Nos últimos dias, docentes ligado(a)s à gestão Carlotti Jr.-Nascimento Arruda têm se movimentado com o intuito de defender a Reitoria e atacar publicamente a greve estudantil em curso. São declarações como a “carta aberta” de diretores(as) de unidades “à sociedade”; manifestos assinados por grupos de docentes, como ocorreu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA); ou artigos de opinião, como os veiculados pelo superintendente de Comunicação da USP, Eugenio Bucci, e por Rubens Russomano Ricciardi, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP).

A maioria dessas manifestações vem a público depois que a Reitoria apresentou ao movimento de greve, em 4/10, uma proposta que representa avanço nas negociações, e a ratificou em 10/10. No entanto, ao invés de incentivar a continuação do diálogo, esses textos hostilizam a greve por meio de considerações questionáveis, sem fazer quaisquer cobranças à gestão reitoral que por meses ignorou as reiteradas advertências de estudantes de diversos cursos.

Na sua “Carta aberta à comunidade da FEAUSP”, divulgada nesta segunda-feira (9/10) pelo Jornal da USP (“Professores da FEA divulgam abaixo-assinado pedindo fim da paralisação na faculdade”), 139 docentes da unidade dizem reconhecer “a importância do esforço contínuo pela melhora do ambiente universitário”, mas acrescentam, contraditoriamente: “não apoiamos a paralisação das aulas como forma de solução”. Isso numa unidade que perdeu 30% de seus docentes efetivos desde 2014.

Quem são os(as) docentes que assinam a carta da FEA? Vários exercem ou exerceram cargos de primeiro escalão na universidade ou no governo estadual. Vários são dirigentes ou expoentes das três fundações privadas ditas “de apoio” que atuam na FEA (e nela exercem enorme influência). A começar pelo professor sênior Adalberto Americo Fischman, nome que abre a relação de signatários(as).

Fischman é presidente do Conselho Curador, instância máxima da Fundação Instituto de Administração (FIA), além de coordenador de projetos dessa entidade privada. Quando chefe do Departamento de Administração da FEA, em 2010, foi um dos responsáveis pela criação da “Faculdade FIA de Administração e Negócios”. Essa instituição privada de ensino superior, mantida por docentes da FEA, oferece uma graduação paga em Administração, disputando alunos(as) que em tese poderiam cursar a graduação pública e gratuita oferecida pela FEA.

Quando diretor da FEA, em 2015, Fischman tentou desalojar da unidade o cursinho pré-vestibular mantido por entidades estudantis, mas foi derrotado nesse propósito. Ele presidiu a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) na gestão do reitor M.A. Zago (2014-2017).

Coordenador da Codage e diretor do IEA estão entre signatários da “carta aberta”

Continuando a leitura da lista, nos deparamos com os nomes de Cláudio Felisoni de Angelo e Eduardo Pinheiro Gondim de Vasconcellos, ambos ex-presidentes da FIA — além disso, Vasconcellos, ex-diretor da FEA (1990-1994), integra atualmente o Conselho Curador da fundação privada.

Outros quatro signatários são integrantes do Conselho Curador da FIA: professores Cláudio Pinheiro Machado Filho, Marcelo Caldeira Pedroso, Paulo Roberto Feldmann e João Maurício Gama Boaventura. Detalhe: Boaventura é coordenador da Coordenadoria de Administração Geral (Codage), cargo de confiança do reitor.

Jacques Marcovitch, ex-reitor, ex-secretário estadual de Economia e Planejamento (2002, no governo Alckmin), também é ligado à FIA.

Guilherme Ary Plonski, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA), cargo de confiança do reitor, é além disso membro atuante de duas fundações privadas ditas “de apoio”: a FIA e a Vanzolini (que opera na Escola Politécnica). Assina a lista, igualmente, o diretor-geral ou diretor-presidente da FIA, Roberto Sbragia.

Em 2020, a receita total da FIA foi de R$ 117 milhões, e em 2021 de R$ 172 milhões. Portanto, em apenas dois anos essa fundação privada, mantida por docentes da FEA, arrecadou R$ 289 milhões com sua faculdade privada e demais atividades remuneradas: cursos pagos (MBA e outros), consultorias e outros serviços para órgãos de governo e iniciativa privada que, nessas organizações, são genericamente denominados “projetos”. Criada em 1980 para supostamente “apoiar” a USP, em 2021 a FIA contabilizou 6.714 alunos próprios, segundo seu Balanço Social.

Presidentes da FIPE e do Conselho Curador da Fipecafi também assinam a “carta aberta”

Prosseguindo no levantamento, o Informativo Adusp Online constatou que a “carta aberta à comunidade” inclui como assinantes os principais dirigentes da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).

Carlos Antonio Luque, que por dez anos foi secretário-adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do governo estadual (1995-2005), nos governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin (PSDB), é o mais longevo presidente da FIPE: está no cargo há dezesseis anos, desde 2007.

Simão Davi Silber é o presidente do Conselho Curador da FIPE. Hélio Nogueira da Cruz, por duas vezes vice-reitor (gestões A. Melfi e J.G. Rodas), Denisard Cnéio de Oliveira Alves, José Carlos de Souza Santos e José Paulo Zeetano Chahad são todos integrantes do Conselho Curador da FIPE. Cnéio foi diretor da FEA (1994-1998).

Há também, no rol de assinantes da “carta aberta à comunidade”, diversos docentes que exercem funções centrais na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Note-se que já em 2011 a Fipecafi criou sua própria faculdade (movimento que depois seria seguido pela FIA). Em 2021 e 2022 a Fipecafi apresentou receitas de R$ 30,6 milhões e R$ 31 milhões, respectivamente.

Reinaldo Guerrero, ex-diretor da FEA (2010-2014), é o presidente do Conselho Curador da Fipecafi. Segundo seu currículo Lattes, é membro do Conselho Fiscal da Itaú-Unibanco Holding desde maio de 2016, e presidente do Conselho Fiscal da Fundação Fundo Patrimonial da FEA-USP desde 2020.

A maioria do(a)s docentes integrantes desse Conselho Curador assina a “carta aberta”: Ariovaldo dos Santos, Carlos Alberto Pereira, Daniel Magalhães Mucci, Edgard Bruno Cornacchione Jr., Fernando Dal-Ri Murcia, João Vinícius de França Carvalho, Mara Jane Contrera Malacrida, Márcio Luiz Borinelli, Valmor Slomski. Um deles, Fábio Frezatti, é ex-diretor da FEA (2018-2022).

Seis docentes integrantes do Conselho Fiscal da Fipecafi, inclusive suplentes, são signatários(as) da “carta aberta”: Bruno Salotti, Gustavo Gonçalves Vettori, José Roberto Kassai, Joshua Onome Imoniana, Patrícia Siqueira Varela e Raquel Wille Sarquis.

Dezenas de outros(as) docentes que endossaram o documento em questão, mas não foram objeto de citação, vinculam-se igualmente às fundações privadas atuantes na FEA. É esse o caso, por exemplo, daqueles(as) que não exercem cargos diretivos, mas são coordenadores de projetos da FIA. Tais projetos, como mencionado antes, são necessariamente rentáveis, ainda que do ponto de vista jurídico-formal essas fundações não tenham “fins lucrativos”.

EXPRESSO ADUSP


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