Universidade
Processo disciplinar que ameaça expulsar cinco estudantes da USP terá oitivas de testemunhas de defesa e de acusação nos dias 13 e 14 de novembro
Pró-Reitoria de Graduação acusa de “antissemitismo” e “discurso de ódio” três discentes do curso de Ciências Moleculares e dois de grupo pró Palestina
O processo administrativo disciplinar (PAD) que a Reitoria da USP instaurou em novembro de 2023 contra três estudantes do Curso de Ciências Moleculares (CCM) e dois de outros cursos, por suposto “antissemitismo” e “discurso de ódio”, parece aproximar-se agora da etapa final: as oitivas de testemunhas de acusação serão realizadas no próximo dia 13 de novembro e as de defesa no dia seguinte. Depois disso está prevista a apresentação das alegações finais e, finalmente, a elaboração e aprovação do parecer da Comissão Processante.
Como revelado em primeira mão pelo Informativo Adusp Online, os discentes processados estão sujeitos à expulsão com base nos artigos 249 e 250 do Regimento Geral da USP, “por fala-denúncia acerca do genocídio do povo palestino”, segundo grupo de apoiadores(as). Esses dispositivos regimentais são considerados inconstitucionais, porque foram elaborados durante a Ditadura Militar, como denunciado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) “Alexandre Vannucchi Leme” nas cerimônias do projeto “Diplomação da Resistência”, como a realizada no Instituto de Psicologia (IP) em homenagem a Aurora Furtado, no dia 30 de outubro último.
Na interpretação de quem apoia o grupo processado, o PAD resulta não apenas do viés pró-Israel da coordenação do CCM, mas também da intenção de retaliar a greve discente de 2023. “Em setembro de 2023, iniciou-se uma greve geral estudantil na USP que perdurou até outubro. Neste contexto de greve, as relações entre as direções de unidades e seus respectivos estudantes estavam bastante desgastadas e, em especial no curso de Ciências Moleculares (CCM) que nunca tinha entrado em greve, havia grande pressão para a volta às atividades acadêmicas”, explicam em documento encaminhado ao Informativo Adusp Online.
“Na virada de setembro para outubro no CCM, já havia sido assinado um acordo de não-punição entre a coordenação e o comando de greve aos estudantes grevistas como termo essencial para início da negociação para o fim da paralisação naquele local. As negociações para o fim da greve encaminhavam-se para um encerramento em que muitas das demandas dos estudantes do curso seriam cedidas pela direção”, prosseguem.
Porém, após 7 de outubro, o ataque do Hamas e a retaliação praticada por Israel ao bombardear Gaza repercutiram no CCM, dividindo o curso. Um estudante pediu doações para o Exército de Israel, causando agitação porque outros colegas avaliaram ser absurda aquela iniciativa.
“Em vista da repercussão negativa causada na comunidade acadêmica pelo pedido de doação”, o Centro Acadêmico Favo 22 “decidiu convidar para a assembleia já agendada para o mesmo dia um estudante do núcleo de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP-USP) para contextualizar os recentes desenvolvimentos do conflito na região da Palestina e abrir a discussão em um espaço de assembleia em que pudessem ser contrapostas as diferentes ideias”. Segundo o relato, não houve “demonstração de qualquer natureza de desconforto”.
Como se tratava de uma assembleia de greve, essa pauta foi encerrada e passou-se a outras discussões. “Posteriormente à assembleia, mediante disponibilização aos estudantes da ata, estudantes que não estavam presentes neste espaço de discussão começaram a taxar o conteúdo da fala como ‘antissemita’, simplesmente por fazer oposição ao estado de Israel”, continua. “A ata foi vazada para portais de extrema-direita da universidade (‘USP Liberal’) e fora dela (‘Choquei Ancap’ no Twitter, conta já excluída). Como resultado, vários estudantes ligados ao centro acadêmico começaram a receber ameaças em suas redes sociais e estudantes não envolvidos passaram a ser influenciados pela leitura distorcida desses portais”.
Caso real de antissemitismo envolveu difusão de suásticas, sem gerar PAD
Em algum momento, a ata chegou à coordenação do CCM. “Apesar de ter recebido essas denúncias prontamente, a coordenação só revelou que tinha ciência desse documento durante a última reunião de negociação da greve, quando alegou estar surpresa com a revelação de última hora e implodiu a negociação sob justificativa de que ‘não dialoga com antissemitas’. Dois anos antes, um caso real de antissemitismo, que envolveu a circulação de adesivos com suásticas nazistas e piadas com pessoas judias em um grupo de WhatsApp do curso, não motivou a coordenação do curso a fazer nada mais que marcar com os responsáveis uma conversa”, explica o documento.
Na visão dos autores, a “assimetria nas medidas de repressão e uso da ata para a implosão da negociação evidenciam o propósito político de instrumentalização deste documento para perseguição política de estudantes”, disso resultando o PAD. O documento de apoio aos alunos processados nomeia os autores da denúncia que deu ensejo ao PAD, que são docentes do CCM: Merari de Fátima Ramires Ferrari, coordenadora do curso; Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação; e Alice Kowaltowski.
Como o CCM é um curso oferecido diretamente pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG), o pedido de punição foi encaminhado aos seus dirigentes. O pró-reitor adjunto de graduação da USP, Marcos Garcia Neira, então no exercício do cargo de pró-reitor, aceitou a denúncia e, em 30 de novembro de 2023, determinou a instauração do PAD, que explicita possíveis penas de suspensão ou até mesmo de expulsão da universidade — “eliminação definitiva”, como define o artigo 249, inciso IV, do Regimento Geral ainda vigente, “nos casos em que for demonstrado, por meio de inquérito, ter o aluno praticado falta considerada grave”.
De acordo com o documento formulado pelo grupo de apoio, os cinco processados respondem às seguintes acusações: “redação de ata” da assembleia em que se fez o pronunciamento em defesa do povo palestino; “convite” ao núcleo de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino para participar da assembleia; suposta “promoção de discurso de ódio”.
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