Terminou apenas em maio de 2015 o processo administrativo disciplinar instaurado pelo então reitor J. G. Rodas em 7/11/2013, com a finalidade de apurar condutas praticadas pelo professor José Jorge Boueri Filho quando diretor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no caso do “depósito de terra com entulho, aparentemente contaminada, e sem certificações de origem nas dependências da Unidade, sem consentimento prévio dos órgãos responsáveis pela gestão do campus e sem processo de aquisição que tenha observado os ditames da Lei Federal n° 8.666/93”.

No dia 2/7/2015, o reitor M. A. Zago acolheu, em parte, as conclusões da Comissão Processante Disciplinar, ao entender que o ato praticado por Boueri “deve ser considerado como de maior gravidade”, na medida em que o então diretor da EACH “autorizou a utilização de considerável volume de terra não certificada no campus da EACH”, e isso mediante a ausência de requisitos fundamentais, tais como: “procedimento licitatório ou de dispensa ou de declaração de inexigibilidade”; “contrato formal, escrito”; e “a falta de comunicação aos órgãos administrativos e ambientais para formalizar e obter as autorizações necessárias”.

O reitor reconheceu, ainda, que tais condutas “desencadearam significativa perturbação para o desenvolvimento dos serviços admi­nis­trativos da EACH, com a inter­dição daquele campus, suspensão das aulas e posterior transferência dos alunos para locais externos”. Porém, diferentemente da Comissão Processante Disciplinar, que recomendou suspensão de Boueri por trinta dias, M.A. Zago — baseando-se não apenas no relatório final da comissão, mas também no parecer 1960/2015 da Procuradoria Geral da USP (que a Reitoria não repassou à Adusp) — aplicou ao responsável pelo aterro clandestino com terras contaminadas a penalidade de suspensão por cento e vinte dias.

O relatório final da Comissão Processante Disciplinar cita o artigo 253 do Estatuto do Servidor Público (ESP), primeiro ao afirmar que “a demissão é aplicável nos casos de abandono do cargo, procedimento irregular de natureza grave, ineficiência no serviço, aplicação indevida de recursos públicos ou ausência injustificável do serviço”, depois ao concluir que tais hipóteses “não calham à responsabilidade ora apurada, isso porque para se aplicar a pena de demissão há que se identificarem no mínimo indícios de conduta dolosa, o que, já demons­tra­mos, não se teve sequer indicado nos autos”.

A comissão, formada pelos professores Flávio Luiz Yarshell (presidente), Floriano Peixoto de Aze­vedo Marques Neto e Fernando Rei Ornellas, entendeu que “à luz do apurado” dever-se-ia aplicar a pena de suspensão prevista no artigo 253, §2º do ESP; e que, “levando em consideração a propor­cio­na­lidade na dosimetria da sanção e o fato de ser o representado [Boueri] primário”, que fosse fixada em trinta dias.

Não obstante, o relatório admite que as condutas do então diretor foram tão graves que confi­guram dolo eventual: “embora não tenha havido propriamente dolo, entendido como condição volitiva subjetiva de violar os deveres, as condutas do  representado se aproximam de uma conduta preterdolosa [sic], pois que assumido o risco das consequências de omitir providências das quais deveria ter consciência do seu caráter vinculante”. Portanto, conti­nua o relatório, “o dolo eventual, ainda que não suficiente para caracterizar responsabilização por improbidade, parece suficiente para ensejar a pena de suspensão”.

Custos elevados

As improbidades cometidas geraram custos imprevistos, tanto para a análise química e de risco ambiental da terra recebida ilegalmente como de tapumes para cercar o terreno. Depois de conhecida a extensão da contaminação, a USP ainda deve gastar milhões de reais com a reparação ambiental. Some-se a isto o risco potencial à saúde dos frequentadores do campus, o imenso transtorno provocado pela interdição do campus por um semestre e a destruição da mata numa área de proteção ambiental permanente.

A maior parte do aterro de 109 mil m³ de terra e entulho ocorreu de janeiro a outubro de 2011, executado por duas empresas de demolição: Ratão e Formosa.

A comissão concluiu que a terra transportada pela empresa Formosa tinha certificação de origem. A apuração atesta que logo no início a professora Rita de Cassia Giraldi avisou a Boueri, por e-mail, que o aterro era irregular. Revela, ainda, que outras autoridades da USP deveriam ser investigadas por conivência com o que ocorria, como indica o depoimento de Boueri: “Que após ter recebido e-mail da professora Rita cessou a vinda de material para o campus; que em fevereiro de 2011 foram solicitadas à Coesf [Coordenadoria do Espaço Físico, atual Superin­tendên­cia do Espaço Físico] informações acerca da situação ambiental; a resposta só veio no mês de novembro 2011 […] que em junho de 2011 se reuniu com o professor Sidnei [Colombo Martini, então prefeito do campus] e o assistente técnico de apoio aos Órgãos Centrais, oportunidade em que foi autorizado a terminar o trabalho”.

Coincidentemente, junho de 2011 foi o mês em que Boueri recebeu notificação do diretor do Parque Ecológico do Tietê, responsável pela área, exigindo a paralisação do aterro. Depois desta notificação a deposição de terra foi suspensa, mas Boueri teria conseguido do prefeito da Cidade Universitária (à época, como ainda hoje, responsável formal também pelo campus da EACH) autorização para continuidade do aterro.

A defesa de Boueri procurou escudar-se nos problemas ambientais e estruturais históricos da EACH e no notório descaso da USP para com eles. Fez questão de mencionar que haveria “prévio conhecimento, pela USP, desde 2004 […] sobre contaminação de solo e lençol freático e altas concentrações de gás metano no subsolo do terreno”; e que o Minis­tério Público Estadual propôs ação civil pública pois “as edificações foram construídas sem as licenças ambientais pertinentes e até o momento [fins de 2013] nenhuma medida eficiente foi realizada pela USP”.

A Comissão Processante Disciplinar descartou a declaração do ex-diretor de que presumiu que a terra transportada pela empresa Formosa fosse certificada, por supostamente ter origem no Ibirapuera: “só alguém que jamais tivesse visitado aquele aprazível Parque para imaginar [ser] possível de lá serem retirados quase 110 mil m³ de terra, correspondentes a quase 200 caminhões por dia”.

POSIÇÃO DA DIRETORIA

Aos amigos, a lei

A suspensão de 120 dias é uma sanção que não condiz com a gravidade do caso e das condutas do então diretor da EACH. A mesma Reitoria que, a pretexto de ausência de dolo, deixa de demitir o responsável por um crime ambiental de proporções ainda não inteiramente conhecidas, que violou diversas leis e o Estatuto do Servidor Público (ESP), dispõe-se a processar e expulsar estudantes por falarem em voz alta nas reuniões do Conselho Universitário.

A penalidade aplicada desqualifica, assim, os processos administrativos disciplinares realizados pela USP. Vale lembrar, a respeito da alegada primariedade de Boueri, que o ESP relaciona a penalidade à infração, sem levar em conta os antecedentes. Portanto, a primariedade não deveria ser entendida como atenuante ou óbice à demissão.

Boueri declarou à Comissão Processante Disciplinar que o trabalho realizado pelas empresas demolidoras foi de “limpeza do mato e colocação de terra”. Assim, esse Professor Titular e ex-diretor de uma unidade que oferece um curso de gestão ambiental revelou que não compreende a importância da Área de Proteção Ambiental Permanente na qual a unidade que dirigia está inserida: para ele, a mata era apenas sujeira que deveria ser retirada para dar lugar ao aterro.

Informativo nº 403

EXPRESSO ADUSP


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