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Novo parecer sobre a atuação irregular da CERT
Novo parecer sobre a atuação irregular da CERT
A consulta que foi formulada a esta Assessoria Jurídica, envolve a questão da atuação da Comissão Especial de Regimes de Trabalho da USP: se ela vem atuando, quanto à questão da avaliação da produção de docentes, em conformidade com as normas internas da Universidade.
Já tivemos oportunidade anterior de nos manifestarmos a respeito. Seguem as considerações que ainda temos a tecer.
É pacífico o entendimento de que larga parcela da atividade da CERT tem sido sua atuação nas avaliações individuais de docentes que vem realizando, e que assumem, cada vez mais, caráter deliberatório, e ainda, que as referidas avaliações não são feitas igualmente a todo o corpo docente da Universidade de São Paulo. Contudo, também não se contesta, entre todos os que já se manifestaram sobre o tema, o caráter consultivo acerca do regime de trabalho docente que a CERT possui, em face das disposições legais da Universidade. Dessa forma, teoria e prática não se justapõem.
Segundo nosso entendimento, vimos esclarecer as razões pelas quais, à luz do Direito, a atuação da CERT não está em conformidade com as regras jurídicas da Universidade.
Convém, neste momento, localizar objetivamente o problema.
O Ato Normativo nº 12 de 22/06/1989, que dispõe sobre o regime de trabalho docente da USP, e que orientou o teor do regimento interno da CERT, na Resolução nº 3531/89, assim resolveu sobre a competência da mesma:
Art. 2º – Em consonância com o disposto no artigo 91 do estatuto, à CERT caberá avaliar as propostas de admissão e de enquadramento de cada docente nos três regimes de trabalho, bem como orientar e coordenar a aplicação dospreceitos legais pertinentes e, ainda, fiscalizar a estrita observância das obrigações de cada um.
Parágrafo único – As atribuições, a composição e a estrutura administrativa da CERT serão definidas em Regimento próprio aprovado pelo Conselho Universitário
Seguiram-se as Resoluções nº 3532/89 e 3533/89, que estabelecem normas sobre afastamento de docentes e pesquisadores e regula os regimes de trabalho docente, respectivamente.
Em março de 1992, em sessão do Conselho Universitário (Ata nº 799), configurou-se a discussão e a votação das normas e composição da Comissão Permanente de Avaliação (CPA), que, segundo o regimento da USP, em seu art. 202, seria a comissão competente para realizar a avaliação dos docentes, o quê, por si só, já evidencia a irregularidade ora existente, já que sendo a competência em questão da CPA, a CERT estaria invadindo a esfera de competência alheia.
Dispõe o artigo 202 do Regimento Geral da USP:
Art. 202 – A avaliação da produção dos docentes será feita pela Comissão Permanente de Avaliação (CPA), cuja composição e normas serão fixadas pelo CO.
Contudo, importa nos atermos à decisão consignada em Ata naquela sessão do Conselho Universitário:
"Composição da CPA: é proposto que seja constituída pelos membros da CERT e da CAA sob a Coordenação do Presidente da CERT. O Reitor explica que no estatuto da Universidade há um artigo que dispõe sobre a avaliação individual dos docentes.
Normas.A comissão composta por três membros da CERT e três da CAA, mais um representante discente estudaram esta questão, chegando à conclusão que o mais interessante é fazer uma avaliação departamental, e que, inserida nesta auto-avaliação estaria inserida a avaliação individual de cada docente. Entenderam que é muito difícil a Universidade fazer avaliação individual do docente, pois se perderia a perspectiva e o panorama daquele docente que trabalha integrado a um setor que é o departamento. Portanto, a proposta é que haja uma avaliação departamental e que a Comissão, composta pelos membros da CERT e da CAA, em sua totalidade, coordenariam os trabalhos dessa avaliação. Ninguém querendo fazer uso da palavra, o reitor coloca em votação a proposta encaminhada pela CAA/CERT, obtendo-se o seguinte resultado, pelo painel eletrônico: Sim (75), Não (5), Abstenção (6), Total (86). Aprovada" (grifo nosso)
Tal foi o entendimento do CO, órgão máximo desta Universidade, sobre a avaliação individual, cuja votação aprovou por ampla maioria a impossibilidade de realização de avaliações individuais, aprovando a decisão de que a avaliação só deveria ser realizada no departamento. Assim, a avaliação individual, realizada por um órgão centralizado, fora do Departamento, demonstra total irregularidade em face da decisão aprovada pelo Conselho Universitário em 1992.
Dessa maneira, tanto as normas da CERT, quanto as da CPA, devem ser compreendidas à luz da decisão tomada. As atuais práticas da CERT, em desconformidade com o entendimento do CO, revelam a existência de vício material da norma ou dos atos administrativos da CERT, relativos à matéria, já que a ilegalidade pode assumir outra dimensão, como veremos a seguir.
Segundo corrente de doutrinadores, à qual nos filiamos, o princípio da legalidade não pode ser compreendido simplesmente como o cumprimento formal das disposições legais. A validade do ato praticado pela Administração não depende apenas da existência de sua previsão legal mas, à luz das circunstâncias do caso concreto, depende saber, também, se o ato administrativo atendeu ao interesse público perseguido pela previsão normativa genérica. Quando o agente administrativo persegue fim diverso de qualquer interesse público ou busca uma finalidade, ainda que pública, diversa da que foi prevista e desejada pelo legislador, reconhece-se as duas formas que podem assumir a figura jurídica do desvio de poder.
Desvio de poder é, segundo posição clássica firmada por Caio Tácito e expressa por Celso Antonio Bandeira de Mello "o manejo de uma competência em descompasso com a finalidade em vista da qual foi instituída"[1]
Corresponde, assim, a dizer que a lei deve ser aplicada de forma a perseguir o fim para o qual ela foi concebida. E nesse caso, não estamos tratando de interpretação da lei segundo seu caráter teleológico, como nos ensina o ilustre jurista Celso Antonio Bandeira de Mello: "Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la, é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício – denominado "desvio de poder" ou "desvio de finalidade" – são nulos. Quem desatende o fim legal, desatende a própria lei".[2]
Ora, parece ser exatamente o que vem acontecendo neste caso. A Universidade vem se utilizando das normas que tratam da avaliação docente de maneira contrária à finalidade pela qual foi orientada. Não poderiam ser mais apropriados os dizeres do jurista. Atender à lei, no caso em tela, é forma "lícita" de ludibriá-la, já que não atende aos fins recomendados pelo órgão que a deliberou. Isto é o quê caracteriza o desvio de poder ou de finalidade.
O desvio de finalidade da esfera de competência da CERT é evidente: se sua atuação fosse no sentido de instruir o departamento, nesse caso estaria agindo como órgão consultivo e opinativo, porém, quando atua para instruir o reitor, atua processualmente como motivação da decisão reitoral, já que, no mérito, não haveria razão para o reitor discordar de parecer emitido pela CERT.
Conforme dissemos, as normas da CERT e da CPA, devem ser compreendidas segundo a decisão do Conselho Universitário. Nesse diapasão é que normas tais como o artigo 3º da Resolução 3533/89, que dispõe: "A CERT poderá, sempre que necessário, inteirar-se das atividades que venham sendo desenvolvidas pelo docente em RDIDP, mediante entrevista, visita ou solicitação de relatório"; só pode ser compreendida, consoante o princípio da motivação dos atos administrativos, que regem a Administração Pública em um Estado Democrático de Direito, como uma solicitação de relatório que viabilize a prova do cumprimento do RDIDP por parte do solicitado, para que a CERT, desde que tenha fundamento para tanto, possa fiscalizar seu regime de trabalho, e não que seja uma solicitação de relatório com a finalidade de se avaliar a produção docente do mesmo.
É o parecer.
São Paulo, 20 de junho de 2001
Lara Lorena Ferreira
OAB/SP 138.099
[1]Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros, 13ª ed., 2000, p. 792
[2]Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros, 13ª ed., 2000, p. 77
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