Carreira docente
Alegando “limitações financeiras”, USP contesta ação judicial que busca garantir a extensão do auxílio-saúde a aposentados(as) e pensionistas
No documento, Procuradoria Geral da universidade deixa de se pronunciar a respeito da liminar concedida em 23/10 pelo juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça (TJ-SP), que ordenou o pagamento do benefício a aposentados(as) e pensionistas detentores de paridade
No dia 21/11, a Procuradoria Geral da USP (PG-USP) protocolou, na 14ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça (TJ-SP), contestação à ação civil pública na qual a Adusp propõe extensão do pagamento do auxílio-saúde a docentes aposentados e pensionistas. Instituído pela USP por meio da Resolução 8.358/2022, o benefício contempla somente os servidores docentes e técnico-administrativos “ativos ou afastados por motivos de saúde” e seus dependentes, excluindo assim aposentados e pensionistas.
No dia 23/10, o juiz Randolfo Ferraz de Campos emitiu liminar na qual acata parcialmente o pedido da Adusp e determina que a USP pague auxílio-saúde aos aposentados e pensionistas com direito à paridade. A Adusp recorrerá para pedir a extensão do auxílio-saúde à totalidade dos(as) aposentados(as) e pensionistas e não apenas àqueles com direito à paridade.
A contestação à ação judicial da Adusp, assinada pelos procuradores Marcos Felipe de Albuquerque Oliveira e Renata Lima Gonçalves, da PG-USP, deixa de se pronunciar sobre o teor da liminar, limitando-se a informar que apresentou “manifestação preliminar sobre o pedido de antecipação de tutela [liminar], sobre o qual não sobreveio, até o momento, nenhuma intimação”.
A contestação questiona a legitimidade da Adusp como proponente da ação judicial em curso na 14ª Vara da Fazenda Pública; propõe a “ilegitimidade passiva em relação a pensionistas” da própria USP; e busca demonstrar a improcedência da ação judicial, “dada a inexistência de ilegalidade na limitação do benefício a servidores da ativa”.
De acordo com os procuradores da USP, “o escopo da ação civil pública extrapola a possibilidade de representação ou de substituição da associação autora”, uma vez que a Adusp, por definição estatutária, “tem por finalidade precípua a união da categoria, a defesa dos seus direitos e interesses e a assistência aos associados”, sendo este o âmbito de possível representação e defesa. “Contudo”, alegam, “os pedidos vertidos na presente ação abarcam a totalidade do corpo administrativo da Universidade de São Paulo”. Tal como formulados, continua a contestação, os pedidos da Adusp “abrangem todo o corpo funcional” da USP, “como, por exemplo, os servidores técnico-administrativos com vínculo celetista ou estatutário, que têm representação sindical própria”.
Por outro lado, a contestação requer também que seja reconhecida, preliminarmente, a suposta “ilegitimidade passiva” da USP em relação a pensionistas, por ausência de relação previdenciária entre ambos. Isso porque, “de acordo com a legislação em vigor, a SPPrev [São Paulo Previdência] é a autarquia responsável no Estado de São Paulo pelo pagamento de benefícios previdenciários devidos aos dependentes de servidores públicos falecidos (pensão por morte, auxílio-reclusão) que saiam dos cofres do Estado de São Paulo”.
Apesar disso, sustentam, a ação é integralmente improcedente, em razão do que alegam ser o caráter indenizatório do auxílio-saúde, instituído por meio da Resolução 8.385/2022, “destinado a subsidiar despesas com planos de assistência médica à saúde”. O artigo 4º da resolução, dizem, “expressamente estabeleceu que o benefício consiste no pagamento em pecúnia e possui caráter indenizatório (inciso I)”. “Não se trata de afirmativa vaga, dado que o pagamento do auxílio se dá após a comprovação de que o servidor efetuou um gasto com plano de saúde particular. Ou seja, primeiro o servidor gasta com o plano de saúde particular, depois a Universidade indeniza este gasto, conforme tabela própria”.
Portanto, insistem, o benefício “não tem natureza salarial ou remuneratória”, não sendo computado para efeito do 13º salário (inciso II). “Também não se incorporará, para quaisquer efeitos, aos vencimentos, bem como sobre ele não incidirá vantagem alguma a que faça jus o servidor, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe acréscimo de outra vantagem pecuniária (inciso III)”, nem constituirá base de cálculo das contribuições devidas ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), ou ao Regime Geral da Previdência Social (INSS), bem como ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Alega a contestação, assim, que a USP optou, nas suas esferas de discricionariedade, independência e autonomia, pela criação e concessão de um benefício destinado a subsidiar as despesas de contratação de planos de assistência médica à saúde de servidores(as) ativos(as). “O benefício não foi estendido aos servidores inativos por uma questão de mérito administrativo, por uma decisão de discricionariedade administrativa, mas levando em consideração, também, as limitações financeiras, o que é absolutamente legal e legítimo”, afirma o documento.
Acrescenta ainda que o auxílio-saúde “não preenche requisitos para ser incluído em qualquer regra de isonomia ou equiparação remuneratória”, ou à regra de paridade entre ativos e inativos. “Trata-se de matéria circunscrita à discricionariedade administrativa: cabe ao ente público decidir, dentro de suas prioridades e de suas escolhas na alocação de recursos, se estabelece ou não o benefício, e se o benefício abrangerá apenas ativos ou também inativos”, pontifica a contestação, para completar que “o direito alegado pela Autora Adusp não justifica uma intervenção violenta e anômala do Poder Judiciário na Universidade de São Paulo”.
Depois de proclamarem que “a Universidade não menospreza os princípios e normas constitucionais que a Autora discute na inicial”, os procuradores da USP defendem a tese de que a “não extensão do benefício aos inativos não significa ameaça ao direito à saúde assegurado no art. 196 da Constituição Federal, assim como não afronta a dignidade da pessoa humana”, para apresentar em seguida a intrigante alegação de que o auxílio-saúde “configura verba indenizatória que se justifica em sua finalidade, como uma vantagem aos servidores ativos, a fim de que haja um impacto positivo na qualidade e na constância do serviço público prestado”.
USP faz “terrorismo financeiro” e alega impacto adicional de 1,4% no Orçamento
Por fim, retomam a ideia das “limitações financeiras” que levariam à improcedência da ação, desenvolvendo, para tanto, uma argumentação que se assemelha a algo como terrorismo financeiro: “É que, fundamentalmente, o pleito envolve o emprego de cifras milionárias que, num cenário de escassez de recursos, não estão disponíveis para esta finalidade, podendo desfalcar uma instituição universitária que não tem sobras ou outras fontes orçamentárias capazes de atender a políticas públicas que, praticadas anomalamente pelo Poder Judiciário, não estejam dentro da esfera universitária de controle autônomo, de sua autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial, nos termos do artigo 207 da Constituição Federal, que deve ser lido juntamente com o art. 2º, da Carta Magna”.
Alegam que o impacto financeiro adicional gerado pela inclusão de aposentados(as) e pensionistas entre os(as) beneficiários(as) do auxílio-saúde afetaria a “sustentabilidade financeira” do programa. O impacto da eventual procedência da ação, dizem, seria de aproximadamente R$ 116 milhões. “Esse valor representa um impressionante [sic] aumento de 1,54% do orçamento total da Universidade, aumentando o comprometimento do programa como um todo para 4,28% do orçamento”.
Acrescentam que já existe “uma pressão em termos de disponibilidade orçamentária, o que impede a sustentabilidade e a manutenção de uma despesa permanente para o custeio de um programa de auxílio-saúde destinado aos aposentados”. Sustentam até mesmo, de modo tautológico, que os paritários “são remunerados com paridade e integralidade para fins de aposentadoria, o que lhes dá maior conforto financeiro” para fazer frente às despesas de saúde!
Retornam, então, ao conceito que estaria por trás da criação do auxílio-saúde: a “decisão de mérito administrativo tomada pela Universidade deu-se em torno da elaboração de um benefício que pudesse estimular os servidores da ativa a uma maior produtividade, dando-lhe um suporte mínimo para amenizar os custos de saúde e gerar um reflexo direto no aumento da assiduidade e na diminuição do absenteísmo por questão de saúde”.
Ao mesmo tempo, sugerem que “desde sua elaboração já era evidente a indisponibilidade orçamentária para a extensão de um programa para servidores inativos, uma vez que a universidade ainda não conseguiu conceder o benefício de forma integral a todos os servidores e seus dependentes (não houve adesão integral)”, e introduzem uma nova alegação de natureza financeira: “A extensão do programa de auxílio saúde aos aposentados enfrenta um entrave real na pressão orçamentária, conforme estabelecido na resolução que dispõe sobre os Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da USP”.
A seguir, a contestação apresenta uma vacina retórica: “Não cabe discutir se há orçamento ou não”, determina olimpicamente. “Cabe constatar e aceitar que a decisão de alocação dos recursos deve permanecer na esfera da discricionariedade administrativa, que deve ser compatibilizada com as normas e princípios de responsabilidade orçamentária”.
O departamento jurídico da Adusp está preparando a réplica à contestação apresentada pela PG-USP, na qual apontará a ausência de argumentos jurídicos e a inconsistência das diferentes alegações nela contidas. É risível, por exemplo, o “argumento” de que a finalidade do auxílio-saúde relaciona-se à busca, pela universidade, de maior assiduidade do corpo funcional e de “diminuição do absenteísmo por questão de saúde”. Caso a Reitoria estivesse realmente preocupada com a saúde de seus servidores e servidoras, não teria sucateado o Hospital Universitário (HU), nem teria repassado a gestão do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC) ao governo estadual (e por meio deste a uma “organização social de saúde”), fechado a Creche Oeste etc.
Do mesmo modo, usar como alegação jurídica a possível ocorrência de um cenário financeiro desastroso, que resultaria da procedência da ação, contradiz a conduta recente da própria Reitoria, que aprovou em 2022 um duvidoso “plano de investimentos” de R$ 1,9 bilhão, que incluiu a destinação de generosas quantias a autarquias completamente independentes da USP: o Hospital das Clínicas de São Paulo e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Somados, receberiam R$ 217 milhões, dos quais R$ 150 milhões para o primeiro. Outros “investimentos” aprovados, e sabidamente pagos em 2023, foram a Gratificação (GVRP) e o Prêmio de Desempenho Acadêmico Institucional, que somaram R$ 197 milhões. Tudo isso ocorreu dentro do âmbito da “discricionariedade administrativa” da USP.
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