Conjuntura Política
Congregações divulgam manifestos em defesa da democracia e contra a intolerância
Instituto de Psicologia, ICB, ECA, FFLCH, FE, FSP, EP e IB repudiam agressões, violência e ameaças e defendem o compromisso da universidade com a diversidade e o pluralismo
Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, congregações de unidades da USP se manifestam em defesa da democracia e em repúdio a atitudes de intolerência, violência e cerceamento da liberdade de expressão. A Congregação do Instituto de Psicologia (IPUSP) divulgou texto no qual expressa “preocupação com a gravidade da situação política corrente no Brasil” e repudia “veementemente as declarações, proferidas por um dos candidatos à Presidência da República, que ameaçam o estado democrático de direito e a manutenção dos direitos constitucionais de livre expressão do pensamento e de organização política”.
“Julgamos inaceitável que em pleno processo eleitoral, a ordem democrática do país seja claramente ameaçada pela incitação à violência contra instituições, grupos e pessoas em razão de suas características físicas, orientação sexual ou afiliação a ideias e/ou partidos políticos”, diz o texto. “Ameaças e ataques contra a integridade física, civil, moral e política de negros e negras, de comunidades quilombolas e povos indígenas, mulheres, pessoas LGBTTQ, movimentos sociais e serviços públicos têm sido praticados e multiplicados indiscriminadamente por pessoas que, inspiradas por discursos de ódio, empurram as relações sociais para um estado de anomia. São ameaças e ataques em nome de uma questionável defesa de valores notoriamente alheios à convivência social em sua diversidade.”
O documento do IPUSP faz referência a alunas do instituto assassinadas pela Ditadura Militar (1964-1985): “É importante manter viva a memória de Iara Iavelberg e Aurora Furtado, estudantes de Psicologia e lutadoras cruelmente executadas pela Ditadura Militar brasileira. Que a luta social e a mobilização popular sempre compareçam na formação das psicólogas e psicólogos, mas que a tortura e o extermínio não sejam nunca mais parte desse currículo”.
O texto é concluído com um apelo à solidariedade: “Somos muitas Auroras, Iaras, Marielles. O ódio e o silenciamento não podem interromper o encontro e a luta pela liberdade. Recusamos que o passado traumático, caracterizado pela prática da tortura e do extermínio de supostos opositores do sistema, impostos à população brasileira por setores repressivos do governo durante o período de ditadura militar – 1964 a 1985 –, ainda não devidamente elaborado, seja exaltado em contraposição à liberdade e à democracia: valores máximos almejados por nossa sociedade. Fica nosso apelo para que prevaleça a solidariedade entre grupos e povos com a defesa intransigente da democracia. Temos muito por que resistir” (vide íntegra aqui).
A Congregação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) afirma que o país vive “um momento crítico em que a consciência democrática precisa reafirmar os valores fundamentais da liberdade, da razão, dos direitos humanos e respeito ao próximo”. “A Universidade conhece de sobra os danos causados por intervenções arbitrárias”, prossegue o texto. “Os ares sombrios da intolerância sufocam a atividade universitária que, na história, soube resistir às pressões ao pensamento único. Nós, professores, estudantes e funcionários do Instituto de Ciências Biomédicas, repudiamos veementemente qualquer ato de violência, violação ao livre pensar e à autonomia acadêmica, valores fundamentais dos quais não abriremos mão.”
A manifestação da unidade ressalta que “a comunidade do Instituto de Ciências Biomédicas, representada por sua Diretoria e Congregação, repudia veementemente manifestações de intolerância, intimidação, preconceito de qualquer natureza e de violência de qualquer espécie”. “O presente posicionamento reafirma nosso compromisso em garantir um ambiente onde a integridade física e emocional dos membros de nossa comunidade seja preservada. A liberdade intelectual e o pleno exercício dos direitos do cidadão são condições essenciais para promover o desenvolvimento da sociedade”, finaliza o texto (vide íntegra aqui).
“Não se pode compactuar com a regressão”
A Congregação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) também divulgou manifesto em defesa da democracia, no qual afirma que “não podemos nos calar diante da candidatura do PSL, de Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão, defensores da herança política do regime militar, da destruição paulatina do que ainda nos resta de direitos trabalhistas e do armamento generalizado da população em um dos países que apresenta uma das mais altas taxas de homicídios”. “Não se pode silenciar diante de uma candidatura que visa legitimar o arbítrio do estado, a tortura, a homofobia, a misoginia, o racismo e a violência”, segue o texto.
Para a Congregação, não se pode “compactuar com a regressão do que com muita luta se conseguiu avançar nesse país em relação às liberdades democráticas, aos direitos humanos e à cidadania, ainda mais quando temos ciência do quão distantes ainda estamos de conquistar uma sociedade mais justa, mais tolerante e inclusiva”. “Além disso, Bolsonaro e seus partidários manifestam abertamente posições que contestam, não só os estatutos dos Direitos Humanos, mas também os esforços no sentido de preservar a biodiversidade e as políticas de proteção aos povos indígenas”, continua o documento.
Os integrantes do colegiado ressaltam: “Queremos nos somar a tantos que mantém o compromisso de lutar para que nossa sociedade supere as barreiras que nos tem impedido de caminhar para melhores patamares de desenvolvimento e justiça social. A Congregação da ECA junta-se, portanto, a tantas outras vozes que ecoam ‘Ele Não’!” (vide integra aqui).
A Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) aprovou moção na qual manifesta “o seu profundo compromisso com os valores do pluralismo e da democracia e, portanto, a sua preocupação com os atos violentos ocorridos nas últimas semanas”. O colegiado recorda casos de espancamentos, agressões físicas e verbais e até assassinatos, como o de Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, e afirma que “os ataques, dirigidos àqueles que têm posições políticas diferentes, têm afetado particularmente mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTs, com inúmeras ameaças de morte a pessoas desses grupos”.
“Essas violências, motivadas por discordâncias políticas e pela intolerância, são incompatíveis com a democracia e devem ser investigadas e combatidas com seriedade. A diversidade e a pluralidade de ideias e de posições políticas não devem ser entendidas como algo negativo e indesejável e sim como condição para uma sociedade livre e democrática”, continua o texto. “O compromisso da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas é com o pluralismo, a diversidade e a democracia, as nossas lutas e disputas políticas devem ser feitas com respeito às diferenças e com profundo comprometimento com a liberdade e a democracia. A história da Faculdade e do Brasil exige que não abdiquemos desses valores”.
“Democracia é vital para o avanço do conhecimento científico”
No entender da Congregação da Faculdade de Saúde Pública, o Brasil “passa por um período delicado” em que é necessário reafirmar valores essenciais como a ética, a solidariedade, o compromisso social e a democracia. “A FSP, assim como a USP e várias universidades públicas, sabe os danos provocados pela ruptura desses valores. Sem ética, solidariedade, compromisso social e democracia, não há como efetivar nossa missão de produzir e disseminar conhecimentos e formar pessoas em saúde pública, nutrição em saúde pública e em ambiente e sustentabilidade. A democracia é vital para contribuirmos para o avanço do conhecimento científico e a melhoria das condições de saúde da população e para a formulação de políticas públicas”.
“O autoritarismo e a truculência mutilam as práticas universitárias ao restringir a liberdade de cátedra e o fluxo livre e diversificado de ideias. Nós, professores, estudantes e funcionários da FSP, condenamos todo ato violento e qualquer restrição do livre pensar e da autonomia acadêmica. Sem garantia desses valores, não haverá saúde para o povo brasileiro. Sem liberdades e o reconhecimento pleno dos direitos individuais e coletivos, não há como garantir o desenvolvimento social de São Paulo e do Brasil”.
No entender da Congregação da Faculdade de Educação (FE), não se pode aceitar que a mentira, a violência, o preconceito e a opressão suplantem a democracia, a justiça social e os valores republicanos. “Lutamos contra o discurso de ódio, intolerância, ameaça à democracia, às liberdades, aos direitos sociais e ao direito de ser de cada pessoa. Infelizmente, um discurso que ganhou corpo no País. Quando a democracia que tem como pilares a multiplicidade de ideias, a diferença e a liberdade de manifestação e de pensamento fica sob ameaça, projetasse um futuro de incertezas para todos, para a educação e para a universidade”.
Segundo a moção aprovada, “democracia, justiça social e valores republicanos são os princípios que orientam estudantes, funcionários e docentes” da FE. “Aqui a divergência existe e é bem-vinda. Convivemos com ela pautados no respeito, reconhecimento e valorização de quem a manifesta. Hoje, o que está em risco é justamente o direito de divergir. Momentos como este colocam à prova a nossa força. Ocasiões em que o medo, a desilusão e o individualismo rondam nossos corações, semeando a tristeza e a solidão. É agora que precisamos nos unir ainda mais. Fortalecer uns aos outros com apoio, afeto, encorajamento e palavras de incentivo”.
“Esta é uma instituição em que se cultiva o diálogo, o encontro de ideias e o livre pensar, na esperança que os futuros professores que aqui se formarem façam o mesmo nas escolas onde atuarão. Nada, nem ninguém, mudará isso. Aconteça o que acontecer no próximo dia 28, seguiremos pensando da mesma maneira e defendendo os mesmos ideais. Outubro deveria ser um mês de festa, mas somos professores, então também é um mês de luta”.
O Instituto de Biociências (IB), por sua vez, manifestou-se em defesa da universidade pública como instrumento para o progresso da sociedade brasileira. “A universidade deve manter a sua liberdade de expressão, pesquisa, educação e extensão no sentido de ajudar a educar nossos jovens em um ambiente de respeito à democracia. O IBUSP vê a universidade como um dos instrumentos fundamentais para garantir a liberdade de ideias na sociedade. É na universidade que se constrói a base do conhecimento e, através da crítica, é desta base que nascem as novas ideias que norteiam a sociedade do futuro. Este é o processo que forma os líderes das próximas gerações, que ajudarão a desenvolver a indústria, as organizações não governamentais e os melhores servidores públicos nos diversos setores de governo”.
Sem a liberdade de criar e educar de forma científica, adverte a Congregação, a sociedade brasileira “se tornará míope e gradativamente se desconectará do mundo, levando-nos todos ao obscurantismo”. “Tal situação aumentaria a desigualdade em todos os seus aspectos, fazendo com que, ao fim, o Brasil retorne a um estado primitivo, pobre, pouco competitivo e sem visão de futuro”. Ainda segundo o texto aprovado pela Congregação do IB, essa unidade, “com atuações de alto nível na educação superior em graduação e pós-graduação e como um dos principais institutos brasileiros de estudos da biodiversidade, biologia funcional, da biologia aplicada à medicina e à biotecnologia, vê com preocupação qualquer forma de governo que não respeite os parâmetros éticos da democracia”.
A Escola Politécnica (EP) aprovou moção “em defesa da democracia, do Estado Democrático de Direito, das liberdades individuais dos cidadãos e das instituições democráticas constitucionalmente estabelecidas”. A Congregação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) endossou o manifesto da SBPC intitulado “Cientistas pela Democracia”.
Outra manifestação foi a “Carta Aberta de Esalqueanos e Esalqueanas para a Sociedade Brasileira”, redigida por docentes, funcionários e alunos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). “Parte da comunidade esalqueana compreende que a eleição do candidato Jair Bolsonaro representa um retrocesso para a produção agropecuária e florestal, ao meio ambiente e ao ordenamento agrário brasileiro”, diz o documento, que rechaça “veementemente” a conduta desse candidato.
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