Na reunião convocada para esta terça-feira (19/3), o Conselho Universitário (Co) da USP deverá votar o projeto de criação da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBru), formulado por um grupo de trabalho constituído pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. em abril de 2023. O curso de Medicina de Bauru, criado pelo Co em 2017 após tramitação meteórica, é mantido pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) e atualmente conta com apenas vinte docentes.

Uma reunião do Co convocada para 10/10/23 com a finalidade de aprovar o projeto foi cancelada depois que a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), que já havia dado parecer favorável, solicitou que a matéria fosse retirada de pauta e devolvida ao GT responsável, alegando que, frente à “evolução negativa da arrecadação do ICMS”, seria necessária “uma nova avaliação sobre o impacto econômico-financeiro da proposta”.

Numa reportagem publicada em 6/10, o Informativo Adusp Online chamou a atenção para aspectos altamente danosos do projeto, como a contratação de 80% do corpo docente em Regime de Turno Completo (RTC), com o agravante de que esses docentes seriam contratados como “empregados” do Hospital das Clínicas de Bauru (HCB) “em regime CLT”, ou seja pela Consolidação das Leis do Trabalho e não como funcionários estatutários.

A justificativa para esse arranjo bizarro é que “isso promove [sic] que o mesmo profissional dedique sua carga funcional somada de 36 a 40 horas dentro do complexo FMBRU/HCB”, dando a entender que os docentes da futura unidade de ensino serão — a exemplo do que já acontece com 530 funcionárias(os) do extinto Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) — compelidos a trabalhar para a Faepa, a fundação privada escolhida sem licitação pelo governo estadual para administrar o HCB, por meio de contrato de gestão de R$ 309 milhões.

Após a devolução do projeto, as comissões assessoras do Co emitiram novos pareceres. A Comissão de Atividades Acadêmicas (CAA), que emitira parecer favorável quando da primeira avaliação, em 4/9/23, apontou problemas em novo parecer, datado de 6/11/23. O projeto propõe que a unidade acomode quatro departamentos, mas o cronograma adotado prevê a contratação de apenas 34 docentes entre 2023 e 2027, de modo que, somados aos 20 docentes já efetivos, totalizarão 54. “Portanto, a nova unidade acadêmica não teria número de docentes suficientes para, de imediato, constituir quatro novos departamentos”, conforme estipulado no Estatuto da USP, assinalou a CAA.

“Está sendo planejado que a FMBRU tenha em torno de 105 docentes, com 20 em regime RDIDP, exclusivos do curso de medicina, sendo que 65 tem previsão de contratação nos próximos 10 anos e os demais até 2037 (fls. 94 e 95). Não foi apresentada uma estimativa do número de docentes que serão distribuídos entre os departamentos, nem de como está sendo prevista a organização desses departamentos de forma a respeitar o Artigo 57 (inciso 11) do Estatuto da USP que rege sobre a formação de departamentos, sendo necessário uma estrutura mínima de 15 docentes para a criação e, nesta condição, ter até dois professores titulares por departamento”, diz o parecer de 6/11.

Além disso, a CAA encontrou sérias discrepâncias no texto: “No geral, a proposta necessita de uma revisão com relação ao número de docentes solicitados, pois há divergências de informações (fls. 85, fls. 86, fls. 89 e 90, fls. 94 e 95, e fls.106) que impactam no cálculo do custo anual previsto”.

Por outro lado, a comissão sugeriu uma drástica redução no número de professores titulares previsto no projeto, uma vez que este prevê que, dos claros propostos para o período de 2023 a 2027, 10 (dez) sejam de Professores Titulares (MS-6) a serem distribuídos entre os departamentos.

“É importante salientar que a progressão horizontal de MS-3 para MS-5, que efetivamente demonstra a existência de um conjunto de Professores Associados capacitados para concorrer ao cargo de Professor Titular, não ocorre logo no início da carreira, requerendo envolvimento com as atividades de graduação, pós-graduação, pesquisa, extensão e gestão, portanto, o preenchimento de claros de Professor Titular em tão curto prazo, conforme previsto na proposta, não é tão simples”, adverte a CAA.

Ainda segundo o parecer, a “criação de uma nova unidade acadêmica da USP pode ocorrer com a previsão de claros de Professores Titulares, porém, esses claros permanecem no Banco de Cargos de Professores Titulares da USP e a concessão pela CAA está condicionada à existência de Professores Associados habilitados e ao mérito acadêmico”.

Assim, levando em vista o “reduzido número de claros para Professores Titulares [existente] no Banco de Cargos”, bem como a “necessidade de obedecer ao Estatuto da USP, com relação ao número de docentes para a instalação de um Departamento, e os critérios de mérito adotados para a aprovação de um novo claro de Professor Titular”, a CAA opinou “pela reserva de quatro novos claros de Professor Titular” para a FMBru, “não condicionada à liberação para o período de 2023 a 2027, mas ao mérito acadêmico, respeitando um número mínimo de docentes nos departamentos, conforme estabelece o Estatuto da USP”.

A “continuidade” do projeto da terceira unidade de Medicina da USP

O documento que traz algumas mudanças no projeto de criação da FMBru só foi apresentado em fevereiro de 2024, depois que a reforma tributária foi aprovada pelo Congresso Nacional, atendendo-se à reiterada advertência da COP — que em novo parecer, datado de 14/11/23, manifestou-se uma vez mais pela “devolução do processo ao interessado até que possa ser novamente avaliado quando as condições econômicas sejam mais favoráveis e a estrutura de financiamento da Universidade de São Paulo esteja mais bem definida de modo a garantir uma análise mais segura sobre os impactos econômico-financeiros para a USP decorrentes do projeto de criação da nova unidade acadêmica”.

Ofício do Gabinete da Diretoria da FOB, assinado pelo presidente do GT incumbido do projeto, professor Tales Rubens de Nadai, comunica em 2 de fevereiro: “Vimos, por meio deste, dar continuidade ao projeto de criação da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBRU), após aceite das considerações da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP)” (destaques nossos). Foram incorporadas ainda alterações relacionadas à estrutura da nova unidade e ao corpo docente, de modo a atender às observações da CAA.

A proposta é criar a unidade “sem departamentos nos primeiros anos”, à semelhança da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), abordagem que, segundo Nadai, permitirá o desenvolvimento de perspectivas inter, multi e transdisciplinares, bem como a procura da inovação do conhecimento, o que vem de encontro ao projeto político-pedagógico do curso”. Adicionalmente, “haverá economia de recursos em relação às verbas de representação para chefias e secretarias de departamento”, com redução anual de despesas estimada em R$ 225 mil. “Assim, no futuro, quando o corpo docente estiver em número maior que 50, podemos solicitar a criação de dois departamentos conforme sugestão da CAA”, acrescenta.

Os dez claros docentes para professores titulares “foram substituídos pela reserva de quatro claros para a FMBru junto ao Banco de Cargos de Professores Titulares da USP, cuja liberação será vinculada ao mérito acadêmico”, conforme proposto pela CAA.

Quanto às advertências da COP a respeito do financiamento da nova unidade, Nadai informa na “continuidade” do projeto relativo à FMBru que a Comissão de Educação do Senado Federal apresentou emenda à Constituição, aprovada naquela casa e depois na Câmara Federal, que preserva as receitas e a autonomia financeira das universidades paulistas diante da Reforma Tributária. “Há ainda a necessidade de regulamentação estadual, mas já existe garantia constitucional de preservação da receita e estrutura de financiamento da Universidade de São Paulo”. Ainda, “nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023, a arrecadação do ICMS no estado de São Paulo foi superior aos valores previstos para o referido período de acordo com a LOA, indicando uma melhora no cenário estadual, com um impacto direto na quota parte destinada à USP”.

Apesar de tais novidades, o presidente do GT incumbido de criar a FMBru anuncia outra mudança na versão inicial do projeto, capaz de reduzir as despesas, mas um tanto surpreendente: “No aceite do projeto, propomos transferir para a futura FMBru 58 servidores técnico-administrativos de nível técnico e 28 de nível superior ora lotados no HRAC, que se encontram prestando serviços para o HCB [Hospital das Clínicas de Bauru] em funções compatíveis com a necessidade da futura FMBru, após terem assinado o termo de anuência, ao invés de contratar novos servidores. Isso gerará uma economia anual de R$ 13.100.083,00” (destaques no original).

Um verdadeiro ovo de Colombo! Prossegue Nadai: “Apenas com esta medida, reduz-se em cerca de 40% o impacto econômico-financeiro para a USP decorrente da criação da nova unidade acadêmica relacionado a despesas com pessoal e dotação básica e adicionais” (destaques no original).

Porém, como visto mais acima, atualmente quem economiza com a força de trabalho do extinto HRAC é a fundação privada Faepa, de Ribeirão Preto, a “organização social de saúde” para quem estão trabalhando gratuitamente —pois seus salários são pagos pela USP— cerca de 530 servidoras(es) que foram impelidos pela Reitoria a assinar o citado “termo de anuência” que os obriga a receber e cumprir ordens dos gestores privados a serviço da Faepa. A mesma Faepa que foi presidida pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., quando diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (2013-2016).

Como se dará essa reversão da força de trabalho colocada graciosamente à disposição da Faepa, o documento assinado por Nadai não esclarece. Tal como o projeto original da FMBru, sua “continuidade” traz uma série de improvisações e condicionantes que parecem seguir o mesmo espírito aventureiro e irresponsável da agressão inicial do reitor M.A. Zago ao HRAC, em 2014, e da criação às pressas do curso de Medicina na FOB, em 2017.

Assim é a proposta de alterar o cronograma de contratação do corpo docente do curso, mediante a adoção de um “cronograma sustentável de contratação docente, sem onerar a folha de pagamentos da USP”, a saber: “A regra de contratação será baseada nas perdas de servidores técnico-administrativos do ano anterior. Conforme existir a saída de servidores HRAC [sic] e desoneração da folha de pagamentos da USP, sem reposição, iremos propor a abertura de claros docentes no ano seguinte”.

Por que não chamar de “cronograma experimental de contratação docente”?

EXPRESSO ADUSP


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