“Debates” organizados pela Comissão Eleitoral não admitem perguntas entre as chapas que concorrem à Reitoria da USP, e descartam temas centrais como democratização e financiamento
Primeiro encontro das chapas foi realizado na FEA, na Cidade Universitária (reprodução do YouTube)

A primeira edição daquilo que a Comissão Eleitoral da USP chama de “debate” entre as três chapas que concorrem à Reitoria ocorreu no último dia 21 de outubro, na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), na Cidade Universitária do Butantã.

O formato, bastante engessado, não previa que os(as) candidatos(as) fizessem perguntas entre si. Houve um bloco inicial de apresentação, três blocos de perguntas sobre temas previamente escolhidos e um bloco de considerações finais.

Os temas do primeiro debate foram pós-graduação, internacionalização e “gestão de pessoas”. Três perguntas sobre cada tema foram lidas pelo mediador, o jornalista Marcello Rollemberg, do Jornal da USP, e respondidas em no máximo três minutos pelos(as) integrantes das chapas.

O segundo encontro foi realizado em São Carlos nesta quinta-feira (30), tendo como temas pesquisa e inovação, graduação e gestão. O formato foi o mesmo do primeiro debate. O terceiro será no dia 13 de novembro, em Ribeirão Preto

Questões como democratização da universidade, financiamento e enfrentamento de problemas graves como racismo e assédio, entre outros itens, não parecem estar na agenda da Comissão Eleitoral. A Adusp encaminhou perguntas sobre esses temas às chapas, mas ainda não recebeu resposta.

Encontros são fechados ao público; à comunidade cabe apenas assistir

Os debates promovidos pela Comissão Eleitoral não são abertos ao público. Apenas assessores(as) das chapas, integrantes da administração da USP e pessoas ligadas à organização dos encontros podem permanecer no local. A participação da comunidade restringiu-se ao envio prévio de perguntas, o que deveria ter sido feito até o último dia 10 de outubro por meio de um formulário online, e a assistir às sessões de perguntas e respostas na transmissão pelo YouTube.

A eleição será realizada no dia 27 de novembro, em turno único, por meio de sistema eletrônico de votação e totalização de votos. Votam apenas os(as) integrantes da chamada “Assembleia Universitária”, constituída pelo Conselho Universitário (Co), pelos conselhos centrais, pelas congregações das unidades e pelos conselhos deliberativos dos Museus e dos Institutos Especializados. O colégio eleitoral reúne em torno de 2% da comunidade uspiana, o que novamente explicita o déficit democrático da USP.

Antes disso, no dia 18 de novembro, ocorre a consulta à comunidade, também de forma eletrônica, que tem caráter apenas indicativo. O resultado da consulta será divulgado no mesmo dia, com a apresentação dos resultados divididos por categoria – estudantes, docentes e servidores(as) técnico-administrativos(as).

Três chapas concorrem à Reitoria. São elas: USP pelas Pessoas, formada por Aluisio Augusto Cotrim Segurado (FM) e Liedi Légi Bariani Bernucci (Poli); Nossa USP, constituída por Ana Lucia Duarte Lanna (FAU) e Pedro Vitoriano de Oliveira (IQ); e USP Novo Tempo, formada por Marcílio Alves (Poli) e Silvia Pereira de Castro Casa Nova (FEA).

Candidatos(as) falam em aumentar valor de benefícios e conceder gratificações

No primeiro encontro, no último dia 21, o bloco de perguntas sobre “gestão de pessoas” foi uma das poucas oportunidades para que os(as) candidatos(as) abordassem questões ligadas às carreiras dos(as) servidores(as) da universidade.

Uma das perguntas tratava de “como tornar a carreira docente na USP atrativa na questão salarial”, levando em conta “as questões relativas ao comprometimento da folha de pagamento com aposentados, e a tendência de alta desse comprometimento, bem como os parâmetros de sustentabilidade”.

Os(as) candidatos não explicitaram políticas duradouras em termos de valorização dos salários, mas se concentraram em iniciativas pontuais e em temas como aumento dos valores dos benefícios e concessão de gratificações.

Pedro Vitoriano, da chapa “Nossa USP”, apresentou a proposta de promover os(as) novos(as) docentes à categoria de Professor Doutor 2 logo após o período probatório.

Ana Lanna disse que a chapa quer “ampliar o percentual de remuneração dos professores em RDIDP [Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa], sem quebrar a isonomia com as universidades estaduais paulistas”. “Podemos, com a autonomia da universidade, implementar um valor.”

Marcílio Alves, da chapa “USP Novo Tempo”, defendeu o aumento dos valores dos “benefícios complementares”, como auxílio-creche, auxílio-saúde e os vales alimentação e refeição.

Alves considera que, uma vez que as reservas da USP “estão em bom nível agora”, é possível “implementar o cartão pesquisa”, nos moldes dos existentes na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os valores seriam creditados mensalmente e destinados à execução do Projeto Acadêmico Docente (PrADo).

Liedi Bernucci, da chapa “USP pelas Pessoas”, disse que “há viabilidade, tanto jurídica como do ponto de vista administrativo e financeiro, de implementação de gratificações de atividades complementares para os docentes, docentes em RDIDP, que possam receber essas gratificações periodicamente, de forma não competitiva”.

Aluisio Segurado fez questão de lembrar que “os parâmetros de sustentabilidade financeira devem ser integralmente respeitados”, uma vez que “todos nós que estamos na USP há mais tempo sabemos dos momentos muito difíceis pelos quais passamos e que não queremos ver de novo acontecendo na nossa universidade”.

Planos de demissão voluntária deixaram setores críticos desfalcados, diz candidato

Segurado mencionou novamente os parâmetros de sustentabilidade, implementados em 2017 pela gestão reitoral de M.A. Zago-V. Agopyan, ao responder sobre os planos “para a valorização e a progressão da carreira dos servidores USP”.

O professor disse que o período de “cerca de nove anos” que a universidade passou sem realizar contratações de funcionários(as) “foi superado, graças ao esforço de muitos de nós e das nossas lideranças, que, por vezes, tomaram medidas duras, mas absolutamente necessárias naquele momento crítico”.

De acordo com o candidato, as duas edições do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), em 2015 e 2016, “foram conduzidas de forma aleatória, de tal sorte que alguns setores críticos da universidade resultaram desfalcados”. Segurado defendeu que é preciso fazer “o mapeamento dessas lacunas críticas que estão inviabilizando a consecução dos nossos objetivos estratégicos” e “reformular uma proposta de valorização com recontratação naqueles setores mais penalizados”.

Ana Lanna afirmou que é necessário fazer a revisão do Plano de Classificação de Funções (PCF), “instituindo uma coisa que, na simplificação realizada há mais de uma década, foi perdida e é extremamente danosa para os nossos servidores, que é um sistema de bonificação por formação e desempenho”.

A professora considera que é necessário “estabelecer um mecanismo de educação continuada, permitindo também para os servidores a ideia de trilhas formativas e o reconhecimento dessas qualificações”, além de eliminar “diferenças e assimetrias entre servidores e docentes, que são bastante constrangedoras”. A candidata citou como exemplo a diferença dos valores das diárias recebidas por ela e por um motorista numa viagem, o que faz com que cada um vá a um restaurante diferente na hora das refeições.

Silvia Casa Nova, da chapa “USP Novo Tempo’, afirmou que uma recuperação salarial “depende dos parâmetros de sustentabilidade financeira”. “Mas a gente enxerga que alguns benefícios podem sim já ser revistos e reajustados aos valores mais atuais de mercado”, considera.

A candidata a vice-reitora também disse que a chapa tem recebido por parte de funcionários(as) “a demanda de um reconhecimento de um adicional por qualificação”, que já foi “desenhado como proposta pelos próprios servidores técnico-administrativos”.

Chapas prometem estudar adoção do regime híbrido para funcionários(as)

Ainda na seara de questões de pessoal, os(as) candidatos(as) foram perguntados sobre a possibilidade de implementação de um regime híbrido de trabalho na USP, ou seja, permitir o home office em alguns dias para servidores(as) de algumas áreas.

Ana Lanna afirmou que será criado um grupo de trabalho “para estudar as possibilidades e impactos do trabalho híbrido”, além de revisar a obrigatoriedade dos(as) funcionários(as) de compensar as horas de trabalho do recesso de final de ano. “É um recesso para todos nós, para a universidade”, disse, acrescentando que se trata de um “entendimento de condições de trabalho mais equânimes”, uma vez que essa compensação não é exigida dos(as) docentes.

Na avaliação da chapa “Nossa USP”, quando o(a) funcionário(a) trabalha de casa, “é o território da universidade que se expande e fica também sob a responsabilidade institucional”, o que cria “uma outra camada de complexidade”. A candidata disse ainda que essa e outras questões serão tratadas numa “Superintendência de Gestão de Pessoas”, a ser criada pela gestão.

Marcílio Alves, da chapa “USP Novo Tempo”, considera que não há problema em “adotar [o trabalho híbrido] num primeiro passo através de um modelo inicial” que seja “conversado com as chefias, com as gerências, com os chefes do departamento, com os diretores, para que a gente possa, então, chegar a uma conclusão de quem teria esse direito”.

Liedi Bernucci, da chapa “USP pelas Pessoas”, mencionou sua experiência na presidência do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que ocupou entre 2022 e 2024, onde foi adotado o trabalho híbrido em algumas áreas, “com um sucesso muito grande”, avalia.

Aluisio Segurado, por sua vez, lembrou que é preciso monitorar as condições de infraestrutura, até porque as falhas de sistemas e redes que ocorrem na universidade podem ocorrer até com mais frequência na casa dos(as) funcionários(as). “Não podemos implementar algo que depois não consiga se consubstanciar por falta de condições operacionais”, disse.

Considerações finais

Nas considerações finais, Liedi Bernucci mencionou os quatro eixos da proposta da chapa “USP pelas Pessoas”: valorização das pessoas; manutenção da excelência acadêmica; fortalecimento da relação com a sociedade; e otimização de processos técnicos e administrativos.

Aluisio Segurado afirmou que “é preciso ressignificar o papel de uma universidade pública num país em que diferenças abissais de condições de vida da população exigem interações transformadoras junto à sociedade”. O professor lembrou que ingressou na USP como aluno há 50 anos, numa universidade muito diferente da atual, “que, por sua diversidade e pluralidade nos ambientes pedagógicos e de pesquisa, é um espelho mais natural da sociedade paulista e brasileira, e, por consequente, é capaz de desenvolver com mais propriedade o sentimento de empatia e de responsabilidade pública que devemos cultivar”.

Pedro Vitoriano, da chapa “Nossa USP”, ressaltou que “é a primeira vez que uma docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e um docente do Instituto de Química se candidatam à Reitoria da Universidade de São Paulo” e que é importante haver uma mulher se candidatando ao cargo, “algo muito raro na Universidade de São Paulo” — de fato, a USP só teve uma reitora em seus 91 anos de história, a professora Suely Vilela (2005-2009).

Ana Lanna afirmou que a defesa da autonomia precisa estar amparada no reconhecimento social. “A sociedade tem que desejar a universidade, a sociedade tem que saber que nós fazemos diferença em todos os nossos aspectos, os nossos aspectos de formação, de pesquisa e inovação, de inclusão e pertencimento, de internacionalização, porque nós fazemos a transformação e nós fazemos a diferença. Se não for assim, não há autonomia que sobreviva.”

Silvia Casa Nova considera que a chapa “USP Novo Tempo” nasce de um projeto coletivo, aspecto importante “num momento em que a nossa universidade tem sido questionada e precisa lutar para permanecer o que ela é, uma universidade pública e gratuita”. A professora disse ainda que Marcílio Alves é uma pessoa “acostumada a ver no conflito a possibilidade de agregação e de consenso”.

Já o candidato a reitor da chapa destacou o seu período à frente de uma fundação privada dita de apoio como um “diferencial bastante importante na minha carreira, na parte administrativa”. “Tenho uma experiência de ser presidente da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo [FUSP], gerindo então mais de 1.300 projetos, 1.500 bolsas, recursos da ordem de R$ 1 bilhão”, disse.

Embora tenha usado o termo “presidente”, Alves na verdade é diretor-executivo da FUSP, que tem como presidente do Conselho Curador o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. A candidata a vice, por sinal, também tem longa trajetória na FUSP, no cargo de diretora financeira.

EXPRESSO ADUSP


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