A Comissão Especial sobre Regimes de Trabalho (CERT) exibe um alentado histórico de desserviços prestados à USP. Essa comissão, extrapolando suas funções, especializou-se em realizar uma pretensa avaliação, formalista e contábil, do desempenho de docentes em estágio probatório —e cujo desfecho, aqui e ali, é o desligamento de tais profissionais do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) e sua transferência arbitrária para outros regimes.

O método adotado pela CERT, que privilegia a publicação de papers em detrimento das atividades de docência, extensão e engajamento institucional (e até mesmo de uma perspectiva mais ampla da pesquisa), vem resultando em enormes prejuízos para docentes comprovadamente compromissados com o trabalhoe, em decorrência, para as unidades e para a própria USP.

EESCEESC
Professor Walther Azzolini Jr.

O caso mais recente é o do professor Walther Azzolini Jr., do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), cujo relatório foi rejeitado pela CERT, que no seu Parecer 1.589/2019 recomendou que o docente seja desligado do RDIDP e transferido para o Regime de Turno Completo (RTC). Ocorre que o parecer desconsiderou aspectos importantes do relatório. Alertada por Azzolini Jr., a CERT não se sensibilizou: emitiu o Parecer 1.970/2019 no qual mantém a decisão anterior e encaminha o processo ao reitor.

Em ambos os pareceres, a decisão de alterar o regime de trabalho do docente é manifestada de modo lacônico: “As classificações dos periódicos no Qualis não conferem com as áreas das Engenharias III, conforme avaliado na plataforma Sucupira. Os argumentos não convenceram à CERT por tratar de argumentos genéricos e promessas para o futuro”. Porém, como veremos, esse laconismo por si só desrespeitoso encobre, ainda, um erro clamoroso de avaliação.

Antes de deliberar, a Reitoria consultou a Procuradoria Geral (PG-USP), outro órgão cujos pareceres são conhecidos de antemão, por jamais contrariarem os entendimentos das comissões permanentes e da própria Reitoria.Em análise puramente formal do caso, a PG-USP avaliou, em setembro de 2020, que a Portaria 2.561/1990 do Gabinete do Reitor “delegou ao Presidente da CERT competência para autorizar ingressos, reingressos, permanências, licenças, afastamentos, transferências, renovações de contratos e alterações de regimes de trabalho do pessoal docente”, e que, portanto, é “legítima” a decisão objeto do Parecer CERT 1.589/2019 “que, analisando relatório bienal referente ao período de experimentação do interessado no RDIDP, decidiu por seu desligamento deste regime de trabalho, com mudança para o RTC”.  É surpreendente que a Procuradoria Geral da USP ignore por completo o artigo 201 do Regimento Geral da USP que determina que a mudança de regime de trabalho deve ser proposta pelo Conselho de Departamento, o que não ocorreu no processo do professor Azzolini Jr.

O lance seguinte do processo foi a manifestação do vice-reitor (no exercício da Reitoria) Antonio Carlos Hernandes, que em fevereiro de 2021 decidiu “acompanhar” a decisão da CERT e, assim, “determinar o desligamento do interessado do RDIDP, a partir da data da publicação do ato respectivo”, informando ainda, em conformidade com o peculiar jargão daquela comissão, que tendo em vista “os demais elementos integrantes do processo, o desligamento do RDIDP se dará para [sic] o RTC”.

A decisão de Hernandes — em nome do reitor Vahan Agopyan — priva a USP de contar em tempo integral com um docente cujo relatório final do período de experimentação foi aprovado por unanimidade por seu departamento, em maio de 2019. Além disso, um professor com dez anos de trabalho na USP, e prestes a submeter-se a um concurso de livre docência, inicialmente agendado para 30/3/21 mas, em razão da pandemia de Covid-19, remarcado para a segunda quinzena de agosto.

Em 15/3/2021, Azzolini Jr. encaminhou ao presidente da CERT, Osvaldo Novais de Oliveira Jr., um pedido de reconsideração, no qual aponta as inconsistências do parecer 1.589/2019 daquela comissão. Preliminarmente, o docente da EESC registra “a insustentabilidade de uma decisão que desqualifica todo o conjunto do tripé de atividades docentes envolvidas no RDIDP apenas sob a análise da qualificação das publicações do docente, em que pese o erro cometido por esta Comissão em virtude do critério adotado, que não condiz com a realidade”. E lembra, a propósito, que apresentou documentos comprovando a publicação de livros e software com registro, além dos artigos publicados. “A justificativa para a mudança de regime é vaga e inconsistente, demonstrando, respeitosamente, a falta de interesse do relator do parecer em considerar a obra do docente, além da inconsistência na avaliação dos estratos dos artigos” (destacado no original).

Em seguida, Azzolini Jr. refuta a afirmação do parecer quanto ao Qualis dos artigos elencados no relatório: “Com relação aos artigos, há no Apêndice I a indicação do Qualis dos artigos na Plataforma Sucupira, o que foi questionado no parecer sem comprovação. Comprovo que todos os quatro artigos publicados e apresentados pelo docente possuem classificação no Qualis e que conferem com as áreas das Engenharias III, de acordo com a Plataforma Sucupira” (destacado no original). O docente indicou e anexou ao pedido de reconsideração cópias de quatro e-mails que “comprovam a ciência do presidente da CERT quando da publicação do quarto artigo e do registro do software, ambos relacionados pelo docente quando do envio do recurso administrativo no ano de 2019 e os respectivos e-mails encaminhados”.

Docente acusa “grave transtorno” na sua vida profissional e pessoal

Portanto, a CERT ignorou a existência de documentos encaminhados diretamente ao seu presidente, o que levou Azzolini Jr. a protestar contra esse inaceitável desmazelo da comissão: “Considero, respeitosamente, que é grave o transtorno que o parecer [da] CERT causa na vida profissional e pessoal do docente com essa decisão de mudança de regime de trabalho, sem sustentação correta e coerente, de tal forma que aparentemente teve uma leitura descuidada do relatório e recurso apresentados”.

A seguir o professor da EESC elenca sua participação em diferentes atividades acadêmicas, as quais por si só já deveriam bastar para confirmar sua manutenção no RDIDP. Indica uma série de docentes com os quais cooperou ou vem cooperando, “que podem comprovar meu empenho na USP”, adiciona declarações favoráveis de alunos, informa ter orientado 28 alunos de graduação em trabalhos de conclusão de curso (TCC), “média de três por ano”, e participado como avaliador em outras 111 bancas de TCC.

Azzolini Jr. relata que entre 2013 e 2020 tomou parte, na condição de titular, de seis colegiados institucionais da EESC, entre os quais a Comissão de Cultura e Extensão Universitária e duas comissões coordenadoras de cursos (Engenharia Elétrica e Engenharia de Produção), tendo presidido a Comissão de Apoio a Projetos Institucionais da unidade (2016-2019). Integrou diversos outros órgãos na condição de suplente.

Outro dado importante mencionado no pedido de reconsideração é a sua participação em projeto de pesquisa financiado pela Fapesp, na modalidade “centro de pesquisa, inovação e difusão” (Cepid), como pesquisador associado do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) do Instituto de Matemática e Computação (ICMC) da USP. Ele nomeia outros grupos de pesquisa aos quais está vinculado: em Estudos e Pesquisa em Gestão (Nepgest) no Instituto Federal de São Carlos (IFSC) e em Planejamento e Controle de Produção (Placop) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Apesar de conter indicações cristalinas, o pedido de reconsideração encaminhado pelo docente da EESC foi tangenciado pelo presidente da CERT. Em mensagem eletrônica enviada a Azzolini Jr. em 1º/4, em resposta ao documento, o presidente Novais Jr. limita-se a “lavar as mãos”, eximindo-se de se pronunciar sobre seu conteúdo: “Prezado Prof. Walther, eu me informei sobre a situação de seu processo, e verifiquei que está na alçada da Reitoria. Portanto, um pedido de reconsideração precisa ser enviado para o reitor”.

Pois bem: foi o que fez o professor. Despachou seu pedido ao Gabinete do Reitor. Mas apenas para receber a seguinte resposta do chefe de Gabinete, Marcos Tavares, em 8/4: “Devolva-se ao interessado, com o esclarecimento, conforme a CERT, [de] que o pedido de reconsideração deverá ser tramitado, preliminarmente, pelo respectivo Departamento e Diretoria da Unidade”.

Diante desse novo desencontro, Azzolini Jr. resolveu fazer um desabafo, enviado simultaneamente por e-mail, na madrugada de 9/4, a algumas diretoras da Adusp, a Novais Jr. e à Chefia de Gabinete. “Os alunos, os funcionários e os professores do meu Departamento são testemunhas do meu horário de trabalho: das 6h30 às 18h todos os dias. A CERT não assume o erro, não explica o suposto parecer e não identifica o relator. Em um processo transparente é correto identificar o autor do ‘parágrafo’”, protesta, em referência ao curto parecer 1.970/2019.

“A CERT recusa o meu recurso em 2019 e o docente não é informado. Encaminha a decisão para o Gabinete do Reitor e o docente não é informado”, historia ele. “Após 17 meses o docente é ‘comunicado por zap’ que a CERT com uma justificativa extremamente frágil pede a sua mudança de regime e para ajudar a tornar a vida do docente um inferno de Dante, em plena pandemia”.

Como agravante, antes mesmo que departamento e unidade pudessem se manifestar quanto ao caso, a mudança do regime de trabalho do docente de RDIDP para RTC foi publicada em 28/4 no Diário Oficial do Estado de São Paulo por iniciativa do presidente da CERT, fazendo valer a determinação do vice-reitor, em nome do reitor da USP.

Software desenvolvido pelo docente foi registrado no INPI pela Auspin

O Informativo Adusp conversou com o professor da EESC para se inteirar de detalhes do processo. “Um ano antes do prazo para submeter o relatório, eu já havia submetido o último artigo. E é um processo demorado, o primeiro parecer favorável demorou quatro ou cinco meses, a editora pediu algumas alterações. Então quando submeti o relatório mencionei que o artigo estava na fase final”, esclarece Azzolini Jr.

Da mesma forma, o registro do software por ele desenvolvido, solicitado pela Agência de Inovação da USP (Auspin) ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2015, somente ocorreu em 2019. O docente destaca a importância desse produto. A Área das Engenharias III, na qual ele atua, registrou nos anos recentes um grande avanço nos números de patentes e softwares registrados. No triênio 2010-2012 foram contabilizados pela comissão de avaliação tão somente três softwares registrados e 53 patentes. No quadriênio 2013-2016, no entanto, foram contabilizadas 153 patentes e 47 softwares registrados.

O primeiro parecer da CERT determinando sua mudança de regime chegou em meados de 2019, e Azzolini Jr. foi instado pelo diretor da EESC a recorrer. Ele explica que tanto o registro do software como o aceite de publicação do artigo citado não constam do recurso porque só lhe foram comunicados após o envio desse documento. “No dia em que encaminhei saiu o registro do software”, lembra. A informação foi então encaminhada ao presidente da CERT, que ficou de direcioná-la internamente. “No início de novembro [de 2019] veio o aceite do artigo para publicação. Encaminhei para o presidente da CERT o comprovante. A partir daí não tive mais notícias. Em novembro de 2020, fiz um meet com o diretor da EESC a respeito de outros assuntos, e perguntei a ele se tinha alguma posição da CERT, estava preocupado porque não tive retorno nenhum, ele ficou de verificar”.

A demora da CERT em se pronunciar sobre o recurso, independentemente do conteúdo equivocado do parecer, sinaliza que há algo de muito errado no funcionamento dessa comissão: “17 meses para responder!”, enfatiza o professor, inconformado. “Ninguém é contra a avaliação, a avaliação é importante, mas tem que ser justa. Que avalie o contexto, a obra em si. Existe uma obra, um conjunto”, argumenta. “Aí você tem um parecer com duas linhas, prejudica, cria um transtorno, sem explicar nada, superficial. O parecer tem que ser objetivo e transparente”.

Na conversa com a reportagem, Azzolini Jr. prestou informações adicionais sobre o trabalho que vem desenvolvendo na EESC e no câmpus de São Carlos. “Me aproximei do ICMC, eles têm um grupo de trabalhos aplicados. Meu departamento vem buscando essa parceria já há algum tempo, e entrei como colaborador num projeto amplo de pesquisa deles, também financiado pela Fapesp”.

Outra iniciativa sua se deu na área de projeto. A empresa Siemens tem um desenvolvedor que contempla o maior número de softwares na área. Contando com o apoio do seu orientador de doutorado, professor Artur Vieira Porto, e da coordenadora da Engenharia Mecânica, professora Luciana Montanari, ambos da EESC, Azzolini Jr. conseguiu fechar um convênio com a Siemens para permitir o acesso de professores e alunos da unidade ao desenvolvedor, por meio do qual a USP renovou a versão de todos os softwares de engenharia da Siemens pelo valor simbólico de R$ 2 mil, muito abaixo do preço de mercado.

O relatório do docente faz menção, ainda, a dois livros. Um deles pela editora Elsevier, Planejamento e controle da produção (segunda edição em 2018), em coautoria com dois colegas. E um outro, do qual fala com entusiasmo, que celebra o cinquentenário do Centro de Processamento de Dados (CPD) da EESC (1967-2017) e tem o docente do Departamento de Engenharia de Produção como organizador.

Na ocasião, funcionários e professores aposentados que atuaram no CPD foram homenageados, por sugestão do funcionário Casimiro Paschoal, em evento promovido pela Comissão de Apoio a Projetos Institucionais, então presidida por Azzolini Jr. De acordo com o professor da EESC, a atuação do centro foi muito importante em São Carlos: “Recebeu os primeiros computadores mainframe, que prestavam serviços à comunidade, à Prefeitura de São Carlos”. A homenagem foi depois convertida no livro em questão.

Outro dado digno de nota é que, ao seguir para a CERT em 2019, o relatório unanimemente aprovado pelo Conselho do Departamento de Engenharia de Produção foi acompanhado de uma carta de recomendação da professora titular Maria do Carmo Calijuri, do Departamento de Hidráulica e Saneamento. Ela foi presidente da Comissão de Ética da unidade e primeira mulher a exercer a direção da EESC (2007-2011).

Azzolini Jr. revela ainda que na sua unidade há vários outros casos de docentes que enfrentam problemas com a CERT. “A avaliação é tendenciosa, cai para o pilar da pesquisa. Parece caça às bruxas, sem transparência, sem um fato concreto, e aí cria um ambiente horrível dentro da universidade, de injustiça, prejudicando o trabalho das pessoas”.

Nota da Diretoria da Adusp

A Diretoria da Adusp manifesta seu entendimento de que a mudança de regime de trabalho do professor Walther Azzolini Jr. (EESC) é desmotivada, arbitrária e extremamente injusta. Seu relatório de atividades foi aprovado por unanimidade pelo seu departamento, corroborando a ideia de que suas atividades estão em perfeita consonância com o que se espera de um docente em RDIDP.

Tanto no caso do professor Azzolini Jr. como em outros, a Reitoria encaminhou para publicação a mudança do regime de trabalho sem atender aos tantos e reiterados pedidos de que, antes de qualquer encaminhamento, a Diretoria da Adusp seja recebida em audiência para que esses processos possam ser discutidos.

A absoluta ausência de diálogo marca o modus operandi desta e das últimas gestões na Reitoria que têm adotado práticas mais autoritárias e antidemocráticas que aquelas que a própria estrutura da USP já impõe. A falta de diálogo tornou-se mais evidente durante a pandemia de Covid-19, período que confirmou a intransigência e o descolamento da realidade por parte dos gestores.

E pensar que todos, sem exceção, prometem dialogar quando se candidatam a reitor.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!