No dia 14 de janeiro, a Revista Fapesp divulgou no seu perfil do Instagram uma chamada para a reportagem intitulada “Universidades públicas de São Paulo criam modelo flexível na pós-graduação”, publicada na edição 347 (correspondente a janeiro de 2025). A matéria trata do “novo modelo” de doutorado direto proposto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e adotado preliminarmente pelas três universidades estaduais paulistas e pelas três federais (Unifesp, UFSCar e UFABC).

“Um novo modelo de pós-graduação vai ser testado a partir de 2025 em um programa-piloto que reúne seis universidades públicas no estado de São Paulo. A ideia é de que os estudantes ingressem em mestrados estruturados de forma bem mais flexível do que o padrão atual”, diz a reportagem da revista, cujos dois primeiros parágrafos foram reproduzidos na postagem do Instagram. “Dependendo da instituição, no primeiro ano do curso os alunos seguirão um currículo de caráter interdisciplinar, com algumas matérias voltadas, por exemplo, ao empreendedorismo e à solução de problemas da sociedade, e serão estimulados a se envolver em atividades de extensão relacionadas a seu tema de pesquisa. Paralelamente, vão elaborar o projeto de pesquisa e procurar um orientador – etapas que, no modelo atual, ocorrem na maioria das vezes antes do ingresso”.

Encerrado o ciclo inicial de 12 meses, continua a matéria da Revista Fapesp, “os estudantes serão avaliados por uma comissão e terão a oportunidade de seguir diferentes trilhas”. A partir daí, “a depender do desempenho nas disciplinas e da excelência do projeto de pesquisa apresentado”, terão pela frente três alternativas acadêmicas bem diferentes: 1) fazer mais um ano de curso, concluir a dissertação e receber o título de mestre, “como é o padrão”; 2) migrar para o doutorado e concluí-lo dali a quatro anos; e 3) “caso o aproveitamento seja considerado insuficiente, encerrar esse percurso no final do primeiro ano e receber um diploma de especialização”.

A postagem foi comentada por jovens pesquisadores acadêmicos, que na sua grande maioria criticaram asperamente o “novo modelo de pós-graduação”, às vezes de modo bastante mordaz. “‘Empreendedorismo’, quer dizer que a gente vai aprender a fazer bolo de pote no doutorado!? Que alegria”, ironiza Alan Kornin, naturólogo pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Emprendedorismo kkkkkkkkk a morte da carreira acadêmica na frente dos nossos olhos”, reagiu Camila Diaz, estudante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).

“Eu li a proposta e afirmo: não contribui em nada para a pesquisa e produção científica. É um projeto fincado em ideias ‘empreendedoras’. Como já bem diz. Lamento profundamente por essa experiência”, anota Jimmy Barbosa Pessoa, psicólogo graduado pela Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), doutor em Psicologia Social e do Trabalho pela USP, com estágio doutoral em pesquisa na Universidade de Coimbra e mestre em Ciência da Religião pela PUC-SP. “Quando se vai perceber, que pós-graduação é pesquisa? E, aqui, destaco Mestrado e Doutorado. Especialização, essa sim, é profissional”.

No seu entender, “não é com práticas empreendedoras” que se incentivará a pesquisa no Brasil, e sim com “investimentos em laboratórios, bibliotecas, bolsas para manutenção dos pesquisadores e incentivo para publicação e participação em eventos científicos”.

Aline Rodrigues Teixeira, filósofa formada pela Unesp e mestranda em Desenvolvimento Econômico no Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, questiona a ideia de “trilhas” formativas abraçada pelo novo modelo: “Parece [com] os itinerários formativos do Novo Ensino Médio. Será que vamos caminhar rumo à precarização da pesquisa acadêmica?”.

Polly Castilho, por sua vez, aponta a questão crucial do tempo: “Se o mestrado ‘padrão’, de 2 anos, já é super corrido, imagina fazê-lo em 1 ano… Se for na área de biológicas, por exemplo, ao invés de um mestrado o aluno desenvolverá uma IC [iniciação científica] gourmet — e isso se já tiver à disposição os materiais biológicos necessários no laboratório”.

“O neoliberalismo entrando nas universidades sem pedir licença”, aponta Yure Fonseca, historiador pela FFLCH. “São Paulo inovando na precarização da ciência. Parabéns aos envolvidos”, declara ironicamente Gustavo Hipolito Giaquinto Oliveira, cientista social, mestre em Ciências Sociais pela Unesp e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O chamado “novo modelo de pós-graduação”, imposto de cima para baixo pelas reitorias sem qualquer discussão prévia nas respectivas comunidades universitárias e sequer nas instâncias colegiadas, vem sendo objeto de fortes críticas do Andes-Sindicato Nacional e também de docentes da FFLCH.

EXPRESSO ADUSP


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