Carreira docente
Reitoria amplia precarização do corpo docente da USP ao estimular a contratação de pós-doutorandos com salários aviltados, a pretexto de “retenção de talentos”
Edital abre 250 vagas de Professor Colaborador III destinadas apenas a pós-doutores da própria universidade, com contratos por “prazo determinado” (um ano, prorrogável por igual período), para lecionar por no máximo 6 horas semanais e com remuneração bruta mensal de R$ 1.279,15
Na última sexta-feira (30/8), o vice-reitor Antonio Hernandes enviou aos “dirigentes” da USP (diretores de unidades e outros detentores de cargos de direção e chefia) mensagem eletrônica por meio da qual encaminha o Edital 2019-2020 do “Programa de Atração e Retenção de Talentos” (PART), que visa “a contratação de pós-doutores de nossa Universidade como professores, em regime [de tempo] determinado”.
“O Programa de Atração e Retenção de Talentos (PART) da Universidade de São Paulo (USP) foi criado com a finalidade de valorizar doutores recém-titulados, de todas as áreas do conhecimento, que estejam desenvolvendo suas pesquisas na USP e encontrem-se formalmente cadastrados no Sistema Eletrônico Corporativo da Pró-Reitoria de Pesquisa”, diz o edital, que oferece “até 250 vagas de Professor Colaborador III contratado por prazo determinado” (12 meses, prorrogáveis por igual período), com jornada de trabalho de 8 horas semanais e salário bruto mensal de R$ 1.279,15, mais vale-alimentação no valor de R$ 870.
Trata-se de uma modalidade de contratação precária bastante semelhante à dos professores temporários adotada na gestão de M.A. Zago, os quais, no entanto, cumprem jornada de 12 horas semanais. Ao que parece, a jornada ainda menor adotada pelo PART subordina-se às normas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que não permite aos seus bolsistas jornada de trabalho superior a 8 horas semanais. No entanto, o edital deixa claro que serão contratados também pós-doutores sem bolsa de pesquisa, como indica o requisito 5 do item III: “atender às exigências da respectiva Agência de Fomento, quando for o caso”.
No edital, o Comitê Gestor do PART assim elenca os alegados benefícios acadêmicos que o programa trará aos pós-doutorandos: “A eles será oferecida a oportunidade de serem agentes ativos para desenvolver suas competências e habilidades visando o ensino de graduação, conforme Resolução 7.754, de 27 de junho de 2019, publicada no D.O.E em 28/6/2019”, afirma ainda o edital, acrescentando que o pós-doutorando selecionado “poderá também exercitar a habilidade de liderança na consecução de projetos de ensino, essenciais para o Doutor com objetivo de atuar na carreira acadêmica”.
Jornada de trabalho não atende às necessidades da graduação e é ilegal
A retórica grandiosa, que inclui menção à “busca da excelência” da universidade, não consegue camuflar a precarização do trabalho docente promovida pelo PART, por recorrer a contratações temporárias e por adotar uma jornada de trabalho que não atende às necessidades do ensino de graduação e, ademais, é ilegal. O professor Otaviano Helene (IF), membro do Grupo de Trabalho de Política Educacional da Adusp (GTPE), chama atenção para o fato de que a jornada de 8 horas semanais contraria claramente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
“A LDB, no seu artigo 57, diz que ‘nas instituições públicas de educação superior, o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas semanais de aulas’. Assim, nosso professor de 8 horas não tem como preparar aula, corrigir trabalhos e exercícios, atender alunos etc.”, afirma o professor Otaviano Helene (IF). Ou seja: a jornada completa deveria acrescentar, a essa carga didática de 8 horas, pelo menos outras quatro horas (somando 12 horas), para que o professor ou professora dispusesse de um terço da jornada para preparar suas aulas e realizar outras tarefas extra-classe relacionadas aos desdobramentos do trabalho realizado em sala.
Contudo, é ainda pior. De acordo com o item VII do edital, a atribuição didática desses docentes “deverá respeitar o limite máximo de 6 (seis) horas-aula semanais”. A Resolução 7.754, de 27/6/2019, que criou o PART, é ainda mais explícita em seu artigo 2o: “Parágrafo único – O pós-doutorando contratado terá atribuição didática em disciplinas de graduação com carga horária de 4 (quatro) horas semanais, podendo, excepcionalmente, a critério do Conselho de Departamento ou Colegiado Equivalente, atingir 6 (seis) horas semanais.” (destaques nossos). “Isso fere abertamente a LDB”, diz o professor Helene.
Com o PART, a gestão Vahan Agopyan-Antonio Hernandes leva ao extremo a figura do professor-horista na universidade pública, criada na gestão M.A. Zago-Vahan Agopyan com a adoção dos professores temporários em regime de 12 horas. O salário aviltado é a face ultrajante do novo programa: “Impensável pagar pouco mais do que 1.200 reais para um professor contratado para fazer ensino e pesquisa. É um absurdo”, protesta o professor Helene.
“Hoje a USP tem cerca de 230 professores temporários, num regime de 12 horas, e dois professores no regime de 8 horas. O projeto de contratar 250 pós-doutores vai aumentar significativamente o processo de precarização da carreira”, declara o professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp. “Não está claro ainda se esses 250 vão substituir os 230 atuais ou se vai haver uma soma desses dois contingentes. Se de fato ocorrer isso, a gente vai passar a ter 10% do quadro de professores em regimes precários, e com isso um aumento incrível da precarização dentro da universidade”, adverte.
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