Claudia Momo, docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ-USP), encaminhou à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), no último dia 16 de janeiro, diversos documentos referentes à denúncia de assédio que apresentou em novembro de 2022 contra o professor Paulo Cesar Maiorka (então vice-chefe daquele departamento), e seus desdobramentos.

A docente contesta o resultado da apuração preliminar realizada contra o professor denunciado (conduzida por ambas as gestões da faculdade, anterior e atual), e pede que o procedimento seja reaberto.

Em 4/4/23, a vice-diretora em exercício determinou a instauração de uma apuração preliminar, designando uma professora da Faculdade de Direito da USP e uma funcionária da FMVZ para compor a comissão de apuração. Reconhecendo que os elementos apresentados na denúncia poderiam afrontar o Código de Ética da Universidade e configurar assédio moral, o parecer da comissão de apuração preliminar indicava a abertura de uma comissão de sindicância a identificar a eventual procedência da denúncia.

Tal parecer foi encaminhado à Procuradoria Geral e, apesar da indicação de abertura da sindicância ter sido corroborada por um dos procuradores, a procuradora geral adjunta entendeu que a comissão de apuração preliminar deveria reabrir seus trabalhos, realizando oitivas, ouvindo testemunhas, e analisando provas. Em 28/3/24, o relatório final da comissão de apuração preliminar afirma que não se trata de desconsiderar o sofrimento sentido pela professora Claudia Momo, mas que parte considerável dos fatos narrados não foram corroborados pelas testemunhas ouvidas, o que dificulta uma conclusão segura de que o assédio existiu. O relatório recomendou que o denunciado fosse advertido sobre a forma mal-educada, intempestiva e muitas vezes agressiva com que se dirige às pessoas, o que lhes causa constrangimento, sensação de ameaça e desconforto.

“No dia 16 de setembro de 2024, enviei à diretoria da FMVZ uma solicitação para anulação da apuração preliminar, por vícios, e solicitação para reabertura de apuração preliminar. O diretor me confirmou, por e-mail, que já estava enviando os documentos à Procuradoria Geral da USP [PG-USP]”, relata ela na mensagem encaminhada à PRIP. “Ademais, solicitei que, a partir daquele momento, a condução da apuração preliminar fosse feita pela PG-USP, já que houve má condução da apuração preliminar pela diretoria da FMVZ”. No dia seguinte, Claudia encaminhou pedido idêntico à Comissão de Ética da USP e à Ouvidoria da universidade.

Dentre as razões apontadas pela professora Momo para que o processo de apuração fosse reaberto, está o fato de que em nenhum momento as provas constantes da denúncia, como gravações, por exemplo, foram analisadas pela professora responsável pela condução do processo. Foram ouvidas testemunhas e conclusões foram tiradas sem que houvesse acesso a todo material constante da denúncia. Além disso, o processo foi fundamentalmente conduzido por apenas uma pessoa, que mesmo sabendo da existência de outros elementos na denúncia não requisitou acesso e nem tampouco manteve a sugestão inicial de abertura de sindicância.

Professora informou à PRIP ter sido “coagida pelo diretor” durante reunião

A professora informou à PRIP, ainda, ter se sentido coagida pelo diretor José Antonio Visintin, em reunião ocorrida na sala da diretoria da faculdade, no dia 3 de dezembro de 2024: “O diretor da FMVZ me comunicou sobre o encerramento dos processos contra o professor Paulo Maiorka em reunião na diretoria da FMVZ, para a qual eu fui convocada, sem saber o motivo da reunião, tampouco quem participaria da mesma. A reunião teve a presença do denunciado, do chefe do Departamento de Patologia, professor Antonio Piantino e da vice-chefe do mesmo departamento”, relata. Acrescentou ter sido “coagida pelo diretor” e por Piantino “a dizer que concordava em voltar a trabalhar com o denunciado”.

Na mesma reunião, o diretor da FMVZ afirmou à docente que havia encaminhado sua solicitação à PG-USP para que seja anulada a apuração preliminar realizada e, depois, instaurada uma nova apuração. No entanto, de acordo com e-mail remetido a Claudia, em 20 de dezembro de 2024, pela professora Marília Seelaender, ouvidora da USP, a PG-USP não havia recebido esse pedido.

“A demora na reabertura da apuração preliminar pode me acarretar danos irreparáveis na justiça, pois há dois processos judiciais em andamento e o denunciado utilizou os documentos da apuração preliminar para afirmar que foi ‘inocentado’”, assevera a docente na mensagem à PRIP.

Num e-mail enviado à Comissão de Ética e à Ouvidoria da USP, ela informou que o diretor Visintin lavrou um Boletim de Ocorrência para registrar um suposto furto de cadáveres de animais guardados na faculdade — no documento são citados dois funcionários subordinados a Claudia, que é a chefe do Serviço de Patologia Animal. “Essa é uma clara retaliação a mim, pois ele sequer conversou comigo antes de abrir o B.O.”, protesta a docente.

Na verdade, não houve furto, mas doação de cadáveres de cães para serem utilizados em aulas práticas pela professora de uma universidade particular. A doação recebeu previamente o aval do diretor do Hospital Veterinário da FMVZ, e Claudia tem em mãos a respectiva documentação.

“Eu passei e passo por diversos ataques perpetrados pelos responsáveis pelas instâncias que deveriam me proteger”, assinala Claudia em documento que encaminhou à Comissão de Ética.

O Informativo Adusp Online entrou em contato com os professores José Antonio Visintin e Antonio Piantino, encaminhando perguntas relacionadas às denúncias e acusações feitas pela professora Claudia Momo. Até a publicação desta matéria, no entanto, não recebemos respostas, nem do diretor da FMVZ, nem do chefe do Departamento de Patologia. Caso cheguem, a matéria será devidamente atualizada.

Comissão de Ética da USP pronunciou-se sobre o caso em 2023 e 2024

A Comissão de Ética da USP manifestou-se duas vezes sobre as denúncias de assédio moral feitas por Claudia Momo contra Paulo Cesar Maiorka: a primeira em fevereiro de 2023 e a segunda em agosto de 2024. O primeiro parecer reconhece como procedentes as acusações feitas ao docente, e admite que suas atitudes transgrediram cinco artigos do Código de Ética da universidade.

Assim, no parecer de 2023, a Comissão de Ética registra que a conduta daquele docente “reiteradamente transpassa os limites estabelecidos neste Código de Ética, produzindo um prejuízo moral e profissional sobre a professora Momo”, e destaca o fato de que Claudia “apresenta um documento de denúncia com 33 páginas, contendo 14 relatos de casos e situações em que se viu humilhada, constrangida ou [teve] sua competência diminuída pelo professor Maiorka, em eventos registrados ao longo de 2022”.

Além daquilo que é relatado em documentos ou falas do próprio denunciado, acrescenta o parecer, “surpreendem os relatos de outras docentes e de pós-graduandos que também se sentem intimidadas por ele [Maiorka], tendo por vezes sido formalmente denunciado à Ouvidoria da USP sem, contudo, nunca ter sido devidamente investigado, quanto mais, penalizado [sic]”. Aponta, ainda: “Todos os eventos e relatos são embasados com documentos, depoimentos, e gravações em reuniões de trabalho, seminários online e até conversas reservadas”.

O comportamento de Maiorka teria ferido o artigo 2º do Código de Ética da USP, que recomenda a prevalência do “respeito mútuo e a preservação da dignidade da pessoa humana”; o artigo 4º, que prevê que seja garantido, nas relações entre os membros da universidade, “o direito à liberdade de expressão dentro de normas de civilidade e sem quaisquer formas de desrespeito”; o artigo 5º, segundo o qual cabe aos membros da USP “manter e preservar o funcionamento de suas estruturas, o respeito, os bons costumes e preceitos morais e a valorização do nome e da imagem da Universidade”.

A Comissão de Ética cita ainda, no seu parecer inicial, o artigo 6º, segundo o qual constitui dever funcional e acadêmico dos membros da Universidade “I – agir de forma compatível com a moralidade e a integridade acadêmica”, bem como “VIII – preservar o patrimônio material e imaterial da Universidade e garantir o reconhecimento da autoria de qualquer produto intelectual gerado no âmbito de suas unidades e órgãos”. A alusão a este último dispositivo sinaliza que o colegiado entendeu serem dignas de nota as denúncias da professora Claudia de, por vezes, ocorrer apropriação indevida de seu trabalho pelo professor Maiorka.

Por fim, é mencionado também o artigo 7º do Código de Ética, que determina aos membros da USP que se abstenham de “valer-se de sua posição funcional ou acadêmica para obter vantagens pessoais e para patrocinar interesses estranhos às atividades acadêmicas”.

Acionada novamente por Claudia, a Comissão de Ética voltou a se pronunciar sobre o caso no dia 21 de agosto de 2024. No entanto, o novo parecer foi mais ameno que o primeiro e se baseou no parecer emitido por parecerista externa, nomeada pela antiga diretoria da FMVZ. “No âmbito da FMVZ foi instaurada a devida apuração constatando-se que o denunciado agiu inadequadamente na forma com que se refere à pessoa da denunciada, empregando publicamente termos inadequados ao se referir a ela, de forma agressiva e mal-educada, mas não foi apurado qualquer comportamento de assédio moral”, diz o parecer assinado por Dalton Luiz de Paula Ramos, presidente da Comissão de Ética.

“Como decorrência desse processo de apuração, o denunciado foi formalmente advertido no sentido de que mude seu comportamento e/ou mude a sua forma de se comunicar, em observância à dignidade da pessoa humana, nos termos do artigo 2° do Código de Ética da USP, advertência esta [de] que o professor Paulo Cesar Maiorka tomou ciência por escrito em 4 de junho de 2024 na Diretoria da FMVZ”, acrescenta.

A Comissão de Ética entendeu que, uma vez que já havia sido aplicada a pena de advertência pelos fatos até então relatados, “não compete a esta Comissão reapreciar o assunto, salvo em caso de reincidência”.

Nota da Diretoria da Adusp

A forma como a universidade vem tratando a denúncia de assédio moral feita pela professora Claudia Momo da FMVZ exige uma reflexão acerca dos procedimentos utilizados pela instituição.

A denúncia, que apresenta farto material evidenciando a forma violenta e desrespeitosa com que a professora foi tratada por seu colega, foi encaminhada à direção da faculdade em 7/11/2022. Na USP, fica a cargo exclusivamente da ou do diretor da unidade a decisão de como proceder com relação aos procedimentos de averiguação da denúncia.

No caso em tela, sequer uma comissão de sindicância foi instaurada, ainda que esse procedimento tenha sido indicado na primeira fase de trabalhos da comissão de apuração preliminar, composta por uma docente e uma funcionária, para averiguar os elementos da denúncia. Essa recomendação não foi seguida pela Procuradoria Geral da USP e nem pela direção da FMVZ. Como resultado, passados mais de dois anos desde a entrega da denúncia, houve apenas a indicação de uma advertência ao docente, sem que uma averiguação completa e abrangente da denúncia de assédio moral tenha sido realizada.

Cabe perguntar: o que a faculdade e a universidade entendem por assédio moral? É sempre bom registrar como o Conselho Nacional de Justiça define assédio moral: “toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador”.

Provocada, a Comissão de Ética, em seu parecer de 21/8/2024, não reconheceu a extrema violência vivida, de modo reiterado, pela colega e não se ateve a analisar em que condições se deu a averiguação dos fatos.

A Diretoria da Adusp entende que um caso dessa gravidade não pode prescindir de procedimentos como a instalação de comissão de sindicância e/ou processo administrativo, em que todas as provas apresentadas sejam analisadas, oitivas sejam realizadas, sempre garantindo, é claro, o pleno direito de defesa e o direito de não revitimização de quem faz a denúncia.

Em tempos em que se está discutindo protocolos de encaminhamento de denúncias desse tipo, é preciso ter em conta que a falta de democracia e de transparência na USP pode comprometer significativamente os procedimentos de averiguação, como vimos acontecer neste caso que, infelizmente, não é único.

EXPRESSO ADUSP


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