Conflito de interesses
MP-SP recorre ao Superior Tribunal de Justiça para que mantenha condenação de Lancha Jr. à perda do cargo de professor da USP e de direitos políticos
“De há muito foi sepultada a diferenciação das normas sancionadoras para patrícios e plebeus”. Este é um dos argumentos contundentes utilizados pelo promotor de justiça Alfredo Coimbra para contestar acórdão da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJ-SP) que ao julgar, em fevereiro passado, o recurso de Antonio Herbert Lancha Jr. contra sentença judicial que o condenava no caso do “Bod Pod”, manteve a condenação por improbidade administrativa, mas anulou a perda do cargo de professor da Universidade de São Paulo e a perda de seus direitos políticos, decididas pelo juiz da 15ª Vara da Fazenda Pública.
A 5ª Câmara de Direito Público alegou, no acórdão, que “não há como se ignorar o fato de que Antônio Herbert Lancha Júnior é ocupante do cargo de Professor Titular da Escola de Educação Física e Esporte [EEFE]”, “topo da carreira acadêmica dentro da instituição líder em pesquisa científica da América Latina, a apontar a relevância de seu trabalho à instituição e à comunidade acadêmica”, e que embora “reprováveis os fatos por ele praticados, não são dotados de gravidade extrema”. Tal decisão “mostrou-se absolutamente descabida”, sustenta o promotor no recurso especial, datado de 2/5, que impetrou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão da 5ª Câmara de Direito Público do TJ-SP.
Coimbra, que pertence à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos do Ministério Público do Estado (MPE-SP), observa que “ao reconhecer a gravidade do fato de professor de prestigiada universidade pública apropriar-se de bem fundamental ao desenvolvimento de pesquisa científica e levá-lo para usá-lo em proveito próprio, mas, ao mesmo tempo, afastar as referidas sanções [perda do cargo e de direitos políticos], o acórdão nega vigência “à legislação infraconstitucional de regência dos fatos”, ou seja, ao artigo 12, incisos I, II e III da Lei 8.429/1992, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa (LIA).
“Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”, diz o artigo 12 da LIA, conforme a redação dada pela lei 12.120/2009. Já os incisos I, II e III definem as penas específicas que correspondem às hipóteses previstas nos artigos 9º, 10º e 11º da LIA, nos quais incorreu Herbert Jr. segundo entenderam as decisões judiciais de primeira e segunda instância. Os três incisos prevêem, entre outras punições, perda da função pública. Porém, no tocante à duração da pena de perda de direitos políticos o inciso I prevê oito a dez anos; o inciso II prevê cinco a oito anos; e o III três a cinco anos.
No caso do “Bod Pod”, diz Coimbra, “eram imperativas as sanções de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos”. No seu entender, o fato de Lancha Jr. ter devolvido à universidade “o bem que houvera apropriado, após alarido dos órgãos de imprensa, não diminui a reprovabilidade da sua ação”. É neste ponto que ele rechaça o que chamou de “diferenciação entre patrícios e plebeus”, como inaceitável modernamente: “Nem tampouco a maximização intelectual daquele [o docente da EEFE] deveria ser arguida como elemento a amenizar as penas referidas que, adequada e proporcionalmente, lhe foram fixadas na sentença recorrida, sob pena de um julgamento aristocrático, que estabelece compartimentos estanques de eficácia dos princípios republicanos insculpidos no artigo 37 da Lei Maior, verdadeira espinha dorsal da administração proba e democrática”.
“Maior ou menor expressão de um dano material não deve impressionar o julgador”
O recurso considera inaceitável a avaliação da 5ª Câmara de Direito Público de que os atos cometidos por Lancha Jr. não foram “de gravidade extrema”, porque a seu ver “a maior ou menor expressão de um dano material, pura e simplesmente, não deve impressionar o julgador, senão a gravidade do ato e suas conseqüências porque se trata do uso de equipamento público destinado à pesquisa científica para fins particulares, dispensando, pois, maiores digressões sobre o desvalor axiológico da conduta. A censura judicial, pois, não deve se abroquelar na pura dimensão do dano patrimonial (material), mas, também, a do dano moral (imaterial) experimentado pela Administração Pública.”
Segundo Coimbra, o princípio da proporcionalidade que informa a vaplicação das sanções do art. 12 da LIA orienta-se pela punição tanto do excesso quanto da falta. Ao negar-se a perda do cargo e dos direitos políticos, estaria ocorrendo “violação ao princípio da proporcionalidade dada a característica e a gravidade do fato, sua relevância no tecido social e seu impacto na moralidade administrativa, assim como a extensão do dano e o proveito patrimonial haurido”.
Para reforçar a defesa da aplicação cumulativa de penas prevista no artigo 12 da LIA, o promotor cita escrito da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, segundo o qual, como o ato de improbidade administrativa pode afetar valores de natureza diversa — o patrimônio público econômico-financeiro; o patrimônio público moral; o interesse de toda a coletividade em que a honestidade e a moralidade prevaleçam no trato da coisa pública; a disciplina interna da Administração Pública — “é plenamente aceitável que algumas ou todas as penalidades sejam aplicadas concomitantemente”.
Ainda de acordo com o recurso interposto por Coimbra, “a interpretação levada a efeito no acórdão hostilizado é extremamente nociva à saúde moral da Administração Pública brasileira, constantemente maculada no atacado e no varejo da improbidade administrativa”, por dar a falsa impressão “de um padrão comportamental escandinavo nas relações entre as esferas públicas e privadas no Brasil” e por fomentar a impunidade uma vez que, “em caso de suma gravidade como o presente, o servidor continua gravitando na Administração Pública, suspicaz da prática de outras infrações da mesma espécie”, de modo que outros agentes públicos podem sentir-se tentados a violar os princípios do serviço público, “levando a difundir o sentimento generalizado de que a corrupção compensa”.
Assim, conclui o recurso, “ante a desproporção entre a gravidade do fato e as sanções, estabelecidas no v. [venerável] acórdão desafiado, muito aquém daquelas exigidas para a espécie, resultou claro que, sob o prisma do artigo 105, III, a, da Carta Magna, aquela decisão violou o artigo 12, inc. I, II, III, da Lei 8.429/92, merecendo reforma para imposição das penas de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos”.
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