Universidade
“MVV2029”, nasce uma nova sigla na gramática neoliberal da gestão Carlotti Jr.-Arruda. O que vem aí?
Ao longo de quase dois anos e meio do seu mandato, de janeiro de 2022 aos dias atuais, a gestão Carlos Gilberto Carlotti Jr.-Maria Arminda do Nascimento Arruda tem criado diversos projetos, “programas” e até estruturas institucionais, com a finalidade, real ou suposta, de aperfeiçoar o desempenho da universidade.
A adesão aos postulados neoliberais de sucessivas gestões precedentes já havia aberto essa trilha — à gestão Vahan Agopyan-Antonio Hernandes, por exemplo, devemos o surgimento da simpática expressão Projeto Acadêmico Docente, ou “PrADO”, bem como do inolvidável Programa de Atração e Retenção de Talentos, o “PART”, que contratava pós-doutores por R$ 2 mil. Pode-se dizer, contudo, que a gramática e o sedutor vocabulário da visão de mundo neoliberal foram renovados por Carlotti Jr. e Nascimento Arruda.
O neoliberalismo universitário, e o decorrente produtivismo acadêmico, exigem um ritmo quase frenético de “novidades”, porque é preciso manter sob pressão o corpo funcional da instituição, sempre impelido a não relaxar, a não descuidar de tarefas várias, a produzir mais e mais e, claro, a “inovar” e a “empreender”. Daí a profusão de programas (e respectivas siglas) que se propõem a fazer avançar aceleradamente a USP, porque lecionar e pesquisar sem perspectiva empreendedora já não bastam.
O Programa USP Sustentabilidade, ou “USPSusten”, delegado à Superintendência de Gestão Ambiental (SGA), foi um dos primeiros lançados pela atual gestão. A dita sustentabilidade ambiental tornou-se uma das prioridades da gestão e passou a justificar exorbitâncias institucionais, de forma que a SGA, órgão executivo, foi dotada de atribuições de unidade de ensino, passando a coordenar um edital de 28 bolsas de doutorado.
Ademais, o reitor anunciou investimento de nada menos que R$ 270 milhões na assim chamada “mudança do perfil energético da USP com compra de energia no mercado livre e geração fotovoltaica”. Essa medida foi aprovada sem qualquer detalhamento em junho de 2022 pelo Conselho Universitário (Co), como parte de um pacote de “investimentos” de R$ 1,9 bilhão endossado pela ampla maioria do Co sem qualquer estudo que os embasasse e praticamente sem debate.
No campo da política de recursos humanos, a Reitoria deu à luz, em março de 2023, à proposta de criação da Gratificação de Valorização, Retenção e Permanência, uma bonificação irrepetível cujo nome extenso e promissor é sintetizado na sigla “GVRP”. O principal objetivo da GVRP era desmobilizar o corpo docente às vésperas da campanha salarial.
No melhor estilo neoliberal, a GVRP contemplou com valores de R$ 27 mil e de R$ 30 mil aqueles(as) docentes que ingressaram entre 20/3/2003 e 20/3/2018, enquanto os valores destinados a funcionários(as) técnico-administrativos(as) foram 500% menores (!): R$ 4,5 mil ou R$ 5 mil.
“Missão, Visão, Valores, Objetivos e Metas 2029 para Pró-Reitorias e Gestão”
Pois bem: presentemente a Reitoria da USP cuida de executar algo denominado “Missão, Visão, Valores, Objetivos e Metas 2029 para Pró-Reitorias e Gestão”, cujo nick name é “MVV2029”. De acordo com a Circular 141/2024 do Gabinete do Reitor, encaminhada aos diretores e diretoras de unidades, trata-se de uma “ação” que consiste de seis workshops presenciais a serem realizados no mês de junho próximo nos seis câmpus do interior, “seguindo a política de integração da universidade”.
Vale lembrar que o vocabulário utilizado para nomear essa “ação” da Reitoria tem um indisfarçável viés empresarial. “Missão”, “visão”, “valores”, articulados numa mesma frase com a onipresente palavra “metas”, são jargões surrados do mundo empresarial e de suas peças de marketing. Mas prossigamos.
O objetivo principal do “MVV2029”, informa a circular, é “realizar análise agregativa entre ambientes externo e interno, a partir dos interesses em relação à USP, das recomendações dos avaliadores externos da Avaliação Institucional – Ciclo V e de outros programas da Reitoria, que serão relacionados com as competências da USP”.
Ainda segundo a Circular 141/2024: “Novas propostas de missão, visão e valores da USP serão aplicadas para nortear os trabalhos”. Novas propostas? Por quê? Para que? Os “valores” atuais são insatisfatórios? Para quem? A atual “missão” da USP, seja ela qual for, não atende os elevados anseios da Reitoria? A comunidade universitária foi consultada? As unidades? Não há, no documento emanado do Gabinete do Reitor, sequer indício de respostas para essas perguntas.
“O que vem aí?” é uma pergunta bastante razoável, sabendo-se que, apesar das declarações de respeito ao Co, instância deliberativa máxima da instituição (o que não significa dizer que seja exatamente democrática, dada sua composição), o reitor Carlotti Jr. aqui e ali recorreu a “reuniões de dirigentes” para aprovação de facto de suas propostas de maior impacto, restando ao Co homologá-las.
Talvez um debate amplo e democrático no âmbito do “MVV2029” pudesse superar os problemas apontados. Mas, para surpresa de quase ninguém que esteja familiarizado com os métodos de sucessivas gestões reitorais, não haverá debate nesses moldes. O reitor pede aos diretores e diretoras de unidades que enviem o convite para comparecimento ao evento “aos participantes selecionados da sua unidade (representantes de Congregação, chefes de Departamento e presidentes de Comissões Estatutárias), para confirmação de presença até dia 17/5”.
Portanto, a participação será restrita. Os workshops serão coordenados pelos pró-reitores e pelo reitor. Além disso, os participantes convidados não poderão escolher o workshop que desejarem, cabendo esta definição à Reitoria, e cada convidado será “selecionado para participar de apenas um workshop”.
São as sutilezas da gramática neoliberal da gestão Carlotti Jr.-Nascimento Arruda, que combina bem-aventuranças, como a GVRP, com reajustes salariais medidos a conta-gotas (apesar dos bilhões de reais em caixa); com o abandono da Creche Oeste às intempéries; com o alojamento de meia centena de estudantes em condições precárias no Cepeusp; com a instauração de um PAD contra discentes por razões políticas; e com a realização de eventos pseudodemocráticos à la “MVV2029”.
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