Conjuntura Política
Concessão do Petar, que governo do Estado quer impor sem debater com a população, ameaça trabalho de turismo de base comunitária no Vale do Ribeira
Falta de transparência, desconsideração das comunidades diretamente impactadas e dificuldades de participação no processo foram alguns dos problemas levantados na audiência pública sobre a concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), realizada nesta segunda-feira (22/11) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). “O projeto terá impactos negativos do ponto de vista social, econômico e ambiental”, disse na abertura da sessão o deputado Carlos Giannazi (PSOL), que convocou a audiência.
A minuta do edital de concessão, que abre concorrência internacional e prevê que a iniciativa privada fique com as operações de visitação do parque por 30 anos, foi publicada pelo governo do Estado no site da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) no dia 20/10. As contribuições devem ser feitas em planilha disponibilizada no próprio site e enviadas por e-mail até sexta-feira (26/11). Nesta quinta (25/11), às 17h, a SIMA realiza audiência pública em formato virtual sobre a concessão.
“O que mais me impressiona nesse processo em 2021? É ver, com todo o debate sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e a agenda climática, um projeto tão autoritário, tão sem transparência e sem inclusão da população”, disse na Alesp a arquiteta Ana Beatriz Nestlehner, mestranda em Planejamento Territorial, ex-diretora de obras de Iporanga, um dos municípios abrangidos pelo parque, e integrante do movimento Petar Sem Concessão.
De acordo com a arquiteta, 70% da população de Iporanga recebiam o Bolsa-Família, 75% são negros e pardos e 60% têm renda per capita menor do que meio salário mínimo por mês. As condições de infraestrutura do município são muito ruins, com dificuldades de acesso à Internet e mesmo de energia elétrica.
“Não tem como analisar 700 páginas de documentos e exigir que pessoas que não têm capacidade técnica e acesso à infraestrutura entreguem sugestões em planilha via portal online. Isso é uma completa exclusão pela tecnologia”, protestou Ana Beatriz.
O fato de a SIMA ter determinado o formato virtual para a única audiência pública agendada para debater o projeto também foi criticado por outra(o)s participantes da reunião, já que em muitas áreas simplesmente não há conexão à Internet ou redes de telefonia celular. O ex-vereador Benedito de Freitas convidou o governador João Doria (PSDB) a visitar a região e ver de perto o drama dos moradores. “Mas vá de carro, e não de helicóptero, para ver como é difícil a vida sem estradas”, disse.
Riquezas naturais atraem setor privado, mas população local é que sabe preservar
De acordo com Camila Mello, assessora do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira e membro da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone), o território, no sudeste do Estado, possui muitas riquezas naturais que atraem empresários e o setor privado. “Mas são as comunidades locais que sabem cuidar e preservar”, ressaltou.
Na sua avaliação, os estudos apresentados pelo governo estadual não possuem argumentação técnica e nem dados primários a partir da oitiva da(o)s moradora(e)s da região. “É necessário que se faça um estudo de viabilidade econômica correto e que sejam avaliados os impactos de médio e longo prazo de todas as instâncias”, defendeu. Camila apontou ainda que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e tribais a respeito de políticas que os afetem, pode ser invocada em relação às comunidades quilombolas, caboclas e caiçaras da região.
Um dos principais temores da comunidade é que os monitores, guias e donos de estabelecimentos que já atuam no turismo de base comunitária na região — conhecida internacionalmente pela riqueza ambiental e pelas cavernas, e que abriga cerca de 36 mil hectares de Mata Atlântica — sejam prejudicados com a operação de uma concessionária privada.
Jurandir Aguiar dos Santos, que aos 58 anos é o mais antigo guia do Petar e coordena uma agência de ecoturismo na região, ressaltou que são os monitores autônomos, e não as autoridades estaduais, que fazem a manutenção das vias, como estradas, trilhas e pontes. Na sua avaliação, o governo deveria dar atenção a quem já trabalha na região, em vez de pensar em privatização. Como resumiu o prefeito de Iporanga, Alessandro Mendes (PTB), “o governo está colocando essa concessão goela abaixo dos moradores”.
Paulo César Boggiani, docente do Instituto de Geociências (IGc) da USP e representante da Sociedade Brasileira de Espeleologia no Conselho Consultivo do parque, ressaltou que o Petar é um sucesso em termos de turismo, mesmo com as dificuldades de infraestrutura, graças ao trabalho dos monitores locais. O projeto de concessão apresentado pela SIMA foi elaborado por quem “não conhece o mínimo do que é aquela região”, disse Boggiani com a autoridade de quem frequenta o Petar há cerca de 40 anos.
“Há toda uma cultura e um conhecimento que estão sendo totalmente desrespeitados nesse processo. O conhecimento local tem que ser aproveitado”, prosseguiu. Além disso, as promessas feitas antes da apresentação da minuta — como a de que 70% dos empregos gerados com a concessão deveriam ser reservados a moradores da região — não constam da proposta. “A comunidade está contra porque não conhece o processo”, destacou, defendendo que é preciso cancelar o procedimento.
“Nada pode ser feito sem a consulta às comunidades”, reforçou José Antonio Ferrari, pesquisador científico do Instituto Geológico e professor colaborador do IGc. “Por que fazer um chamamento internacional para que um ente privado venha gerir o Petar? Existem outras alternativas e elas têm que ser construídas.”
Concessões trazem precarização do trabalho, considera deputado
No encerramento da audiência, o deputado Carlos Giannazi comentou que os monitores podem até vir a ser contratados pela concessionária, “mas ela vai precarizar e explorar vocês até o fim”, disse. “Quando acontecem essas concessões, vem junto a precarização do mundo do trabalho. É assim que funciona, infelizmente. Tenho visto isso desde 2007, no meu primeiro mandato na Alesp. Por isso a nossa luta tem que ser contra a privatização.”
Como encaminhamentos, Giannazi disse que irá oficiar ao Ministério Público do Estado e ao Ministério Público Federal reforçando as representações já enviadas pelos movimentos contra a concessão e solicitando que os procuradores recebam representantes da comunidade e do governo do Estado para debater o assunto.
Também vai encaminhar representações à Defensoria Pública do Estado e à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), uma vez que o Petar possui áreas reconhecidas pela organização como Zona Núcleo e Área Piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade.
Giannazi também conversou com o deputado Caio França (PSB), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alesp, para propor a convocação do secretário do Meio Ambiente, Marcos Penido, e do diretor-executivo da Fundação Florestal, Rodrigo Levkovicz, a uma reunião do colegiado para prestar esclarecimentos sobre a concessão.
A Câmara Municipal de Iporanga já havia convocado Penido e Levkovicz para uma audiência na Comissão Permanente de Obras, Serviços, Atividades Privadas e Meio Ambiente da casa no último dia 10/11. De acordo com os vereadores, a reunião seria uma oportunidade para que a secretaria e a fundação explicassem à população o “processo controverso de concessão”. A SIMA respondeu, por meio de ofício, que a audiência para apresentação do projeto será realizada no dia 25/11.
A recusa das autoridades estaduais em participar da reunião em Iporanga motivou uma moção de repúdio da Câmara Municipal. “Salientamos ainda que tal concessão, da forma que está sendo apresentada, desconsiderando uma necessária consulta de forma participativa e inclusiva, poderá gerar muitos desempregados em nosso município, e mesmo assim a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente não se solidariza com a população local e deixa de participar de um momento perfeitamente legítimo e tão importante para o município”, diz o texto, publicado no dia 11/11.
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