (destaques nossos).

É verdade, como alega Maria Arminda, que o tema não depende somente da USP. Mas é igualmente verdade que o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), e separadamente USP, Unesp e Unicamp jamais exigiram dos governadores que cumprissem a LC 1.010/2007. “Cruesp não dá sinais de que pretenda cobrar do governo o ressarcimento de suas despesas com previdência”, anotou a Adusp no caderno Financiamento das universidades estaduais e database 2022.

Portanto, para que a questão realmente seja posta “no horizonte”, de início basta tomar uma atitude simples: exigir que a lei, no caso a LC 1.010/2007, seja cumprida pelos governantes. A Reitoria pode e deve propor que o Cruesp tome tal iniciativa.

EXPRESSO ADUSP


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