Sandro Valentini, ex-reitor da Unesp, vai assessorar Patricia Ellen na Secretaria de Desenvolvimento Econômico

O ex-reitor da Unesp Sandro Roberto Valentini passou a exercer desde a última quarta-feira (17/2) o cargo de “Assessor II e a função de serviço público de Coordenador, junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo”. O vínculo tem prazo determinado, até o próximo dia 31/12, de acordo com o despacho que autoriza o afastamento da Unesp sem prejuízo de vencimento e das demais vantagens, assinado pelo reitor Pasqual Barretti e publicado no Diário Oficial do Estado no dia 13/2.
 

Valentini (à esq.) em reunião com o vice-governador Rodrigo Garcia
e Patricia Ellen em 2019

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), à qual estão vinculadas as três universidades estaduais, tem como titular Patricia Ellen da Silva, ex-diretora e sócia da consultoria internacional McKinsey&Company, com a qual a Reitoria da USP, durante a gestão do ex-reitor M. A. Zago (2014-2017), manteve tratativas sigilosas para a elaboração de um projeto canhestramente intitulado “USP do Futuro”.
 
Ao longo de sua gestão como reitor (2017-2020), Valentini reuniu-se várias vezes com a secretária para tratar das reformas administrativas propostas para “aliviar o desequilíbrio orçamentário e financeiro da Unesp”, como definiu numa das ocasiões, e manter a sua “sustentabilidade”.
 
Ainda que se confirme temporária, a transferência de Valentini para a SDE chama atenção por três motivos. O primeiro deles é que se trata de um cargo de terceiro escalão, inadequado para quem esteve à frente da reitoria de uma universidade pública. O segundo é que a SDE parece especialmente interessada em recrutar quadros das universidades públicas estaduais — sem que os objetivos dessa predileção estejam claros. O terceiro e último motivo é que a incorporação do ex-reitor à equipe de Patricia Ellen, ainda que momentânea, sugere a cooptação de alguém que fazia críticas públicas, ainda que pontuais, a aspectos importantes das políticas do governo João Doria (PSDB) para o ensino superior e a educação em geral.
 
No ano passado, o então reitor fez pronunciamentos eloquentes contra a tentativa do governo João Doria (PSDB) — ao qual acaba de se integrar — de confiscar o superávit das universidades com o projeto de lei 529/2020, encaminhado pelo Executivo à Assembleia Legislativa (Alesp).
 
“É dos superávits que as universidades constroem as suas reservas financeiras. E a reserva financeira é a base, o sustentáculo do modelo de financiamento, de autonomia de gestão financeira e patrimonial das universidades conquistada em 1989. Porque a nossa vinculação financeira se dá com um imposto totalmente sensível à atividade econômica. Quando temos crescimento econômico temos mais ICMS, e as universidades conseguem gerar e acumular essas receitas, essa reserva financeira. Para quê? Para fazer frente aos momentos de queda da arrecadação. Tivemos um período de queda de 2014 a 2016, em que, no caso da Unesp, R$ 600 milhões foram utilizados para manter a universidade viva e funcional”, disse num debate online promovido em setembro pelo jornal O Estado de S. Paulo a respeito dos efeitos do PL 529/2020.

“Quem hoje quer ser professor?”, indagou na CPI realizada pela Alesp em 2019

Em 2019, Valentini depôs por duas vezes aos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada na Alesp para investigar supostas irregularidades na gestão das universidades estaduais paulistas. Na segunda sessão a que compareceu, em outubro, afirmou que a crise que atinge as três universidades paulistas é conjuntural e estrutural. “Temos essa crise econômica ímpar que se arrasta há anos, em que o repasse do ICMS é menor e temos que utilizar nossas reservas, em convergência com a crise estrutural, que faz com que a universidade precise de uma parcela cada vez maior do orçamento para suportar a folha dos inativos. Em 1989, quando começou a vigorar a autonomia universitária, os inativos eram 7,5% da folha da Unesp e hoje são quase 40%”, apontou.
 
Afirmou também que o teto salarial dos docentes defendido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) poderia levar ao aviltamento da carreira e desestimular os jovens a ingressar nela. “Essa é uma situação que vai repetir o que aconteceu com os nossos colegas do ensino fundamental e médio. Eu sou da época em que as crianças brincavam de lousa, apagador e giz, porque se inspiravam em seus professores e professoras. Quem hoje quer ser professor? A carreira está aviltada, as escolas estão baleadas, não necessariamente no sentido figurado, e o professor apanha em sala de aula”, disse.
 
Valentini já havia abordado o tema na sessão anterior da CPI em que depôs, em junho, quando disse que as universidades resistiriam ao “aviltamento da carreira de professor de ensino superior […] no sentido de mostrar que a carreira, que já não é atrativa para os jovens, será ainda menos atrativa, enquanto professores que ainda poderiam trabalhar mais alguns anos vão pedir aposentadoria”. “É isso que queremos fazer com o sistema de ensino superior construído desde 1934?”, perguntou. Vale lembrar que todas as políticas públicas de educação de São Paulo — do ensino básico ao superior — no último quarto de século são de responsabilidade dos governos tucanos, no poder no Estado desde 1995.
 
Por outro lado, enquanto reitor da Unesp e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), Valentini não se distinguiu dos seus pares da USP e Unicamp em matéria de conservadorismo. Mostrou-se avesso ao diálogo com as categorias e manteve a postura do Cruesp de manutenção do arrocho salarial. A troca de mensagens com a coordenação do Fórum das Seis em maio de 2020 ilustra sua atitude inflexível no relacionamento com as lideranças sindicais.
 

“Apoio praticamente incondicional ao governo”

“Certamente essa nomeação tem a ver com a postura de apoio praticamente incondicional ao governo que ele teve durante toda a gestão”, avalia o presidente da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), João da Costa Chaves Junior, que relativiza as críticas de Valentini ao PL 529/2020 e as considerações feitas na CPI da Alesp. “Foi um reitor que fez o papel de uma pessoa do governo dentro da universidade, e não de uma pessoa da universidade no governo.”
 
Do ponto de vista desse “alinhamento bastante grande”, prossegue, “infelizmente não é surpreendente que o ex-reitor tenha sido nomeado para um cargo no governo”. Chaves considera que a gestão de Valentini tanto como reitor quanto como presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) foi “desastrosa”. “Na Unesp, instalou-se um clima de terror com a Comissão Permanente de Avaliação e os rebaixamentos de regime de trabalho de docentes que ocorreram no período”, afirma.
 
Também muito prejudicial para a universidade, ressalta, foi o compromisso assumido pela gestão para implantar uma espécie de “pacote de austeridade” em troca de antecipações financeiras feitas pelo governo — com “participação decisiva” da SDE, como ressalta o próprio site da Unesp — que permitiram, entre outras medidas, saldar em 2019 o 13º salário de 2018, que parte dos servidores não havia recebido. “Foi uma negociação que impôs condições muito ruins para a Unesp e que não passou pelo Conselho Universitário”, aponta.
 
Na avaliação do presidente da Adunesp, as posturas assumidas por Valentini em relação ao PL 529/2020 e à CPI das Universidades decorreram da pressão da comunidade acadêmica. “A CPI, especificamente, não foi uma ação direta do governo, mas um ataque feito por meio de seus aliados na Assembleia Legislativa. As acusações que a nortearam eram tão absurdas que não havia alternativa a não ser se posicionar contra elas”, diz.
 
O Informativo Adusp encaminhou algumas questões ao ex-reitor. Caso respondidas, esta matéria será atualizada.
 

EXPRESSO ADUSP


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