Defesa da Universidade
Entidades lançam na Alesp frente de defesa das instituições de pesquisa, ciência e educação
Representantes das associações e sindicatos que compõem o Fórum das Seis participaram da sessão de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão, realizada na Alesp. Servidores das organizações denunciaram os projetos de precarização e privatização dos serviços e chamaram para a participação na greve nacional da educação no dia 15/5
A denúncia dos ataques sofridos pelas instituições públicas de pesquisa, educação, ciência e tecnologia e a defesa da necessidade de atuação conjunta para barrá-los foram a tônica da sessão de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão, realizada no dia 8/5 na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A coordenação da frente na Alesp é da deputada Beth Sahão (PT), para quem é preciso “defender essas instituições que promovem grandes descobertas na área da ciência”. Cerca de 30 parlamentares de diversas bancadas da casa apoiam a iniciativa.
O ato lotou o auditório Paulo Kobayashi, que recebeu servidores de institutos de pesquisa e representantes de sindicatos de docentes universitários e associações profissionais, além de lideranças do movimento estudantil e de diversas organizações da sociedade.
No entender do professor Wagner Romão, presidente da Adunicamp e coordenador do Fórum das Seis, é preciso haver “a consciência de que os setores de ciência e tecnologia, de educação superior e as universidades públicas no Brasil estão sofrendo o maior ataque de sua história”. “Se não estivermos atentos, unidos, fortes e coesos para resistir, vamos fracassar, porque os setores que nos atacam estão vindo com uma força com a qual nunca vieram”, alertou.
“Acredito que este é um espaço em que podemos mostrar à sociedade e a esta casa para quê servem a pesquisa e o conhecimento”, declarou no lançamento a vice-presidenta da Adusp, professora Michele Schultz Ramos, que havia assistido à sessão da CPI das universidades realizada antes do lançamento da frente parlamentar. A seu ver, na reunião da comissão os deputados demonstraram “um enorme desconhecimento do papel dos institutos de pesquisa e das universidades”.
Ros Mari Zenha, representante dos servidores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), destacou que é fundamental valorizar todas as instituições do sistema paulista de ciência, tecnologia e inovação. “Hoje estamos todos aqui defendendo não uma instituição isoladamente, mas um sistema robusto e bem estruturado que pertence ao povo paulista e contribuiu com São Paulo em muitos momentos históricos. A contribuição dessa massa crítica é enorme, e isso não pode ser destruído”, ressaltou.
Raquel Mello, da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), citou os cortes no orçamento das universidades e de bolsas das agências de fomento. “Nós, pesquisadores e cientistas, não temos a opção de não lutar. O investimento em ciência, tecnologia e inovação é fundamental para a soberania do país”, afirmou. Raquel foi uma das oradoras a lembrar a importância da participação dos movimentos e entidades na greve nacional da educação, convocada para a próxima quarta-feira (15/5) em todo o país.
A mesma conclamação foi feita por Mariana Moura, do grupo “Cientistas Engajados”, para quem os ataques à ciência, à pesquisa e à educação “têm o objetivo de inviabilizar o Brasil como país independente”. “Como resultado dessas políticas, cada vez mais exportaremos insumos a preço de banana e importaremos tecnologia a peso de ouro”, protestou.
Priscila Leal, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SINTPq), ressaltou a preocupação com a precarização crescente da mão de obra no sistema e também na educação pública do Estado. Já Allen Habert, representante do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), apontou a importância da união dos profissionais das instituições para “ganhar a batalha das ideias e das ruas” na defesa do investimento público no setor.
Expansão das universidades requer financiamento correspondente
Romão afirmou que “os próprios elementos da civilização estão sendo atacados pelo governo Bolsonaro”. A reforma da Previdência, focada no modelo de capitalização individual, altamente atrativo para os bancos e o mercado financeiro, é um exemplo. Se a reforma não for rechaçada, considera, “veremos nos próximos anos o fim da seguridade social e vamos viver uma hecatombe social e econômica no país”. O governo paulista, com João Doria (PSDB), por sua vez, “também está fortemente comprometido com a agenda de vender as universidades, acabar com os institutos de pesquisa e privatizar tudo para o mercado”, apontou.
O coordenador do Fórum das Seis defendeu a expansão das universidades públicas estaduais, mas chamou a atenção para o fato de que é preciso prover recursos para financiá-las. “Queremos ter mais alunos, mais pós-graduação, mais pesquisa, mais ciência e tecnologia e muito mais extensão, como hospitais universitários, por exemplo, mas precisamos de funcionários e professores para dar conta dessa expansão. Do contrário, não vamos ter condições de abrigar os estudantes e tudo aquilo que a sociedade paulista e brasileira requer das universidades públicas”. De 1995 até 2017, USP, Unesp e Unicamp praticamente dobraram a quantidade de alunos de graduação, embora tenham perdido docentes e servidores técnico-administrativos.
Para o professor, é preciso deixar claro que o montante de 9,57% da cota-parte do ICMS destinado ao financiamento das universidades públicas na verdade representa bem menos do que parece, porque o cálculo é feito em cima dos 75% destinados ao Estado, já descontados os 25% que cabem aos municípios – além de outros descontos em alíneas referentes a programas habitacionais, dívida ativa, multas, programa da Nota Fiscal Paulista etc. Além disso, o governo estadual tem adotado uma política de desonerações e renúncia fiscal que, só no ano passado, significou abrir mão de cerca de R$ 24 bilhões. “Temos que nos insurgir contra isso”, afirmou.
Defesa da gratuidade e do financiamento público das instituições públicas
A vice-presidenta da Adusp lembrou que o sistema universitário brasileiro é muito mais novo do que o existente nos países mais desenvolvidos, que em alguns casos possuem instituições com várias centenas de anos de existência: “Com todos os problemas que temos nas universidades públicas, conseguimos concorrer com universidades seculares, que ajudaram a formar as sociedades do hemisfério Norte”.
A docente abordou as iniciativas de privatização que vêm se dando nas universidades públicas, com a ampliação dos cursos pagos e da atuação das fundações privadas ditas “de apoio”. No caso da USP, citou, há situações como o contrato celebrado, na gestão do reitor M.A. Zago, com a consultoria McKinsey&Company, que resultou em projeto capitaneado na época pela hoje titular da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen.
Ao mesmo tempo em que avançam as propostas privatistas, são anunciados cortes nos investimentos, inclusive na concessão de bolsas, e crescem as ameaças em relação às políticas de ação afirmativa. “Mais do que nunca, precisamos defender as instituições públicas, com financiamento público para a pesquisa, e a gratuidade para a universidade pública de qualidade”, afirmou Michele, que é a representante da Adusp na Frente Parlamentar.
Ros Mari, por sua vez, enfatizou que a pesquisa produzida nos institutos públicos não visa diretamente ao mercado. “Isso não significa que não possamos trabalhar com ele – o próprio IPT apoia o setor produtivo privado e estatal. Temos a obrigação de fazer isso, mas o horizonte da nossa pesquisa não é imediatista e de mercado”, afirmou. “O conhecimento produzido pelo sistema de ciência, tecnologia e inovação do Estado tem grande riqueza, cujo objetivo tem que ser a melhoria do bem comum.”
A representante do IPT defendeu que é preciso valorizar os profissionais que constroem o sistema, citando o papel fundamental do Estado, nos países capitalistas avançados, para a formação dos pesquisadores. Cortar investimentos nessas instituições e precarizar suas atividades significa ameaçar vidas, disse Ros Mari — utilizando o exemplo do próprio IPT, cujo trabalho inclui monitoramento e vistorias em áreas de moradias precárias, com ações e alertas para remoção de populações em risco.
Foto: Daniel Garcia |
Jessy Dayane, vice-presidente da UNE |
“Vamos levar essa disputa para as ruas”
Após a fala dos oradores convidados, a participação foi aberta para o público. Uma das manifestações foi a da vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Jessy Dayane, que informou que havia cerca de 50 assembleias de estudantes previstas em universidades do Brasil inteiro naquele mesmo dia para organizar a resistência e a participação nos atos do dia 15/5. “Não podemos perder a oportunidade de enfrentar nas ruas, em unidade, esse ataque à educação pública no Brasil”, disse. “Trata-se de um ataque à soberania, à independência e à autonomia do nosso país por meio de um projeto de caráter antinacional, antidemocrático e antipopular.”
Para Jessy, “a universidade é majoritariamente defensora do desenvolvimento nacional, da soberania e da democracia”, mas precisa conquistar a população. “Temos que ir às ruas para defender esse patrimônio que é do povo brasileiro, em especial do povo mais pobre. Eu sou fruto da democratização da educação superior: filha de empregada doméstica, mulher e negra. Muitos de nós que entramos não vamos aceitar ser expulsos. Vamos levar essa disputa para as ruas para defender a educação pública, que é nossa.”
Também se manifestaram na reunião o ex-deputado estadual Carlos Neder (PT), a deputada Monica Seixas (PSOL) e o vereador Eduardo Suplicy (PT). A frente parlamentar terá uma agenda permanente de encontros e atividades. A próxima reunião será realizada no dia 12/6 na Alesp.
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