Adusp
Professora da FMVZ denuncia assédio moral e perseguição, que levaram a um PAD contra ela; para centro acadêmico da unidade, “dinâmica de poder deturpada resulta em um ambiente abusivo”
A professora Cristiane Soares da Silva Araújo, docente do Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) no Câmpus Fernando Costa, em Pirassununga, sustenta que vem sendo alvo de perseguição, assédio moral e misoginia na unidade. Os episódios ocorrem pelo menos desde 2019, mas se intensificaram a partir de 2021.
A situação chegou ao ápice no final de 2023, quando um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), ainda em andamento, foi instaurado contra a professora, com base em supostas irregularidades atribuídas a ela na gestão do Laboratório de Pesquisa em Aves (LPA), que a docente coordenava desde 2013. Em novembro de 2021, Cristiane Araújo foi destituída da coordenação do laboratório.
Ocorrências de assédio na unidade foram relatadas por docentes que testemunharam no PAD, e os(as) próprios(as) estudantes da FMVZ se manifestaram a respeito da existência de “um ambiente abusivo” na faculdade, como se verá adiante.
Uma característica do VNP é que o departamento vem sendo comandado praticamente por apenas três professores nos últimos 14 anos. Esse “triunvirato” é composto por Francisco Palma Rennó, Marcos Veiga dos Santos e Júlio César Balieiro.
Marcos Veiga, atual vice-diretor da FMVZ, foi chefe do departamento de 2016 a 2020 (já havia ocupado o cargo também de 2006 a 2008) e vice-chefe de 2012 a 2016. Entre outros cargos, também já coordenou a pós-graduação e presidiu a Comissão de Pesquisa e Inovação da unidade.
Rennó, por sua vez, praticamente não sai do comando do VNP desde 2010, quando assumiu como vice-chefe. De 2012 a 2016, foi chefe do departamento, depois vice outra vez de 2018 a 2020 e novamente chefe a partir de 2020, com mandato encerrado recentemente. É o atual vice-presidente do Conselho Gestor do Câmpus de Pirassununga e presidente da Comissão de Pesquisa e Inovação da FMVZ.
Júlio Balieiro tem menor participação no comando do departamento. Entre outros cargos, já foi coordenador de pós-graduação e vice-chefe nas duas recentes gestões de Rennó, e atualmente é o chefe do VNP. Foi ele também que assumiu a coordenação do LPA após a destituição da professora Cristiane Araújo.
Coordenador da PG pediu novo parecer para indeferir credenciamento
O primeiro episódio relatado pela professora se deu em decorrência do resultado da eleição para a Comissão Coordenadora do Programa de Pós-Graduação do VNP na gestão 2018-2020. Na ocasião, a maior parte dos nomes que eram recorrentemente eleitos ficou de fora da comissão.
Em 2019, houve eleição de representantes da categoria de professor(a) doutor(a) para o Conselho Departamental. Os(as) docentes definiram que votariam nos nomes que haviam manifestado interesse em representar a categoria. No entanto, a professora Cristiane e outra docente não foram eleitas.
Na avaliação de Cristiane, o fato de que docentes que sempre integraram a comissão do programa terem ficado de fora levou a atos de retaliação na eleição do Conselho Departamental e fez com que o colegiado ficasse sem representação feminina. Naquela época, o VNP tinha catorze docentes, sendo apenas três mulheres, ou 21,4% do quadro.
Também em 2019, a professora solicitou credenciamento como docente plena, para orientação em nível de doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Produção Animal. O docente parecerista emitiu posição favorável ao credenciamento.
No entanto, Julio Balieiro, então coordenador do programa, solicitou a mudança do parecer para negar o credenciamento. O parecerista não concordou, pois não havia motivo para a alteração.
Balieiro requereu então que Marcos Veiga emitisse novo parecer, indeferindo o pedido. De acordo com a professora, a mudança no parecer se deu com o objetivo de prejudicar a sua carreira.
Resolução da Reitoria estabelece compartilhamento de instalações do câmpus
O que a professora define como seu “pior martírio” teve início no dia 8/11/2021, quando foi chamada para uma reunião por Francisco Rennó, então chefe do departamento. Além dele, também estavam presentes Júlio Balieiro, então vice-chefe, Marcos Veiga, que à época não estava na direção do VNP, e uma secretária.
Cristiane Araújo relata que na reunião foi informada de que o departamento havia recebido “denúncias de irregularidades nas atividades” no LPA, que ela coordenava, sendo-lhe dirigida uma série de perguntas com o objetivo de colocá-la em situação constrangedora.
Embora o teor das supostas denúncias não tenha sido apresentado, Rennó disse que seria necessário que a professora prestasse esclarecimentos sobre os seguintes pontos: ingerência do professor Lúcio Araújo — docente da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), também localizada no câmpus de Pirassununga, e marido de Cristiane — nas atividades do LPA; ingerência de uma aluna sobre as atividades do laboratório; registros de movimentação de animais e balanço financeiro das atividades no LPA; registros das pesquisas desenvolvidas em 2020 e 2021 e previsão de pesquisas a serem desenvolvidas em 2022.
A professora entregou um relatório no curto prazo concedido pela chefia. Duas semanas depois da primeira reunião, em novo encontro na presença do “triunvirato”, no dia 24/11, Cristiane foi informada de que o relatório não seria aceito, entre outras razões, por utilizar como justificativa para o compartilhamento das atividades do laboratório pelo professor Lúcio Araújo a Resolução 4.109, de 1994.
A resolução, assinada pelo então reitor Flávio Fava de Moraes, determina que “a Câmara Climática e o Aviário Experimental serão utilizados pelas duas Unidades, embora incorporados às instalações da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia”. Outras instalações não especificamente citadas na Resolução “continuarão a pertencer à Prefeitura do campus administrativo de Pirassununga, para utilização comum” entre FMVZ e FZEA (grifos nossos).
Em ocasiões posteriores, Rennó disse entender que a Resolução 4.109 já estaria superada pela existência de uma deliberação do Conselho Gestor do Câmpus sobre o assunto.
De fato, um acordo sobre a utilização das dependências teria ocorrido em reunião do Conselho Gestor em 2007, a partir de entendimentos entre os então diretores da FMVZ e da FZEA. Porém, como se sabe, uma deliberação de instância administrativa local não pode se sobrepor a uma resolução do Gabinete do Reitor jamais revogada e, portanto, em plena vigência.
Rennó afirmou ainda que o relatório de Cristiane não apresentava as movimentações financeiras referentes aos experimentos e aos excedentes de pesquisa dos anos de 2020 e 2021 e deixava “transparecer” que as ações no LPA decorriam em função das atividades do professor Lúcio Araújo, da FZEA.
O então chefe do VNP informou que as denúncias seriam encaminhadas à Diretoria da unidade para que fossem tomadas “as devidas providências” e que não haveria outra oportunidade de esclarecer as dúvidas apresentadas por ele, uma vez que o relatório da professora Cristiane não seria aceito. Na ocasião, a docente foi comunicada de seu afastamento da coordenação do LPA.
“Naquele momento eu tinha sido interrogada, julgada e condenada, sem que nada tivesse sido provado e sem que eu tivesse conhecimento do conteúdo das ‘denúncias’ que foram apresentadas”, considera a professora.
Entre as consequências dessa medida, a docente relata o cerceamento ao seu trabalho como pesquisadora. Um dos exemplos disso é o fato de, em dezembro daquele ano, ter enviado um protocolo de pesquisa solicitando que a unidade recebesse uma professora da Universidade de Buenos Aires para o desenvolvimento de um programa de pós-doutorado, sem que tenha obtido resposta da chefia do VNP.
Unidade requereu claro docente para a área da professora
A sensação de que está em andamento um jogo de cartas marcadas em relação à professora Cristiane é reforçada pela solicitação de um claro docente na área de avicultura da unidade.
Reunião da Congregação realizada no último dia 17/4 referendou a solicitação do VNP para reposição de um claro, decorrente da aposentadoria de um professor, para a área de Nutrição Animal e Avicultura. Na justificativa dada pelo departamento para a solicitação, foi utilizada a carga horária de disciplinas que estão sob a responsabilidade da professora Cristiane.
Vale ressaltar que o VNP possui demandas em áreas prioritárias para a formação de médicos(as) veterinários(as) e que não são oferecidas, como a de aquicultura. Já a disciplina de Produção de Búfalos, Caprinos e Ovinos tem a sua prioridade discutida desde 2012, sem que haja docente especialista como responsável.
A recente decisão indicou a necessidade de contratação imediata de mais um(a) docente na área de avicultura, embora nenhuma área de especialidade do departamento possua dois docentes que trabalhem numa mesma disciplina.
Desde a transferência da gestão do LPA para Júlio Balieiro, a professora Cristiane tem tido dificuldades para ministrar aulas práticas no curso de Medicina Veterinária da FMVZ, uma vez que só pode ter acesso às instalações após solicitar autorização a ele.
Além disso, diz a docente, há poucos animais disponíveis para as aulas, às vezes nenhum, e os entraves para a aquisição de alimentação para as aves têm prejudicado a formação dos(as) alunos(as) de graduação nessa área.
A professora relata ainda que as instalações do LPA se encontram praticamente vazias, o que prejudica o desenvolvimento das suas pesquisas e o oferecimento de estágios, atividades didáticas complementares e práticas profissionalizantes.
Outro episódio que demonstra o tratamento persecutório dispensado à docente ocorreu em fevereiro de 2022. Logo no início de suas férias, Cristiane recebeu um e-mail de Balieiro comunicando que ele passaria a ocupar a sala de alunos do Laboratório de Avicultura. Cristiane questionou a legalidade daquela mudança e se ela havia sido debatida no Conselho Departamental. Balieiro respondeu que havia decidido realizar a mudança em conversa com Rennó, então chefe do departamento, para que ficasse mais próximo do LPA.
A professora solicitou a Balieiro que aguardasse o seu retorno das férias para que retirasse equipamentos e materiais, mas o novo coordenador do LPA respondeu que havia necessidade urgente de utilizar o espaço.
De acordo com Cristiane, desde então a sala permanece praticamente sem utilização. “O principal objetivo [da medida] era a expulsão de estagiários, pós-graduandos e pessoas em prática profissionalizante que utilizavam aquele espaço como sala de estudos”, afirma.
Comissão de Ética da USP apontou elementos de assédio e sugeriu sindicância
Desde a reunião para a qual foi convocada no final de 2021, a professora tem tido a sua vida pessoal e profissional totalmente exposta no câmpus de Pirassununga e também perante a comunidade científica, já que vem sendo impedida de desenvolver adequadamente suas atividades, antes mesmo de ter tido a oportunidade de apresentar a sua defesa e do processo contra ela ser concluído.
Em fevereiro de 2022, Cristiane Araújo encaminhou à Ouvidoria da USP uma denúncia contra os professores Francisco Rennó, Júlio Balieiro e Marcos Veiga, na qual detalha os episódios de assédio moral aos quais foi submetida no ambiente de trabalho.
A Ouvidoria encaminhou o material à Comissão de Ética da USP, que concluiu, em parecer emitido em fevereiro de 2023, um ano depois do envio da denúncia, que pelo “conjunto de ocorrências” podia-se “inferir algum tipo de assédio dos professores titulares sobre ela, bem mais jovem e mulher”.
“Em vista dos fatos”, prossegue o parecer, “há elementos que embasariam um assédio sistemático dos professores titulares sobre uma professora doutora em movimentos que parecem cercear o crescimento profissional da mesma”.
Porém, prossegue a Comissão de Ética, a professora “falha em documentar corretamente sua gestão frente ao laboratório que é compartilhado entre a FMVZ e a FZEA, e que este ainda conta com forte atuação de seu marido, Prof. Titular Lúcio Francelino Araújo, da FZEA, na gestão e solicitação de serviços sobre os servidores da FMVZ, fato que aumenta as tensões entre os dois lados”.
O parecer sugere a abertura de uma sindicância pela Diretoria da FMVZ para a apuração dos fatos, afirmando que a inexistência de denúncia configura “a ação da Chefia como um assédio sobre a professora”. “Na confirmação da denúncia, e na apuração dos fatos, poderá ser verificada a legitimidade das ações tomadas pela denunciante”, prossegue o parecer.
Docente só teve acesso ao conteúdo das denúncias depois de mais de um ano e meio
Em setembro de 2022, a professora foi convocada a prestar esclarecimentos perante uma Comissão de Apuração Preliminar formada na unidade. A convocação ocorreu apenas dois dias antes da oitiva. Cristiane ainda não tinha conhecimento do teor das denúncias formuladas contra ela e relata que em vários momentos “os questionamentos foram totalmente parciais e tendenciosos, de forma a me pressionar para que eu confessasse algo que não tinha praticado”.
Um ano depois, em agosto de 2023, a professora recebeu a citação para comparecer perante a Comissão Processante, já no âmbito da tramitação do PAD instaurado contra ela. Só então, vinte meses depois do encaminhamento inicial das denúncias de supostas irregularidades feitas por funcionários do LPA, a docente teve conhecimento de quem eram os denunciantes e de quais eram as suas alegações.
“Desde o início deste processo nunca tive acesso, até agosto de 2023, às acusações que me foram feitas. Além disso, tem sido dado continuidade a um processo de perseguição, misoginia e de abuso moral por aqueles que deveriam dar o exemplo de administração e de relacionamento com os seus liderados”, diz a professora.
“Durante todo este período, minha saúde mental foi comprometida, pois houve a necessidade de acompanhamento psiquiátrico e uso constante de medicações que me auxiliassem a suportar o ambiente degradante de trabalho, afetando até mesmo a minha vida pessoal e familiar. Tenho me sentido perseguida, desestimulada e desmotivada de exercer o meu trabalho de forma adequada, em função de tudo o que tenho vivido”, afirma.
Comissão de Apuração destaca qualidade acadêmica de Cristiane e Lúcio
O relatório da Comissão para Apuração Preliminar constituída na FMVZ destaca a qualidade acadêmica do trabalho da professora Cristiane e do professor Lúcio. O texto conclui que “o número de estagiários sob supervisão” da professora Cristiane “é expressivo, pois 64 estagiários frequentaram o setor entre 2018 e 2021”. O relatório aponta que a produção científica de Cristiane e Lúcio é relevante, e que “outro indicador de qualificação dos docentes” é o fato de que ambos foram contemplados com bolsas de produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Cristiane e Lúcio “possuem produção científica relevante e desempenham papel meritório na formação de recursos humanos na USP”, prossegue o relatório.
“A liderança em pesquisa no LPA é exercida por Lúcio Francelino Araújo, porque Cristiane Soares da Silva Araújo desempenha, eminentemente, o papel de coautora de Lúcio Francelino Araújo em artigos científicos e coordena a minoria dos projetos lá desenvolvidos. Assim, resta claro que, no âmbito acadêmico, o LPA vem contribuindo tanto para o desempenho do docente da FZEA-USP quando da docente do FMVZ-USP, proporcionando-lhes adequado campo de trabalho, o que é refletido pelo fato de ambos serem outorgados [sic] com bolsa de produtividade em pesquisa pelo CNPq”, diz o documento.
Docente fala em assédio moral como “ferramenta de gestão” no departamento
O assédio moral “é uma ferramenta de gestão administrativa” no VNP, diz o professor Paulo Rodrigues, docente da USP desde 1997. Acrescenta: “Temos inúmeros casos de professores e servidores muito pressionados, e o fato é que existe despreparo profissional de nossos gestores, apesar do enorme esforço da universidade de enfrentar o problema do assédio”.
Algumas gestões da Diretoria da FMVZ deixaram de tomar providências em relação às questões referentes ao assédio nos vários departamentos da unidade, e com isso os problemas só se agravam, disse Rodrigues ao Informativo Adusp Online. O docente foi testemunha de defesa da professora Cristiane no PAD.
No seu caso, relata o professor, as perseguições começaram a se dar no ano de 2007, quando se manifestou em defesa de uma docente que vinha sendo “humilhada e passando por todo tipo de constrangimento”. A professora, afirma, desenvolveu síndrome do pânico e se aposentou assim que possível. “Como comecei a me envolver com a defesa de pessoas que eram assediadas e perseguidas, eles viraram as baterias na minha direção”, diz.
Rodrigues assinala que os episódios de assédio podem se dar até em reuniões — por exemplo, um(a) docente que está lendo determinadas normas para construir um argumento pode ser interrompido(a) com comentários do tipo: “Você está lendo. Mas você sabe ler?”.
A consequência, explica, é que tanto no seu departamento como em outros esse tipo de prática tem afetado psicologicamente os docentes. “Isso obviamente prejudica as aulas e os estudantes já se manifestaram, exigindo que a faculdade tomasse providências para punir os assediadores”, diz.
O professor Rodrigues também menciona a existência de pressões para a cessão de “contrapartidas” pelo uso de laboratórios ou realização de projetos, o que considera “aético, uma vez que os laboratórios geridos no âmbito do VNP são construídos com recursos públicos externos ao departamento”. Ele deixou de fazer parcerias com a iniciativa privada em projetos de pesquisa científica, conta, devido ao que qualifica de avidez pelas “contrapartidas” no departamento.
Paulo Rodrigues considera que a principal forma de punição de docentes não alinhados(as) às práticas estabelecidas pelo grupo que controla o departamento é privá-los(as) de ferramentas de trabalho essenciais para o ensino, a pesquisa e a extensão.
Um episódio ocorrido há dez anos ilustra as declarações de Rodrigues sobre as perseguições e represálias no VNP. Em 2014, um caso denunciado pelo professor foi noticiado pelo jornalista Maurício Tuffani na Folha de S. Paulo. No ano anterior, o docente havia comunicado à Comissão de Ética da USP que sofria retaliações por ter colaborado na denúncia de uma fraude científica. Rodrigues afirmou que Rennó, então chefe do departamento, estaria ameaçando destituí-lo da coordenação do Laboratório de Nutrição Animal e Bromatologia, função que Rodrigues de fato deixou em novembro de 2014.
A fraude que Rodrigues ajudou a denunciar, ao lado de um grupo de professores da Universidade Federal do Tocantins, envolvia um pós-doutorando que se intitulava coautor de artigos científicos de cuja elaboração não havia de fato participado, e que era supervisionado por Francisco Rennó. A Comissão de Ética da USP comprovou a fraude e a comunicou à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que por sua vez concluiu que “a ocorrência dos fatos alegados é inquestionável”. O pós-doutorando sofreu consequências, mas respingaram retaliações para Paulo Rodrigues.
Testemunha da defesa se declara perseguida e assediada
Outra testemunha da defesa da professora Cristiane no PAD relatou, no processo, episódios que classifica como assédio e perseguição.
Uma das razões para essa situação tem a ver com um e-mail recebido de Rennó no último dia 4/1. No texto, o então chefe do VNP pede informações sobre os valores a serem recolhidos para a FMVZ por conta de “renda industrial resultante de atividades com pesquisas com animais”.
Rennó informa que “em breve” será finalizada e publicada a portaria “que regulamentará, de forma definitiva, a questão” — no caso, a destinação desses valores. A portaria à qual o professor se refere, ainda não publicada, “disciplina o recolhimento de recursos de excedentes de pesquisa” dos laboratórios do VNP.
No e-mail, Rennó cita as atribuições que cabem ao chefe de departamento, conforme o artigo 46 do Regimento Geral da USP, para justificar suas atitudes. “Desta forma, não é necessária nenhuma portaria para que a Chefia do Departamento questione docentes sobre quaisquer informações relativas a atividades nas dependências do Departamento, a qualquer tempo”, escreveu Rennó no e-mail.
Prossegue o então chefe: “Ainda, caso as informações solicitadas não sejam de pronto atendidas, existem diversos instrumentos na Universidade que dão amparo e força a esta solicitação. Veja o ocorrido no Laboratório de Pesquisa em Aves” (grifo nosso), diz Rennó na mensagem, numa frase que pode ser interpretada como um aviso ou advertência de que sanções como as aplicadas à professora Cristiane podem ser dirigidas a qualquer docente do departamento.
Formulário pede discriminação das “contrapartidas”
O VNP também produziu um formulário que deve ser preenchido para o uso das instalações do Laboratório de Pesquisa em Aves. O formulário solicita, no item 4.5, que devem ser especificadas claramente “a(s) contrapartida(s) para o LPA-VNP-FMVZ/USP”. Não fica claro se essas “contrapartidas” se referem ao repasse de recursos financeiros oriundos dos excedentes de pesquisa, a quem elas seriam destinadas e para quais fins.
O Informativo Adusp Online solicitou entrevista ao professor Rennó. O docente chegou a agendar uma conversa por videoconferência, mas desmarcou-a no dia combinado, alegando necessidade de fazer uma consulta médica. A seu pedido, a reportagem enviou então as perguntas por e-mail, mas o professor não as respondeu.
Entre as questões enviadas, o Informativo Adusp Online perguntou:
“- O que é/são exatamente essa(s) ‘contrapartida(s)’?
– Em caso de não haver ‘contrapartida(s)’, o uso das instalações pode não ser liberado?
– Qual é o fundamento legal que o departamento está utilizando para estabelecer a requisição dessa(s) ‘contrapartida(s)’?”
A reportagem questionou ainda qual era a justificativa para o afastamento da professora Cristiane da coordenação do LPA.
Outra pergunta encaminhada diz respeito ao entendimento do professor sobre a vigência da Resolução 4.109/1994, que dispõe sobre o uso compartilhado das instalações do câmpus de Pirassununga.
O Informativo Adusp Online também enviou por e-mail perguntas sobre os temas abordados nesta reportagem ao atual chefe do VNP, Júlio Balieiro, que não respondeu à mensagem.
Em documento, Centro Acadêmico denuncia “ambiente abusivo” na FMVZ
A presença de situações cotidianas de assédio na FMVZ é sentida e também denunciada pelo corpo discente. Em documento encaminhado aos e às docentes, funcionários(as) e estudantes no contexto da greve estudantil do segundo semestre de 2023, o Centro Acadêmico Moacyr Rossi Nilsson (CAMRN) caracteriza a unidade como um local em que “a dinâmica de poder deturpada resulta em um ambiente abusivo, em que funcionários e docentes são punidos por expressar as suas opiniões, impedindo feedbacks sobre o ambiente de trabalho mais fortes e proteção das vítimas”.
O documento apresenta uma série de reivindicações, cujo atendimento os(as) estudantes consideram importante para preservar a qualidade da escola.
O ponto 8 do texto, intitulado “Discussão e fim da impunidade ao assédio moral e o abuso de poder”, é dedicado especificamente à questão do assédio.
Na avaliação do CAMRN, o ambiente em que atuam os(as) médicos(as) veterinários(as) é marcado por “forte hierarquização devido à origem elitizada e latifundiária”, com falta de equilíbrio de poder no local de trabalho e a existência de “questões que envolvem machismo e misoginia”. O documento ressalta que não se refere a nenhum caso específico na unidade, mas à “presença cotidiana deste tipo de comportamento no ambiente da FMVZ”, com base “em experiências compartilhadas por estudantes”.
“Entendemos que as situações apresentadas ocorrem com alunos, docentes e funcionários. A falta de medidas efetivas que busquem a solução e redução do assédio moral e abuso de poder são uma realidade da FMVZ”, prossegue o texto. O CAMRN defende que sejam tomadas medidas “com o objetivo de proteger as vítimas, sua saúde mental e permanência estudantil”.
Meses depois da greve estudantil, Diretoria da FMVZ não tomou providências
Em nota enviada ao Informativo Adusp Online, o CAMRN disse que “até o momento não houve nenhuma medida tomada pela Diretoria da unidade ou por chefes de departamento” em relação às reivindicações apresentadas. As únicas iniciativas que chegaram à unidade estão relacionadas a uma campanha contra o assédio lançada no ano passado pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).
O centro acadêmico “observa que seria necessário mudar questões estruturais com a realização de protocolos eficazes nos casos que ocorram, priorizando a proteção da vítima e não do agressor”, além de “treinamento atualizado e possivelmente a construção de um RH com pessoal treinado, presença de profissionais psicólogos/psiquiatras que não possuam vínculo de docente na unidade”.
“Lembrando do histórico de violências que ocorreram na FMVZ, julgamos muito importante ressaltar a ineficiência da unidade em lidar com situações de violência sexual e moral, permitindo por diversas vezes que o agressor tivesse acesso à vítima ou [que esta tivesse] a necessidade de conviver por anos em sua presença, por muitas vezes sofrendo retaliação social (tanto em casos de funcionários, [como de] docentes e alunos)”, diz a entidade estudantil. “Portanto, julgamos de extrema importância reivindicar medidas que modifiquem a realidade atual que silencia as vítimas de assédio moral e sexual na FMVZ”.
O diretor da FMVZ, José Antonio Visintin, por sua vez, parece frequentar espaço diferente daquele dos(as) estudantes. Ao Informativo Adusp Online, o professor respondeu que não sabe se manifestar sobre a realidade descrita pelo documento do CAMRN “porque não recebi nenhuma denúncia por escrito de ninguém: alunos, funcionários ou docentes”.
“Temos uma Ouvidoria na FMVZ e temos a CIP [Comissão de Inclusão e Pertencimento]. Tudo o que recebo, imediatamente envio para a PG [Procuradoria-Geral da USP] para ver qual o passo a ser tomado”, prossegue.
“Temos comissões em andamento na FMVZ, inclusive uma de assédio sexual de um pós-graduando (ainda não temos resultados das apurações). Então é padrão na FMVZ, recebe a denúncia, imediatamente vai para a PG e depois implantam as comissões de sindicância ou PAD, independente [sic] de quem seja”, concluiu Visintin, em respostas enviadas por e-mail.
Também questionados pelo Informativo Adusp Online sobre o documento do CAMRN, o atual e o ex-chefe do VNP não se manifestaram.
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- Reitoria pretende reeditar Estatuto do Docente, para subordinar CERT à Comissão Permanente de Avaliação; instituir nova instância avaliatória do regime probatório, a “CoED”; e ampliar de 6 para 18 o repertório de perfis docentes
- Confira aqui a nova vitória da Adusp no TJ-SP contra a tese da Reitoria de “prescrição” da ação da URV, e outros andamentos recentes do caso
- A continuidade do desmonte do HU¹
- Contratada sem licitação em 2022 por R$ 309 milhões, para gerir HC de Bauru (ex-HRAC) por cinco anos, a Faepa já recebeu total de R$ 592 milhões graças a nove aditamentos
- “Fui aprovado por unanimidade, mas meu nome está sendo veiculado de forma negativa, como se eu tivesse interferido na constituição da banca”, diz prefeito do câmpus de Piracicaba, que repele acusação de favorecimento em concurso de titular