Segurança
A falácia do “policiamento comunitário”
A brutal repressão policial ocorrida no dia 7/3/17 na USP colocou em evidência o papel do “policiamento comunitário” da Cidade Universitária, a cargo da Polícia Militar desde a gestão de J.G. Rodas, que em 8/9/11 firmou um convênio com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) com vistas a ampliar a presença policial no principal campus da USP. Esse convênio, que teria a duração de cinco anos, previa a realização de “policiamento comunitário participativo”, no qual 30 policiais militares patrulhariam a Cidade Universitária em carros e motos, e a instalação de duas bases móveis da PM.
Depois de quatro anos, em 9/9/15, um novo convênio de policiamento comunitário foi firmado entre a USP e a SSP, agora baseado no documento intitulado “Proposta de um projeto de Universidade Segura com aproveitamento do Sistema Koban”.
Segundo o site da PM, no sistema Koban “os policiais são fixados em territórios delimitados, passando a fazer parte integrante da comunidade e exercendo uma polícia de defesa da cidadania em estreita parceria com a própria comunidade”, tendo como diretrizes “o respeito aos princípios dos Direitos Humanos, norteando os serviços de polícia em conformidade com as expectativas da comunidade, sendo necessária a participação dos cidadãos, além de entidades públicas e privadas, na identificação e resolução rápida dos problemas ligados à segurança”.
O convênio de 2015 prevê que os policiais militares lotados no policiamento comunitário sejam escolhidos de forma criteriosa, “adotando-se como parâmetros o voluntariado, a resiliência emocional, aceitabilidade e compreensão do desafio e, preferencialmente, o fato de serem estudantes universitários”.
Ainda segundo o documento, “os policiais militares designados para trabalhar na USP não serão empregados em intervenções policiais-militares, envolvendo alunos, professores e servidores, como o cumprimento de mandado judicial de reintegração de posse”. Isso contradiz frontalmente as ações tomadas em 7/3, quando os soldados do “Koban”, presentes no cotidiano da universidade, apoiaram as ações do pelotão de choque da Força Tática, agrediram muitos manifestantes e detiveram vários deles. Foi o caso da educadora Nani Figueiredo, de outros manifestantes conduzidos ao Hospital Universitário (HU) e de uma jovem funcionária que passou mal em frente à Reitoria depois que o tenente PM Telles, também do “Koban”, espirrou um jato de spray de pimenta diretamente no rosto dela.
Espionagem
O estudante Fernando Magarian (ECA), detido no HU, onde acompanhava seu colega Franciel de Souza, ferido na cabeça, acredita que a real finalidade do policiamento comunitário dentro da USP é a espionagem política. “O policial que veio me dar voz de prisão veio ‘apavorando’, dizendo que sabia quem eu era, me via pelas câmeras, sabia as camisetas que eu usava. É um trabalho de espionagem, pois eles estão lá, no dia a dia, sabendo o que está acontecendo nos movimentos políticos, conhecendo a gente, para ter condições de reprimir mais nos momentos de tensão”.
Procurada pelo Informativo Adusp, a SSP informou que o efetivo atual no interior da USP é composto por 56 policiais militares, a maioria dos quais “passou por um treinamento, em 2015, e, em janeiro de 2016, foi habilitada no Curso de Policiamento Comunitário Universitário ministrado por oficiais da PM”. Ainda de acordo com a SSP, o policiamento comunitário baseado no Sistema Koban “teve adaptações para a realidade estudantil com o auxílio da Comissão de Direitos Humanos da USP”.
A professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (FFLCH), ex-superintendente de Prevenção e Proteção da USP, define como “tragédia anunciada” os episódios de 7/3. “A atual gestão reitoral desejava, há muito tempo, tomar essa atitude e fazer dela uma demonstração de força e poder. Escolheu, a dedo, o momento de tomá-la: uma reunião do Co em que um projeto impactante para a USP estava em pauta. Projeto mal conhecido e discutido pela imensa maioria da comunidade acadêmica, mas, de antemão, apoiado por um pequeno número de conselheiros suficiente para aprová-lo no elitizado Co. Triste dia para a democracia uspiana e vitória, sem dúvida, de acordos de bastidores garantidos pela força bruta (por isso mesmo ilegítimos)”.
“Quanto à Polícia Militar”, prossegue a professora, “há muito tempo ela nem deveria mais existir nos Estados brasileiros. A USP deveria ser um dos centros mais críticos a essa desastrosa herança do regime ditatorial-militar e mais propositivos de alternativas ao modelo atual que, como todas as estatísticas apontam, mais perpetua e acirra múltiplas formas de violência do que as combate”.
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