Em correspondência eletrônica enviada na última sexta-feira (24/1) aos docentes da USP, o pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Accioly Canuto, defende a manutenção do Programa de Atração e Retenção de Talentos (PART) e diz que a universidade irá recorrer da decisão judicial que impede a contratação de docentes pelo programa.

A liminar que determina que a USP não faça contratações temporárias pelo PART foi concedida pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9a Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, na última quinta-feira (23/1). A liminar atende a ação civil pública impetrada pela Adusp em outubro de 2019.

O PART foi instituído pela Resolução 7.754, de 27/6/2019, e previa a contratação temporária de pós-doutores como Professor Colaborador III, com jornada de trabalho de oito horas semanais na categoria MS 3.1, recebendo salário de R$ 1.279,15. A seleção dos 220 classificados, anunciada no dia 20/1, foi feita pela USP sem a realização de concurso público.

Em seu comunicado, Canuto argumenta que “o programa tem um caráter de formação acadêmica dos pesquisadores e, desse modo, não vem para suprir carências da universidade”. Essas carências estariam sendo atendidas com a “programação de contratações de novos docentes, tendo sido distribuídos nos últimos três anos 449 claros, sendo que, das vagas atribuídas, 234 ainda estão aguardando a realização dos respectivos concursos para serem providas”.

A política de reposição, embora importante, é insuficiente para dar conta da situação atual da carência de professores na universidade. Levantamento da Adusp demonstra que o número efetivo de docentes em agosto de 2019 era de 5.454, contra 6.142 em setembro de 2014 — ou seja, 688 professores a menos num período de cinco anos.

Na visão do pró-reitor, o “sucesso do PART” pode ser aferido por números: foram 665 inscrições para as 220 vagas oferecidas. Além disso, a “elevada qualificação” dos selecionados também atestaria o acerto da iniciativa.

A questão de fundo apontada por Canuto para justificar a adoção do PART e a decisão da USP de recorrer da decisão judicial para dar sequência ao programa — o início das contratações estava previsto para a próxima sexta-feira (31/1) — é que “a atuação dos pós-doutorandos” no ensino de graduação proporciona benefício tanto aos alunos, “que passam a ter a oportunidade de compartilharem experiências com pesquisadores que atuam na ponta do conhecimento, como também aos próprios pós-doutorandos, que podem vivenciar a experiência de atuar em sala de aula, adquirindo, portanto, uma formação complementar”.

É surpreendente que uma universidade do porte da USP argumente seriamente que contratações temporárias como as previstas pelo PART — com vínculo de um ano, renovável por igual período — possam constituir por si só a experiência “de atuar em sala de aula” requerida por um pós-doutor.

Como avalia a professora Maria Clara di Pierro, do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação (FE), a contratação de pós-doutorandos para lecionar nos cursos de graduação sem passar por concurso e sem a supervisão do docentes experientes é problemática e “rebaixa a carreira docente e o ensino de graduação”.

A respeito, no corpo de sua decisão, a juíza Simone Casoretti lembra o óbvio: “o desenvolvimento da pesquisa, em diversas áreas do conhecimento, deve sempre ser um dos pilares da universidade”. Além disso, prossegue, “a interação entre pesquisadores, sem experiência em sala de aula, e alunos novos também é medida que deve ser observada sempre, para o desenvolvimento científico e melhora da graduação”. São princípios basilares e elementares da própria atividade de ensino da universidade, o que parece escapar, por um conveniente “esquecimento”, da argumentação da USP em defesa do PART.

De resto, como sustenta a juíza, a contratação de servidores sem concurso público só se justificaria em caráter excepcional, exigência à qual o PART está longe de atender.

EXPRESSO ADUSP


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