Debate
“Sob muitos aspectos, a Ditadura continua”
Maria Victoria, Malnic, Zanetic e Comparato no debate de 16/4 no IF |
Os professores Fábio Konder Comparato (FD), Gerhard Malnic (ICB) e Maria Victoria Benevides (FE) participaram, em 16/4, do debate sobre o tema “A Ditadura militar morreu?”, que marcou o lançamento da edição 44 da Revista Adusp, no auditório Abrahão de Moraes do IF. O debate foi coordenado pelo professor João Zanetic (IF).
Primeira a falar, Maria Victoria destacou a frase “A Ditadura, embora dada por morta, recusa-se terminantemente a ser enterrada”, que consta do editorial da revista. “Que significa isso? Estamos numa Ditadura? É claro que não, no sentido da derrocada de um regime claramente autoritário, em determinados momentos mesmo com aspectos totalitários, como a época do AI-5. E temos hoje as garantias importantíssimas da liberdade de expressão, de associação, as eleições etc. Mas o que a revista destaca muito bem, nos seus vários artigos, é que esta democracia se esgota nos seus aspectos políticos, que são essenciais, mas não são suficientes para que possamos falar em democracia”.
Ela disse discordar de colegas cientistas políticos que acreditam que se vive hoje, no Brasil, em regime de plena democracia. “Entendemos plena democracia como muito mais do que isto que está aí, inclusive em termos políticos. Queria enfatizar o que a própria revista levanta, a começar pelo papel que continuam tendo as Forças Armadas, muito além do seu papel constitucional, no sentido de que em diversos momentos os três comandos das Forças Armadas, apoiados pelo Ministério da Defesa, se consideram acima da Constituição. É preocupante perceber não apenas como elas ainda têm poder, mas como ainda é grande o temor que elas inspiram. Sabemos como o medo pode ser fatal numa democracia”.
Nos governos civis pós-1985, disse Maria Victoria, houve muitas nomeações de militares que praticaram, na Ditadura, “ações que podemos chamar de terrorismo de Estado, e que foram agraciados com cargos em ministérios, órgãos públicos, embaixadas”.
A professora criticou os pareceres da Advocacia-Geral da União que eximem os torturadores de processos judiciais. “Não há democracia sem respeito e garantias aos direitos humanos. Portanto, sob muitos aspectos, infelizmente, a Ditadura continua. Por isso, temos que continuar lutando”.
“Subversão” na FM
O professor Malnic centrou sua exposição na questão das perseguições ocorridas na Faculdade de Medicina. “Quando li esta revista, me chamou obviamente atenção um capítulo sobre uma homenagem que a Faculdade de Medicina fez a oito professores exonerados, ou cassados, ou aposentados, não sei qual é o título exato que a gente deve dar, mas que foram expulsos e ficaram sem reconhecimento real do que aconteceu com eles de 1964 e 1968 praticamente até hoje. E como eu conheci muitos deles, e fui admirador, continuo sendo admirador, de muitos deles, do ponto de vista de sua coragem, mas também de sua capacidade científica, eu gostaria de lembrar a vida de alguns deles, que me deixou profundas marcas”.
Malnic assinalou a cumplicidade de civis, pertencentes aos quadros da USP, nas perseguições: “Isto aconteceu na Faculdade de Medicina, e sabe-se que muito provavelmente por ação de vários membros, professores, desta faculdade, e atingiu um número considerável de pessoas, muito mais do que os oito declarados eméritos”.
O professor destacou aspectos das trajetórias acadêmicas, anteriores e posteriores ao golpe militar de 1964, de Alberto Carvalho da Silva, que foi seu orientador de doutorado; de Samuel Barnsley Pessoa, Isaias Raw, Erney Plessmann de Camargo, Luiz Hildebrando Pereira e Luiz Rey.
Ele também elogiou a coragem do professor José Moura Gonçalves, o qual, quando diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, recusou-se a permitir perseguições: “‘Não aceito isso’, ele disse, ‘só sobre o meu cadáver. Ninguém vai entrar na Faculdade para procurar gente culpada de coisas políticas’. E isso deu certo”.
Ação da oligarquia
“O regime militar brasileiro, autoritário, foi na verdade manifestação de uma doença muito mais grave e persistente, que é a oligarquia”, afirmou o professor Comparato. “É uma das manifestações mais repugnantes da oligarquia”, frisou.
“No Brasil, o poder supremo sempre pertenceu ao grupo econômico mais abastado, em ligação estreita com as autoridades políticas e burocráticas. Não se pode dizer que o poder supremo estivesse com os governadores que vinham da metrópole, o imperador, os presidentes da República e o aparato burocrático, sem essa consideração dos proprietários e empresários. Isso é importante de se considerar porque sempre houve conflitos internos entre os oligarcas”.
Ainda segundo o professor, “os conflitos entre os principais grupos da oligarquia estão na origem de todas as crises e mudanças políticas que nós conhecemos desde a época colonial”, nas quais “o estamento militar sempre representou o papel politicamente decisivo”. Assim, prosseguiu, ora esse estamento “atuou dentro do Estado, contra o setor econômico dominador em decadência”, como ocorreu em 1930; ora “se bandeou inteiramente para o lado dos grandes proprietários e empresários”, como em 1964.
“Se as Forças Armadas continuam a exercer esse poder de arbitragem dos conflitos entre os oligarcas é uma questão suscetível de debate. A meu ver continuam a exercer, mas de modo mais discreto. Porém, a dominação oligárquica permanece inabalável. Ela pode mudar a sua organização interna, mas continua a mesma. Significa que o grande ausente na história do Brasil é o povo. O povo sempre permaneceu afastado das instâncias de poder, nunca participou das grandes decisões políticas”.
Controladores de vôo
Roberto Sobral, advogado da Federação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo (Febracta), veio de Brasília especialmente para denunciar, no debate, a situação dessa categoria profissional, retratada na edição 44 da revista. Diversos controladores, sargentos e suboficiais da Aeronáutica, foram expulsos ou condenados a penas de prisão em razão da greve de 2007 ou por críticas às condições de trabalho. “O Ministério Público Militar não serve para nada. E a Justiça Militar é uma excrescência, é um tribunal de exceção”, disse Sobral, que entregou ao professor Comparato um dossiê sobre a questão.
Várias outras pessoas também se manifestaram. Docentes, estudantes e representantes de entidades de defesa dos direitos humanos compuseram o público. Ao final, houve um coquetel de congraçamento.
Matéria publicada no Informativo nº 279
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