Defesa da Universidade
Serem “veladas” pelo Ministério Público é “o preço que as fundações pagam” por gozarem “de inúmeras imunidades tributárias”, afirma diretor da FUSP
Em depoimento à CPI das Universidades, o diretor-executivo da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo, Antonio Vargas de Oliveira Figueira, desfiou um grande rol de “virtudes” e “qualidades” das fundações privadas ditas “de apoio”, que “mobilizam recursos humanos e materiais” para que a universidade possa cumprir as suas finalidades. Figueira reconheceu que a terminologia aplicada às entidades causa “muita confusão” e ressaltou que um dos grandes problemas enfrentados em São Paulo é que a lei federal que dispõe sobre elas “não foi regulamentada” no estado
Marcos Santos/USP Imagens |
Sylvio Accioly apresentou números sobre pesquisas da USP |
O diretor-executivo da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), Antonio Vargas de Oliveira Figueira, repetiu diversas vezes aos poucos deputados presentes à reunião da CPI das Universidades da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) nesta segunda-feira (16/9) que não há repasse de recursos orçamentários da USP para a fundação privada e que a FUSP “não repassa nem paga nenhum tipo de recurso financeiro para dirigentes da USP”. O próprio Figueira, docente do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), afirmou que não recebe vencimentos da FUSP, na qual trabalha pro bono.
Marcos Santos/USP Imagens |
Apenas três deputados acompanharam as explanações dos professores |
Os questionamentos sobre repasses da universidade a fundações já haviam sido feitos na primeira parte da sessão, quando foi ouvido o pró-reitor de Pesquisa da USP, Sylvio Accioly Canuto. Como o pró-reitor alegou não conhecer os trâmites desses convênios, a procuradora Cristiana Araújo Lima, da Procuradoria-Geral da USP, presente à reunião, respondeu aos deputados. “Não há repasses da USP para a fundação. O Tribunal de Contas do Estado [TCE] tem o entendimento de que a USP é partícipe nos convênios pelo fato de a FUSP usar o nome USP, mas [a universidade] não repassa em nenhum momento verbas para a fundação”, disse.
De acordo com a procuradora, “uma taxa do convênio firmado entre a fundação e uma empresa privada em que existe a USP como partícipe é direcionada à USP, pelo fato de se usar a tecnologia e o conhecimento da USP”. “Mas não sai nenhuma verba pública por convênio da USP para a FUSP”, repetiu.
Figueira e Canuto foram ouvidos numa sessão esvaziada, com a presença de apenas três dos nove integrantes da CPI: seu presidente, Wellington Moura (Republicanos), a relatora, Valeria Bolsonaro (PSL), e a Professora Bebel (PT). Por falta de quórum, as oitivas foram consideradas “informais”. A Professora Bebel solicitou a Moura que nas próximas semanas as reuniões ocorram às terças e quartas. As segundas-feiras, reconheceu o presidente, “são dias difíceis” porque muitos parlamentares estão “retornando de suas bases”.
Carla Morando (PSDB), vice-presidenta da comissão, não compareceu pela segunda vez seguida à CPI. Na quarta-feira da semana passada (11/9), dia seguinte à publicação de notícias desfavoráveis ao seu marido, Orlando Morando (PSDB), prefeito de São Bernardo do Campo, a deputada também não apareceu. De acordo com balanço da operação “Prato Feito”, da Polícia Federal, o prefeito participou “nos crimes de fraude à licitação e corrupção passiva, com indícios de desvio de recursos públicos federais de contratos de alimentação para escolas, hospitais públicos municipais e Fundação ABC”.
A próxima reunião da CPI ocorre nesta quarta-feira (18/9), com a oitiva do professor João Batista de Miranda, diretor-executivo da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp).
“Manual Básico do TCE causa confusão”
Aos deputados, Antonio Figueira disse que a FUSP “é uma entidade privada, sem fins lucrativos, fundada em 1992 por ‘pessoas naturais’ [particulares]” e que sua principal missão “é proporcionar à USP os meios necessários para mobilização de recursos humanos e materiais para cumprir as necessidades das finalidades da USP, que são ensino, pesquisa e extensão”. A fundação, prosseguiu, “faz a interface entre a USP, a iniciativa privada e as entidades públicas e instituições internacionais” e “proporciona celeridade nos processos de aquisição de bens e serviços”.
Figueira ressaltou que “um fator extremamente importante é que as fundações são veladas pelo Ministério Público [MP]”, o que representa “o preço que se paga” pelo fato de que “elas gozam de inúmeras imunidades tributárias”. De acordo com o diretor da FUSP, o promotor responsável pelo acompanhamento das fundações no MP-SP, Airton Grazzioli, está se aposentando exatamente neste mês.
Do ponto de vista jurídico, Figueira registrou que “um dos grandes problemas” para as fundações em São Paulo é que a lei 8.958/94, voltada para fundações ditas “de apoio” em âmbito federal, “não foi regulamentada no estado de São Paulo, então a gente não consegue segui-la exatamente”. “De qualquer forma, a existência e as atividades de apoio que cabem às fundações estão previstas nessa lei”, afirmou, enfatizando ainda que o novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (lei lei 13.243/2016) “reforçou isso”. “A FUSP não precisa fazer o credenciamento federal, mas há dois anos, por conta da regulamentação dada pelo decreto 62.817/17, fez o credenciamento na Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado”, completou.
Na avaliação de Figueira, “há muita confusão na denominação e classificação” dessas entidades. De acordo com um manual básico publicado pelo TCE, as fundações seriam de três espécies: a “típica”, a “de apoio” e a “conveniada”. “Nessa classificação do TCE, seríamos uma fundação conveniada, que não é instituída e tampouco mantida pelo poder público. Essa terminologia às vezes causa confusão inclusive entre os agentes que fazem a fiscalização do tribunal”, disse.
“Tanque de Provas Numérico é um orgulho”
De acordo com Figueira, o orçamento da FUSP em 2018 ficou em cerca de R$ 9,8 milhões, com recursos gerais administrados da ordem de R$ 135 milhões. Em 2018, foram transferidos para a USP R$ 4,2 milhões em taxas, “além de equipamentos e bens doados, perfazendo um total de cerca de R$ 10 milhões”. A fundação também financiou 686 bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doc. A FUSP tem 177 funcionários, 140 trabalhando diretamente nos projetos nos diferentes câmpus da USP e os demais em funções administrativas na sede.
O diretor citou, entre os “parceiros” da FUSP, empresas como Shell, Petrobras e Natura, além de instituições como a Fundação Ford. “Todo projeto tem que ter envolvimento da USP. Não fazemos projeto direto com outros financiadores. A contrapartida que a fundação recebe para fazer a gestão é limitada a 10% nesse acordo de cooperação com a USP, embora o decreto estadual permita até 15%”, afirmou.
Entre os projetos realizados na universidade, Figueira mencionou exemplos como o “Pequeno Cidadão”, em São Carlos, o “Smile Train”, no Hospital de Reabilitação de Anomalias Cranofaciais (HRAC) de Bauru, e iniciativas na área cultural, como participação na construção da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Cidade Universitária. Citou ainda o Tanque de Provas Numérico (TPN), na Escola Politécnica. “Convido os nobres deputados a visitá-lo. Esse lugar é um daqueles em que você sente orgulho de estar dentro da USP e dentro de São Paulo”, disse, sem esconder o ufanismo.
“O pior controle que existe é o colega de departamento”
A deputada Valeria Bolsonaro questionou Figueira sobre a ausência de docentes em sala de aula, uma das perguntas que faz a todos os representantes das universidades que comparecem à comissão. A seu ver, o problema teria a ver, entre outras razões, com atividades realizadas pelos docentes em projetos ligados às fundações privadas. “O número de denúncias tem sido muito grande e muito forte. Há alunos que depois de seis meses dentro da universidade ainda não conhecem o professor fisicamente”, apontou.
Figueira respondeu que os professores em RDIDP só podem realizar outras atividades em períodos de oito horas por semana e com autorização da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT). “Na FUSP, sou auditado pelo MP, pelo TCE e por uma auditoria externa. Mas o pior controle que existe é o colega de departamento. Nenhum colega vai deixar você não dar aula para fazer um projeto para você ganhar alguma coisa. Isso é pior do que vizinho que cuida da sua vida”, comparou, em tom de brincadeira.
Wellington Moura perguntou então sobre a existência de sindicâncias que apuraram a existência de convênios da FUSP com empresas que tinham participação de docentes da universidade. Figueira afirmou que ocorreram casos isolados há alguns anos e justificou invocando o fato de que “no ambiente de inovação tecnológica muitas vezes os alunos formam uma startup e o docente participa da abertura dessas empresas”. De acordo com o diretor, nos casos citados os professores não fazem mais parte das empresas, “e até onde eu soube os professores tiveram que prestar esclarecimentos em sindicância da universidade”. “Isso foi detectado, houve uma alteração estatutária da fundação e hoje é proibida a contratação de empresa de docente”, garantiu. Moura rebateu dizendo que a CPI vai requisitar que a USP forneça cópia dessas sindicâncias.
“Continuidade do financiamento leva ao sucesso”
Na primeira parte da sessão, o pró-reitor Sylvio Canuto fez uma exposição sobre o cenário da pesquisa na USP, procurando abordar algumas questões que os deputados já haviam levantado em reuniões anteriores sobre o financiamento dos trabalhos. Ressaltou que o crescimento da excelência das publicações na USP e nas universidades brasileiras de modo geral está relacionado à valorização da pesquisa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020. “A continuidade do financiamento é que leva ao sucesso”, defendeu.
Canuto também apontou que o Brasil precisa aumentar o percentual de doutores em relação à população – são apenas 0,2% de cidadãos com doutorado no país, contra 2% nos Estados Unidos, por exemplo. “É um número muito baixo em relação aos países que nós deveríamos almejar em ciência e tecnologia”, disse, ressaltando que é preciso também focar na qualidade, não apenas em quantidade.
As perguntas dirigidas ao pró-reitor mais uma vez evidenciaram o desconhecimento, por parte dos parlamentares, da rotina e dos procedimentos da academia. Canuto precisou repisar conceitos de financiamento de pesquisas e de produção e publicação de artigos. Também repetiu mais de uma vez que os valores das bolsas são fixos – e mesmo assim ficou a impressão, para o público que assistia à sessão, de que os deputados saíram sem ter clareza da diferença entre iniciação científica e pós-graduação.
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