Carreira docente
Justiça acata ação da Adusp e declara “PART” ilegal
A juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, acatou ação civil pública da Adusp contra o “Programa de Atração e Retenção de Talentos” (PART), instituído pela Resolução 7.754/2019 da Reitoria da Universidade de São Paulo, e determinou a suspensão de novas contratações por intermédio do programa, bem como a anulação das contratações realizadas até agora. A magistrada antecipou o julgamento, por considerar que a questão “é exclusivamente de direito e não há necessidade de instrução probatória”. A sentença tem data de 18/1 mas só foi divulgada nesta quinta-feira (18/3). Cabe recurso da Reitoria.
“Entramos com a ação antes de o programa começar, ganhamos a liminar, tinha sustentabilidade jurídica, portanto. Quando a Reitoria derrubou a liminar, sabia que a ação não terminava por ali, que a discussão judicial continuaria e que, evidentemente, os riscos existiam. Mesmo assim ela preferiu correr os riscos e dar seguimento às contratações”, comenta a advogada Lara Lorena Ferreira, do Departamento Jurídico da Adusp. “Aliás, esse risco sempre existiu antes da nossa ação do PART. A própria Procuradoria Geral [PG-USP] já advertira para o risco das contratações temporárias, porque a lei que sustentava essas contratações havia sido julgada inconstitucional”.
Na ação judicial, a Adusp apontou o desrespeito da Reitoria à exigência de realização de concurso público (artigo 37, II da Constituição Federal), a não garantia dos direitos celetistas ou estatutários aos contratados, o desrespeito à possibilidade de enquadramento dos contratados no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) e a precarização das atividades docentes. Também lembrou que a Lei Complementar 1.093/2009, na qual se baseiam as contratações previstas no PART, teve um de seus dispositivos declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ-SP), em decisão proferida na ADI 2003663-93.2018.8.26.0000.
O PART foi criado pela Reitoria em junho de 2019, sob a alegação de “valorizar doutores recém-titulados, de todas as áreas do conhecimento, em suas pesquisas de pós-doutorado, oferecendo-lhes a oportunidade de serem agentes ativos para desenvolver suas competências e habilidades para o ensino de graduação e exercitar sua aptidão para a consecução de projetos de ensino”. No entanto, a suposta valorização esbarrava nas condições de contratação, “como docentes temporários com jornada de trabalho de 8 (oito) horas semanais, na categoria MS3.1, por um período máximo de dois anos, estando incluída neste prazo eventual prorrogação”, o que implica uma remuneração bruta mensal de R$ 1.279,15.
Na sentença, a magistrada observa que as contratações temporárias somente se justificam em caráter excepcional. “De acordo com o artigo 86 do Estatuto da USP e artigo 1º, parágrafo único, inciso VII da Resolução 5.872/2010, a contratação de docentes, por prazo determinado, deve ser realizada em caráter excepcional, para atender necessidades temporárias de interesse científico, acadêmico, cultural e tecnológico da Universidade, in verbis: ‘Artigo 86 – A Universidade poderá, em caráter excepcional, contratar, por prazo determinado, Professor Colaborador, especialista de reconhecidos méritos, portador ou não de titulação universitária.’ Resolução 5.872/2010: ‘Artigo 1º – A contratação de docente por prazo determinado será feita para atender necessidades temporárias de interesse científico, acadêmico, cultural e tecnológico da Universidade.’”
A criação do PART baseou-se na Resolução 5.871/2010, que se apoia na citada lei estadual 1.093/2009. Ocorre que o artigo 1º dessa lei, que disciplina a contratação temporária de excepcional interesse público, foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJ-SP, sendo relator o desembargador Álvaro Passos. E, embora o processo não tenha transitado em julgado, pois foi suspenso “diante da decisão proferida na Reclamação 36.503”, proposta perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a juíza considerou ilegal a lei 1.093/2009, uma vez que “a obrigatoriedade do concurso público (artigo 37, II da Constituição Federal) e o caráter excepcional na contratação de servidores temporários são fundamentos básicos para a atuação lícita da Administração Pública na nomeação e contratação de servidores públicos”.
Ainda segundo a sentença da juíza Simone Casoretti, “para a contratação de servidores públicos, sujeitos ao regime estatutário ou celetista, é necessária a prévia seleção mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, com exceção das nomeações para os cargos em comissão, previstos em lei”. Para os temporários, continua ela, “a contratação é por tempo determinado, somente pode ocorrer para atender necessidade temporária de excepcional interesse público e tal limitação não pode ser ampliada, sob pena de se afastar do objetivo do legislador constituinte, que foi de propiciar a todos que venham atender as exigências legais e editalícias, igualdade de condições no preenchimento dos cargos e empregos públicos mediante aprovação em concurso público”.
A sentença prossegue observando que o STF firmou a tese de que, “nos termos do artigo 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”. Ausente qualquer desses requisitos, é nula a contratação.
No caso do PART, continua a magistrada da 9ª Vara da Fazenda Pública, a contratação de doutores recém-titulados como docentes temporários “fere o disposto no artigo 37, IX da Constituição Federal, visto que além da atividade docente ser essencial, de caráter permanente, tal contratação é dispensável, posto que a ré, conforme seu Estatuto, pode realizar concurso público para o provimento de cargos de docência”. “Não existe excepcionalidade na contratação que tem por finalidade suprir situações previsíveis, de interesse da própria USP, para o desenvolvimento de atividades didáticas. Na verdade, a contratação temporária não pode ter como base qualquer interesse público, mas apenas aquele de natureza excepcional que, diante de uma situação imprevisível e/ou extraordinária, não pode aguardar a realização de um concurso público, diante da urgência na prestação do serviço público”.
No entender da juíza Simone Casoretti, o PART “objetiva burlar a obrigatoriedade do concurso público, porque para incentivar um grupo específico de cientistas, que já desenvolveram suas linhas de pesquisas na Universidade, poderia a USP propor bolsas de docência, sem realizar contratações como professores observando, assim, os ditames constitucionais sobre a excepcionalidade na contratação de servidores temporários”.
Para demonstrar seu entendimento, a magistrada transcreve, na sentença, parte das alegações da USP quanto ao objetivo do PART, como a de que “a finalidade do programa está longe de se resumir a uma contratação pura, simples, rotineira e perene de professores”, uma vez que, “Pelo contrário, o PART visa a valorizar e aproveitar os conhecimentos de um grupo específico e restrito de cientistas que já desenvolvem suas linhas de pesquisa na Universidade os pós-doutorandos oferecendo uma oportunidade de experiência com o ensino de graduandos e pós-graduandos” (destaques conforme a sentença). Em seguida, ela as rebate.
“O desenvolvimento da pesquisa, em diversas áreas de conhecimento, deve sempre ser um dos pilares da Universidade e a interação entre pesquisadores, sem experiência em sala de aula, e alunos, é medida que deve ser observada para o desenvolvimento científico e melhora na graduação”, pondera. “Ocorre que o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação são atividades que podem, sem dúvida, ser realizadas mediante a concessão de bolsa docência ou por professores regularmente admitidos por concurso público, com total respeito ao disposto no art. 37, II e IX da Constituição Federal. Ante o exposto, julgo procedente a ação, nos termos do art. 487, I do CPC, para determinar à ré [a USP] que se abstenha de promover contratações temporárias de docentes por meio do programa instituído pela Resolução 7.754/19 (PART), evitando-se contratações ilegais, bem como para anular aquelas já realizadas sob tal fundamento, conforme postulado”.
Um levantamento realizado pela Adusp em 2020 revelou que é inconsistente a alegação da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP de que um dos objetivos do PART é proporcionar aos contratados “experiência de atuar em sala de aula”. Constatou-se que de166 pós-doutorando(a)s contratado(a)s por intermédio do programa, pelo menos 100 já tinham experiência anterior como docentes em instituições de ensino superior, em alguns casos até mesmo no exterior.
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