Universidade
Fapesp tem que continuar investindo em startups e “sistema de empreendedorismo”, sustenta pró-reitora da Unicamp em evento na Alesp
No último dia 21 de maio, a Frente Parlamentar pela Defesa das Universidades Públicas e Institutos de Pesquisa realizou, no Auditório Teotônio Vilela da Assembleia Legislativa (Alesp), audiência pública intitulada “Em Defesa da Ciência: Cortes no Orçamento da Fapesp”, com a finalidade de debater o risco de contingenciamento de até 30% da verba destinada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo em 2025, caso não seja alterado o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PL 302/2024 ou LDO-2025) encaminhado à casa pelo governo estadual.
De acordo com o artigo 22 do PL 302/2024, inciso IV, a mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária (PLOA-2025) “deverá conter: demonstrativo dos recursos destinados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-Fapesp, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico, nos termos do artigo 271 da Constituição do Estado, do artigo 218, § 5º, da Constituição Federal e do artigo 76-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Embora o artigo 271 da Constituição de São Paulo determine que o Estado destine à Fapesp, anualmente, “o mínimo de um por cento de sua receita tributária”, o artigo 76-A do Ato das Disposições Transitórias, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023, que instituiu a reforma tributária, determina a desvinculação, “de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032”, de nada menos que 30% das receitas dos Estados e do Distrito Federal “relativas a impostos, taxas e multas já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes”.
Se aprovada e efetivamente implementada pelo governo, a desvinculação poderá representar um corte de R$ 600 milhões nos recursos da Fapesp em 2025, com reflexo imediato no financiamento das pesquisas. Isso provocou a reação de entidades representativas do mundo acadêmico e até de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que se pronunciou contra a medida.
Convocada pela deputada estadual Beth Sahão (PT), coordenadora da Frente Parlamentar pela Defesa das Universidades Públicas e Institutos de Pesquisa, aaudiência pública realizada na Alesp em 21 de maio reuniu uma variada gama de defensores da Fapesp, que foi representada pelo ex-deputado estadual Milton Flávio (PSDB), atualmente assessor da instituição. Convidado, o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, ex-reitor Vahan Agopyan, não compareceu.
Compuseram a mesa, ainda, a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Raiane Assumpção; a vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda; o pró-reitor de pesquisa da Unesp, Edson Botelho, e a pró-reitora de pesquisa da Unicamp, Ana Maria Frattini Fileti; o presidente reeleito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro Renato Janine Ribeiro; Adalton Masalu Ozaki, representante do Instituto Federal de São Paulo (IFSP); Addolorata Colariccio, 1ª vice-presidenta da Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC); Ros Mari Zenha, representante do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); e Júlia, representante da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Ao abrir os trabalhos, Beth informou ter apresentado uma emenda ao PL 302/2024 com o intuito de manter o repasse anual à Fapesp de 1% da receita de impostos. “Entendemos que é uma decisão absolutamente inconstitucional, porque fere a Constituição estadual”, disse a deputada, destacando a importância da Fapesp no financiamento da pesquisa.
Chamou atenção, no evento, a fala da pró-reitora da Unicamp, ao apontar as razões pelas quais entende ser necessário não reduzir o repasse de recursos do Tesouro à Fapesp. Ana Maria Frattini Fileti informou haver assumido a Pró-Reitoria de Pesquisa no início de maio, depois de haver dirigido o Inova Unicamp —por isso, explicou, seu ponto de vista carrega um “viés mais para o lado da inovação”. Ela opinou que a Fapesp deve continuar destinando um volume expressivo de verbas para empreendimentos empresariais.
“Além de todos os argumentos já colocados anteriormente [por outros oradores] sobre a qualidade da pesquisa e dos recursos humanos que nós formamos, o impacto da pesquisa básica, eu trago também a visão do impacto da inovação e do empreendedorismo”, disse Ana Maria. “Diminuir os recursos da Fapesp simplesmente interrompe um círculo virtuoso. Por que? Porque parte dos recursos da Fapesp são [sic] colocados para o desenvolvimento de empresas de base tecnológica. O nosso ecossistema de inovação de São Paulo é um dos mais pujantes do Brasil”.
A pró-reitora prosseguiu desdobrando seus argumentos. “A região de Campinas tem o maior número de startups por habitantes no país, e isso acontece porque grande parte dos recursos para inovação, que vêm dos projetos de pesquisas inovativas para pequenas empresas da Fapesp, são colocados para que os alunos de pós-graduação, que tenham pesquisas de base tecnológica, transformem sua pesquisa em produtos para o mercado, em demandas da sociedade que chegam no mercado”.
Caso esses recursos sejam retirados, avaliou, “eles passam a quebrar um círculo que é muito virtuoso, a partir do momento em que aquela pesquisa se torna uma inovação e vai para o mercado”, porque no seu entender “isso se torna também uma empresa que traz uma arrecadação significativa para o próprio Estado de São Paulo”. Ana Maria passou, então, a formular um intrigante raciocínio, com base em projeções do Inova Unicamp que ela citou sem, no entanto, apresentar dados que pudessem comprová-los.
“Nós temos um levantamento em Campinas de empresas que foram criadas a partir de pessoas que passaram pela Unicamp, que sabem sistematizar o seu modelo de negócio e que levam de uma forma muito mais sistemática e menos amadora, suas empresas, um levantamento que diz que aproximadamente R$ 26 bilhões são o faturamento de empresas de pessoas provenientes do sistema acadêmico da Unicamp”. Repetiu: “R$ 26 bilhões anuais”, sem apresentar os critérios utilizados para se chegar a essa estimativa.
“Se a gente colocar uma alíquota média de imposto de 25%, percebe que R$ 6 bilhões aproximadamente revertem em imposto para Estado de São Paulo. E quanto o Estado coloca na Unicamp? R$ 3 bilhões”. Portanto, concluiu, “além de toda formação de recursos humanos qualificados, a gente tem também o retorno financeiro para o ICMS do Estado”. Uma vez que essa geração de receita é “extremamente” impulsionada por verbas da Fapesp, “então cortar o investimento da Fapesp é cortar a própria arrecadação de ICMS que vem para o Estado: é tão simples quanto isso”.
Na visão da pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, ao criar-se “esse sistema de empreendedorismo” consegue-se, adicionalmente, criar “espaço para absorção de doutores” formados nas universidades. “Nós estamos cansados de formar recursos humanos qualificados e perdê-los para o exterior. Fazer um estágio no exterior é positivo para todo mundo, mas essas pessoas têm que voltar e compor o nosso sistema para que o país possa realmente se desenvolver com renda, empregos qualificados”.
Embora o “papo reto” de Ana Maria possa ter chocado alguns presentes, o fato é que ela apenas estava celebrando a política de financiamento de empresas que a Fapesp começou a adotar há duas décadas, em claro desvio de finalidade, e que vem sendo intensificada pelo ex-reitor M.A. Zago desde que assumiu a presidência da agência de fomento.
Ao final das falas da mesa, quando o plenário foi convidado a se manifestar, a professora Michele Schultz, presidenta da Adusp e coordenadora do Fórum das Seis, pediu a palavra e procurou contextualizar o debate. “A qualidade daquilo que realizamos nas universidades públicas brasileiras como um todo é aquilo que está definido na Constituição Federal, que é a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão. Isso é algo fundamental, foi uma conquista histórica dos movimentos à época da redemocratização e a gente não pode se esquecer disso. Então, atacar a política de ciência e tecnologia, atacar a pesquisa, é também atacar esse sistema de ensino que garante a qualidade nas universidades públicas”.
Ela relembrou a atuação da Frente em outros momentos, quando foi necessário defender a autonomia das universidades e os institutos públicos estaduais de pesquisa, colocados na mira pelo PL 529/2020 do governador João Doria (PSDB), e novamente no atual governo. “Houve uma tentativa, no projeto da LDO, de ataque ao orçamento das universidades”, por meio da inclusão no artigo 5, que destina verbas às universidades públicas estaduais, de outras três instituições de ensino: Univesp, Famema e Famerp, “para dividir os mesmos 9,57%” do ICMS-Quota Parte Estadual, e obviamente houve uma reação grande de vários setores e o governador recuou”, relatou Michele.
A coordenadora do Fórum das Seis destacou que a grande expansão das universidades estaduais paulistas ocorrida no início dos anos 2000 não foi compensada por um correspondente aumento do financiamento. Observou ainda que, apesar da expansão, o número de docentes estagnou e o de funcionários(as) técnico-administrativos(as) decresceu.
“Nós defendemos ciência e tecnologia públicas, com financiamento exclusivamente público. Escutei aqui algumas falas que muito nos preocupam, porque quando a gente fala de uma ciência socialmente referenciada não é uma ciência voltada para o mercado”, enfatizou, em referência implícita à fala da pró-reitora da Unicamp. “Me preocupa muito que algumas falas aqui coadunem-se com o que está no Plano Plurianual do próprio governo Tarcísio, que tem um viés absolutamente empresarial”.
Apesar dessas diferenças de concepção de ciência e tecnologia, e da existência de “críticas a alguns elementos de atuação da Fapesp”, Michele assinalou que o Fórum das Seis compareceu ao evento para somar-se à defesa do adequado financiamento público da Fapesp.
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