Defesa da Universidade
Após um ano e meio, Creche Oeste segue fechada apesar de sucessivas derrotas judiciais da Reitoria
foto: Facebook Ocupação Creche Aberta
A Creche Oeste encontra-se fechada desde 16 de janeiro de 2017, data em que a Reitoria surpreendeu funcionários, pais e alunos ao anunciar que a creche seria desativada e unificada com a Creche Central. Desde então, a Creche Oeste foi ocupada por membros da comunidade USP, que organizaram a “Ocupação Creche Aberta”, passando a oferecer almoços e eventos culturais para protestar contra a atitude do então reitor M. A. Zago, que persiste durante a gestão de Vahan Agopyan.
Após a ocupação, a Reitoria prontamente procurou conseguir um mandado de reintegração de posse, que chegou a ser expedido em março de 2017 pelo juiz Danilo Mansano Barioni, da 1ª Vara de Fazenda Pública. Todavia, a reintegração foi suspensa pelo desembargador Marcos Pimentel Tamassia, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJ-SP), que determinou a realização de uma audiência de conciliação.
Realizada em 20/4/2017, a audiência colocou frente a frente procuradores da USP e membros da Associação de Pais e Funcionários da Creche Oeste (APEF), com a participação também de representantes da Defensoria Pública do Estado (DPE) e do Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público Estadual (Geduc). A audiência foi desastrosa para a USP, porque seus representantes não conseguiram explicar as razões da repentina decisão de desativar o local. Ao final, o próprio juiz Barioni, que expedira o mandado, mudou seu entendimento e negou o pedido de reintegração.
Ao que parece, o magistrado da 1ª Vara de Fazenda Pública surpreendeu-se com a conduta irresponsável da Reitoria: “Levando em conta o que foi dito ao longo dessas duas horas e meia de audiência […] mesmo mantendo o entendimento de que favorável à autora [USP] a questão possessória, o fechamento da Creche Oeste ocorreu de forma inexplicavelmente abrupta, sem o mínimo planejamento e sem dimensionamento de eventual comprometimento da estrutura montada no imóvel, específica e complexa, voltada ao atendimento de menores. Mais que isso, ficou claro que não existe qualquer planejamento relacionado ao destino do imóvel”.
Continuou o juiz ao avaliar a audiência: “Em simples resumo, a autora não tem o que fazer com o imóvel, ou ao menos isto não comprovou. Nesse quadro, a retomada não é urgente, não porque esbulho não há, mas porque sua imediata debelação implicaria mais prejuízo do que a manutenção do estado de coisas como hoje se apresenta. Fica desta maneira, até ulterior deliberação, suspensa a medida liminar [de reintegração de posse]”.
No momento o processo de reintegração de posse na 1ª Vara de Fazenda Pública encontra-se suspenso, à espera de que transite em julgado outro processo, que tramita na 11ª Vara de Fazenda Pública, no qual a USP é ré e já sofreu sucessivas derrotas, mas vem conseguindo adiar decisão de primeira instância que lhe foi totalmente desfavorável.
foto: Facebook Ocupação Creche Aberta |
Atividade de dança organizada pela Ocupação Creche Aberta |
Vitorioso mandado de segurança da APEF
Já no dia seguinte à desativação da Creche Oeste, a APEF impetrara um mandado de segurança contra a USP, com pedido de liminar, por abuso de poder. Em março de 2017, o juiz Kenichi Koyama, da 11ª Vara de Fazenda Pública, suspendeu a decisão da Reitoria e fixou prazo de 40 dias úteis para a reabertura da Creche Oeste. Koyama também determinou multa diária de R$ 1 mil à USP caso a medida não fosse cumprida, podendo chegar ao valor de R$ 1 milhão. Desde então, a Procuradoria Geral da USP (PG) tem apresentado sucessivos recursos, que embora sistematicamente derrotados, tiveram o condão de protelar o cumprimento da determinação judicial.
Juridicamente, pesa contra a Reitoria a votação do Conselho Universitário (Co) de 8/11/2016, que decidiu pelo preenchimento das vagas ociosas das creches. Em junho de 2017, o desembargador Jeferson Moreira de Carvalho, da 9ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, decidiu negar um agravo de instrumento da universidade. “Não é demais deixar consignado que a manutenção das creches não é a atividade fim da Universidade, no entanto se as creches são criadas e mantidas, cabe ao Reitor em seus atos de administração cumprir as determinações do Conselho, que ao que parece nessa fase processual não aconteceu”, escreveu o relator.
Frente à decisão do desembargador, a USP interpôs um embargo de declaração, isto é: apresentou um recurso visando esclarecer a sentença. Os procuradores da universidade alegam que a Reitoria não ignorou a decisão do Co, “pois na decisão do Conselho Universitário está presente a locução ‘no limite da capacidade’”. Os procuradores tentam ainda justificar o fechamento como decorrência do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), uma vez que após seu encerramento, com a saída e consequente redução do número de funcionários das creches, “resultou o universo de crianças que se poderia atender, passando-se então à nova seleção feita no início do ano” (primeiro se demite à vontade, depois se calcula quantas crianças será possível atender com os funcionários que restaram!) O embargo da USP, no entanto, foi rejeitado pelo desembargador Moreira de Carvalho em agosto de 2017.
Em 11 de dezembro de 2017, o juiz Kenichi Koyama reafirmou sua decisão inicial. “O vetor do Conselho Universitário poderia ter sido burlado através da realocação recentemente decidida. Com base nisso, apesar da distinção formal entre extinção e realocação, a interpretação pragmática da decisão administrativa não deixa de abrir fresta ao esvaziamento da Creche Oeste, e com isso, fazer vala rasa do órgão, e da necessidade de preenchimento das vagas ociosas”, escreveu Koyama. “Diante disso, há probabilidade de que a decisão administrativa — consciente ou inconscientemente ― se revista de um rótulo que oculta seu verdadeiro conteúdo”.
Mais uma vez, a USP tentou fugir da sentença apresentando outro embargo de declaração, apontando supostos vícios e obscuridades na decisão de Koyama e, de novo, justificando o fechamento da creche como uma decisão causada pela “redução de funcionários”.
A APEF, por sua vez, apresentou suas contrarrazões à apelação da USP. “O início do desmonte das creches se dá a partir de 2016, nos anos de gestão do reitor Marco Antonio Zago. Seu argumento é de que a falta de servidores específicos impediria o preenchimento das vagas das creches, tendo em vista a suspensão das contratações por parte do Conselho Universitário desde fevereiro de 2014”, discorreram os advogados da associação, Cristiano Buoniconti Camargo e Fernanda Elias Zaccareli Salgueiro. “A Apelante [USP] parece ignorar que foi o próprio Conselho Universitário quem, em data posterior, ordenou a adoção das medidas necessárias para o preenchimento das vagas, dotando o reitor de verba orçamentária para tal fim”.
Assim, prosseguiram, “a extinção da unidade Creche Oeste jamais foi levada para votação no Conselho Universitário, a despeito das constantes manifestações de conselheiros que em todas [as] reuniões cobravam explicações da Reitoria sobre esse fechamento velado, que foi levado a cabo disfarçado de ‘mera otimização de espaços’”. O reitor M.A. Zago nunca disfarçou a sua intenção de extinguir definitivamente as creches da USP, explicaram, mas sem apoio suficiente no Conselho Universitário operou no sentido de que seus funcionários e educadores pedissem transferência para outras unidades. “O Poder Judiciário não pode se curvar a tais tipos de atos que são direcionados para descumprir uma decisão judicial e fazer letra morta as suas determinações”.
Razões de apelação da PG-USP beiram o cinismo
A última apelação da USP, que data de 24/4/2018, ainda não foi julgada. Enquanto isso, os equipamentos em ótimo estado da Creche Oeste encontram-se sem uso, ao mesmo tempo em que a PG-USP alega absurdamente que o mal estado estrutural do local é um dos motivos para seu fechamento. Apesar de várias decisões judiciais em seu desfavor, a Reitoria ainda opera seus planos de desmonte e sucateamento, reforçando a linha de continuidade entre a gestão anterior e a atual.
“Primeiramente, cumpre destacar que a Apelante vem operando de forma transversa ações para que a sentença torne-se impossível de ser cumprida, oferecendo benefícios aos antigos funcionários da Creche Oeste caso optem por transferência interna para outras áreas da Universidade”, reiteram os advogados da APEF na contestação à apelação da USP. “O Poder Judiciário não pode se curvar a este tipo de abuso de poder”, insistem, “devendo reprimir de forma enfática este tipo de ações direcionadas a afrontar as decisões judiciais tomadas. Destaca-se o fato de que a liminar concedida no bojo do processo vem sendo solenemente descumprida pela Apelante”.
Neste último recurso, a PG-USP apresenta preliminar de “nulidade”, alegando “ausência de intimação” do reitor, que não teria sido “formalmente notificado”. Alega ainda que não foram observados os princípios da “ampla defesa e do contraditório”. No mérito, suas alegações beiram o cinismo, ao reiterar que, como o PIDV reduziu o quadro de funcionários das creches, a unificação da Creche Oeste com a Creche Central mostrou-se imperiosa, bem como ao afirmar que os equipamentos necessitam de caras reformas, que ademais impediriam a imediata reabertura.
Apresentou, assim, quadros que “demonstram” que “o número de professores das Creches Central e Oeste diminuiu de 73 (setenta e três) em 2014 para 46 (quarenta e seis) em 2017, o que equivale a uma redução de 37%”. (Note-se que a USP jamais reconheceu que os educadores das creches são “professores”, portanto essa nomenclatura aparece agora, convenientemente, para reforçar suas alegações de defesa no processo.) “Em relação ao número total de servidores das duas creches, houve diminuição de 110 (cento e dez) em 2014 para 71 (setenta e um) em 2014, o que equivale a uma redução de 35,5%. Por sua vez, o número de crianças atendidas na Cidade Universitária, no mesmo período (2014-2017), caiu de 267 para 170, ou seja, 36,3%, porcentagem equivalente, portanto, à da diminuição do total de servidores e de professores”.
Assim, concluem os procuradores da USP, “as creches em questão estão funcionando com uma grande restrição no número de servidores, sendo uma medida racional e eficiente a unificação espacial das duas creches”. Uma inversão completa dos termos da equação, como se a redução do quadro de funcionários não fosse decorrente de medidas tomadas pela Reitoria e como se fosse algo dado, determinante, a sobrepor-se à obrigação da administração de manter as creches, tanto por suas finalidades de extensão como de ensino e pesquisa. Confira aqui a íntegra do processo em curso na 11a Vara da Fazenda Pública.
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