A Adusp encaminhou no dia 17 de setembro um ofício à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP no qual solicita “o rápido agendamento de uma reunião com esta Pró-Reitoria para, conjuntamente, avaliar as possibilidades institucionais de encaminhamentos capazes de garantir imediatamente condições dignas e seguras de trabalho” para as professoras Cristiane Soares da Silva Araújo e Claudia Momo, ambas docentes da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) e denunciantes de situações de assédio moral e perseguição em seus departamentos.

O ofício, assinado pelo presidente da Adusp, professor Márcio Moretto Ribeiro, lembra que já se passou um longo tempo desde que as denúncias foram feitas pelas professoras, havendo “insuficiência das medidas administrativas tomadas” a favor delas.

A demora “tem resultado em intenso sofrimento para ambas, obrigadas ou a se afastar do cotidiano institucional — com desdobramentos sobre suas carreiras e pesquisas — ou a conviver com os denunciados, resultando em sua revitimização”, sustenta a Adusp.

A professora Claudia Momo, docente do Departamento de Patologia (VPT), encaminhou as denúncias de assédio à Diretoria da FMVZ no final de 2022 e, em 2025, por contestar o resultado da apuração preliminar realizada na unidade, enviou documentação à PRIP solicitando a reabertura do procedimento.

Em junho, a docente recebeu um e-mail do “SUA”, o Sistema USP de Acolhimento, Registro e Responsabilização para Situações de Assédio, Violência, Discriminações e Outras Violações de Direitos Humanos ocorridas na USP, criado no âmbito da PRIP, informando que havia sido aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o professor denunciado por ela.

Departamento realiza concurso para disciplinas ministradas por docente assediada

Já a professora Cristiane Araújo, docente do Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP) da FMVZ no Câmpus Fernando Costa, em Pirassununga, continua sendo vítima de diferentes formas de assédio na unidade, um ano depois de ter sido punida com uma suspensão de 90 dias, com prejuízo dos vencimentos.

O Laboratório de Pesquisa em Aves, do qual a docente era coordenadora, está fechado, o que impede a realização de pesquisas ou aulas práticas envolvendo o uso de animais. A professora tem utilizado as dependências da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), também no câmpus de Pirassununga.

É na FZEA que a professora tem atuado na pós-graduação com mais liberdade e maior número de orientandos(as). Cristiane Araújo já solicitou transferência de unidade, o que foi condicionado a uma “troca de vaga” entre as duas faculdades. A exigência, na prática, acaba inviabilizando a mudança.

“Depois de todo o processo, todo o contexto em que fui punida, a situação piorou”, disse a docente ao Informativo Adusp Online. “Não há necessidade nenhuma de eu permanecer [na FMVZ]. Acredito que, para a minha saúde mental, minha carreira acadêmica, meu trabalho como pesquisadora, seria muito mais interessante a transferência.”

Para piorar, o VNP realizará na próxima segunda-feira (29 de setembro) um concurso para professor(a) doutor(a). O(a) contratado(a), de acordo com o edital FMVZ no 16/2025, ministrará as disciplinas pelas quais Cristiane Araújo é atualmente responsável no departamento.

De acordo com a professora, nenhuma área de especialidade do VNP possui dois docentes que trabalhem numa mesma disciplina.

Levantamento realizado pela Adusp com base no Portal da Transparência da USP demonstra que a FMVZ tem no momento 84 docentes, 22 a menos do que em 2014, quando a gestão reitoral de M. A. Zago-V. Agopyan deu início à política de restrição de contratações da USP. Há claros docentes que precisam ser cobertos em outras áreas, e é legítimo supor que a escolha pela abertura de um concurso justamente para disciplinas nas quais a professora Cristiane atua configura mais um elemento de assédio contra ela.

Afinal, realizado o concurso e contratado(a) um(a) novo(a) docente para essas disciplinas, que papel sobrará à professora na unidade?

Professora foi punida com suspensão por 90 dias e perda de vencimentos

Os episódios de perseguição, assédio moral e misoginia contra a professora Cristiane Araújo remontam a 2019 e se intensificaram em 2021, como apontou reportagem publicada pelo Informativo Adusp Online em junho do ano passado.

No final de 2023, a pretexto de supostas irregularidades cometidas pela professora na gestão do Laboratório de Pesquisa em Aves, a FMVZ instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra a docente. A comissão processante deliberou pela suspensão por 90 dias, com prejuízo da remuneração.

O processo foi encaminhado à Procuradoria-Geral (PG-USP), que sugeriu que a penalidade mais adequada, pelo princípio de proporcionalidade, seria a suspensão de 30 dias ou a conversão por multa de 50% dos vencimentos por dia, com a docente permanecendo em suas atividades.

A decisão cita fatores como a ausência de regulamentação especifica da utilização dos recursos de excedentes de pesquisa no âmbito do laboratório que a professora coordenava, base das denúncias contra ela, e a inexistência de comprovação de que a docente tenha obtido qualquer tipo de vantagem pessoal.

Vale lembrar que, na esteira do caso envolvendo a professora, o VNP chegou a produzir um formulário que devia ser preenchido para liberação do uso das instalações do Laboratório de Pesquisa em Aves. O formulário solicitava que fossem especificadas claramente “a(s) contrapartida(s) para o LPA-VNP-FMVZ/USP”.

Questionada na época pela reportagem, a FMVZ não respondeu se essas “contrapartidas” se referiam ao repasse de recursos financeiros oriundos dos excedentes de pesquisa, a quem eles seriam destinados e para quais fins.

O parecer da PG-USP, que sugeria uma penalidade menor, não foi acolhido pelo diretor da FMVZ, professor José Antonio Visintin, a quem cabia a decisão final. Em despacho do dia 5 de agosto de 2024, Visintin preferiu acolher a recomendação da Comissão Processante do PAD, determinando a “suspenção [sic] da Professora Cristiane por 90 (noventa) dias”, com prejuízo da sua remuneração.

O caso repercutiu para além dos muros da universidade e foi objeto de reportagem do portal Uol em fevereiro deste ano, intitulada “‘Quem contraria é punido’: professores acusam ‘cúpula’ da USP de retaliação”.

PRIP não se manifesta sobre denúncias

A professora Cristiane Araújo denunciou à PRIP as perseguições que sofreu, ainda antes da criação do “SUA” pela pró-reitoria. Depois de vários meses, a PRIP informou que estava abrindo um processo de apuração preliminar.

O Informativo Adusp Online enviou à pró-reitoria, por meio da Assessoria de Imprensa da Reitoria, vários questionamentos sobre o caso e as eventuais providências adotadas. Os questionamentos não foram respondidos, mas a Assessoria informou que a PRIP responderia ao ofício enviado pela Adusp ainda nesta semana. Contudo, até o início da tarde da sexta-feira (26 de setembro), quando esta reportagem foi concluída, a entidade não havia recebido resposta.

A PRIP foi comandada até recentemente pela professora Ana Lucia Duarte Lanna, que lançou sua candidatura à Reitoria e, conforme determinam as normas do processo eleitoral da USP, afastou-se da função. Ana Lanna foi substituída por sua adjunta, a professora Miriam Debieux Rosa.

Assédio é comum na FMVZ, afirmam estudantes e docentes

A presença de situações cotidianas de assédio na FMVZ é denunciada por docentes e discentes da unidade. Nas reportagens que publicou sobre o assunto, o Informativo Adusp Online registrou as declarações do professor Paulo Rodrigues, docente da USP desde 1997, que afirmou que o assédio moral “é uma ferramenta de gestão administrativa” no VNP.

Já os(as) alunos(as), por meio do Centro Acadêmico Moacyr Rossi Nilsson (CAMRN), divulgaram documento no contexto da greve estudantil do segundo semestre de 2023 no qual caracterizam a unidade como um local em que “a dinâmica de poder deturpada resulta em um ambiente abusivo, em que funcionários e docentes são punidos por expressar as suas opiniões, impedindo feedbacks sobre o ambiente de trabalho mais fortes e proteção das vítimas”. “A falta de medidas efetivas que busquem a solução e redução do assédio moral e abuso de poder são uma realidade da FMVZ”, prossegue o texto do CAMRN.

O VNP vem sendo comandado praticamente por apenas três professores nos últimos 15 anos. Esse “triunvirato” é composto por Francisco Palma Rennó, Marcos Veiga dos Santos e Júlio César Balieiro, atual chefe. Veiga, por sua vez, é vice-diretor da FMVZ e recentemente foi reconduzido ao cargo de representante da Congregação da unidade no Conselho Universitário.

O Informativo Adusp Online encaminhou vários questionamentos por e-mail ao diretor da FMVZ, José Antonio Visintin. Entre eles, perguntou qual é a situação atual do Laboratório de Pesquisa em Aves e se há previsão para a sua reabertura, e qual é a posição da unidade a respeito do pedido de transferência da professora Cristiane para a FZEA.

Quanto ao concurso previsto para o próximo dia 29, a reportagem perguntou por que a unidade resolveu contratar um(a) docente para ministrar as disciplinas atualmente sob responsabilidade da professora e se há outros casos de disciplinas ou áreas da unidade com mais de um docente.

O Informativo Adusp Online perguntou ainda: “O sr. considera que, dado todo o contexto que levou ao PAD, à punição da professora e à atual situação da docente na unidade, a professora Cristiane é vítima de assédio?”.

Até a tarde desta sexta-feira (26 de setembro), o diretor da FMVZ não havia respondido aos questionamentos enviados. Não é um comportamento novo. A Diretoria — responsável por uma instituição pública financiada por dinheiro público — também não atendeu a reportagem do Uol.

Debate sobre assédio precisa estar na pauta das chapas que concorrem à Reitoria

Nas reportagens que publicou a respeito do caso da professora Cristiane, o Informativo Adusp Online lembrou que a qualidade do seu trabalho foi reconhecida até pela comissão para apuração preliminar constituída pela FMVZ, que ressaltou o número de estagiários(as) que passaram pelo laboratório, a relevante produção acadêmica da docente e o recebimento de bolsa de produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Enquanto uma docente com esse perfil é perseguida num departamento em que há apenas três mulheres num quadro de 12 docentes, a estrutura de poder de uma unidade em que denúncias de assédio são frequentes se mantém inalterada, sob o plácido – ou conivente? – olhar da Administração da USP”, dizia a reportagem publicada em fevereiro deste ano.

A observação se torna ainda mais importante quando a universidade se prepara para novas discussões quanto ao seu futuro, suscitadas pelo período eleitoral. As chapas concorrentes podem — e devem — ser instadas a se manifestar sobre até quando a USP permitirá que pessoas sigam sendo assediadas moralmente ao longo de anos, sem que sejam tomadas medidas institucionais efetivas para coibir os abusos e as ações de quem se vale de sua posição de poder para praticar assédio.

EXPRESSO ADUSP


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