Memória
Homenagem aos quatro estudantes da Escola Politécnica assassinados pela Ditadura Militar está prevista para 28 de março
Na ocasião, dando sequência ao projeto denominado “Diplomação da Resistência”, a USP deverá conferir diplomas simbólicos de graduação a Luiz Fogaça Balboni, Olavo Hansen, Lauriberto José Reyes e Manuel José Nunes Mendes de Abreu, executados por militares e policiais entre 1969 e 1972. Atenção: esta matéria descreve circunstâncias de tortura e de violência letal
Deverá ocorrer no próximo dia 28 de março a cerimônia de diplomação honorífica de Luiz Fogaça Balboni (1945-1969), Olavo Hansen (1937-1970), Manuel José Nunes Mendes de Abreu (1949-1971) e Lauriberto José Reyes (1945-1972), que estudaram na Escola Politécnica (Poli), participaram ativamente da resistência à Ditadura Militar (1964-1985) e foram assassinados(as) pela polícia política (DOPS) ou pelo Exército (OBAN e DOI-CODI).
A homenagem dará prosseguimento ao projeto denominado “Diplomação da Resistência”, promovido pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG). O processo de confecção dos diplomas de Balboni, Hansen, Abreu e Reyes já estaria sendo encaminhado, mas a PRIP ainda não se manifestou oficialmente.
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2) Olavo Hansen (foto: Brown University)
3) Lauriberto Reyes (foto: CNV)
4) Manoel Abreu (foto: Memorial da Resistência)
Luiz Fogaça Balboni nasceu em 25 de maio de 1945, em Itapetininga, filho de Francisca Áurea Fogaça Balboni e Luiz Balboni. Em 28 de fevereiro de 1966, matriculou-se no curso de Engenharia de Minas na Escola Politécnica. Porém, segundo apurou a Comissão da Verdade da USP (CV-USP), em 22 de agosto de 1968 ele solicitou o cancelamento de sua matrícula, provavelmente em razão de sua militância política, e em março de 1969 requereu os documentos para se matricular em outra universidade.
Tendo iniciado em 1968 sua atividade de oposição ao regime ditatorial no setor universitário da Ala Vermelha, dissidência do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em meados de março de 1969 Balboni deixou esse agrupamento para integrar os contingentes da Ação Libertadora Nacional (ALN). “Passou, a partir daí, a viver na clandestinidade”, diz a CV-USP. Poucos meses depois, morreu alvejado por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) na Alameda Campinas, em São Paulo. Balboni foi vítima de uma emboscada organizada pelos delegados Sérgio Paranhos Fleury, Rubens Tucunduva e Firminiano Pacheco.
O laudo necroscópico traz uma requisição de exame com data de 25 de setembro de 1969, e informa que Balboni morreu à 1h30, no Hospital das Clínicas, em São Paulo (SP). Sua ficha estava marcada com um T em vermelho, letra indicadora de “terrorista”, e nela consta a inscrição de “disparo de arma de fogo a esclarecer”, conforme relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Apesar de ter sido preso com ferimento grave, ficou em poder dos agentes da DOPS por pelo menos três horas antes de ser encaminhado ao hospital.
Olavo Hansen foi o primeiro operário assassinado pela Ditadura Militar
Olavo Hansen nasceu no dia 14 de dezembro de 1937, em São Paulo, filho de Harald Hansen e Borborema Hansen. “Em 1959, ingressou na Escola Politécnica da USP para cursar Engenharia Metalúrgica e frequentou o curso até o segundo ano, mas o abandonou em seu terceiro ano, em 1962. Atuou no movimento estudantil e se associou ao Grêmio Politécnico durante sua época de faculdade, além de ingressar no Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT) no final de 1961”, relata a CV-USP.
Atuou na União Nacional dos Estudantes (UNE), participando das principais campanhas da entidade. “Pouco depois, o partido decidiu pela ‘proletarização’ e ele foi trabalhar na Massari S.A., uma fábrica de carrocerias no bairro de Vila Maria, em São Paulo. Olavo filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e deu início a sua militância no movimento operário, tendo abandonado o curso de Engenharia para dedicar-se integralmente ao trabalho sindical e político”, informa a CV-USP.
Olavo foi preso pela DOPS no dia 1º de maio de 1970, juntamente com outras 18 pessoas, em uma praça de São Paulo, durante evento relacionado ao Dia Internacional do Trabalho. Foi intensamente torturado — sofreu queimaduras, palmatórias nos pés e nas mãos, espancamentos, “pau de arara” — para que revelasse onde ficava a gráfica do PORT, segundo Dulce Muniz. Morreu em 9 de maio. No entanto, somente foi enterrado em 14 de maio, em Mauá: “seu corpo foi entregue à família em caixão lacrado, onde se enxergava apenas seu rosto por meio de um visor”. A versão da Ditadura, de que ele teria se “suicidado” ao ingerir o inseticida Paration, contraria uma série de outras evidências, diz a CV-USP.
Na DOPS, Olavo teve a oportunidade de relatar a seus companheiros de cela, também presos políticos, as agressões sofridas. “Além dos ferimentos visíveis por todo o corpo, Olavo apresentava sinais evidentes de complicações renais, anuria e edema das pernas”. Apesar dos insistentes pedidos dos outros presos para que lhe fosse prestada assistência médica urgente, somente no dia 8, “quando Olavo já estava inconsciente”, ele foi levado para um hospital, mas morreu no dia seguinte. Sua família foi avisada sobre o suposto suicídio apenas no dia 13.
Lauriberto Reyes nasceu em 2 de março de 1945, em São Carlos, filho de Rosa Castralho Reyes e José Reyes Daza Júnior. Em 1965, ingressou no curso de Engenharia da Poli. Posteriormente, foi morar no Conjunto Residencial da USP (Crusp), tornou-se diretor cultural desse espaço e envolveu-se fortemente com o movimento estudantil, anotou a CV-USP. Nos arquivos do DEOPS, Lauriberto já constava da relação de “elementos desalojados do Crusp” em julho de 1967. Foi um dos 46 estudantes acusados de “dominar” o Crusp em 1968. Além disso, integrou a direção executiva da União Nacional dos Estudantes (UNE) e participou da organização de seu 30º Congresso (1968), quando foi preso e liberado no dia seguinte.
“Lauriberto abandonou a Universidade em 1969, fez treinamento de guerrilha em Cuba e, em 1971, retornou ao Brasil, passando a viver na clandestinidade”, informa a CV-USP. Juntou-se ao Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi assassinado no dia 27 de fevereiro de 1972, ao lado de outro militante do Molipo, o chileno Alexander José Ibsen Voeroes, aluno da Faculdade de Educação da USP. Ambos foram mortos em uma perseguição no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, diz a CV-USP.
“Mais uma vez, a versão de que sua morte teria ocorrido após troca de tiros com as forças de segurança não parece ser verdadeira”. No curso da investigação dos fatos, a CEMDP foi até o local do crime e colheu relatos de testemunhas que presenciaram a execução dos militantes, destacando que não foi realizada qualquer perícia no local, o que seria de praxe nesse tipo de situação. A ordem não era prender os militantes, mas eliminá-los: Reyes foi atingido por quatro disparos (dois na cabeça, um no ombro e outro na perna direita), e a CEMDP chama atenção para os dois tiros certeiros na cabeça, forte indício de execução.
Manoel Abreu foi capturado numa emboscada montada pelo DOI-CODI
Manoel José Nunes Mendes de Abreu nasceu no dia 1º de janeiro de 1949, em Rossio do Sul, em Portugal, filho de Dulce Souza Mendes de Abreu e José Pereira de Abreu. “Em 8 de fevereiro de 1968, matriculou-se no curso de Engenharia Química da Escola Politécnica, na USP. Em 1971, abandonou o curso. Deu início a sua militância junto ao movimento estudantil e se filiou à Ação Libertadora Nacional (ALN)”, informa o relatório da CV-USP.
Manuel teria sido supostamente metralhado durante uma tentativa de assalto a um jipe do Exército, com mais três militantes da ALN, em uma emboscada montada pelos órgãos de segurança, na rua João Moura, em São Paulo. Os outros envolvidos no caso eram Eduardo Antônio da Fonseca e Antônio Sérgio de Mattos, mortos nas mesmas circunstâncias, e Ana Maria Nacinovic Corrêa, que conseguiu fugir nessa ocasião, mas foi assassinada no ano seguinte, juntamente com outros militantes da ALN.
A emboscada montada pelo Exército, com soldados parados à volta do jipe, portando metralhadoras, contou com a participação de agentes do DOI-CODI, que ficaram escondidos em um caminhão-baú do jornal Folha de S. Paulo. “A versão oficial registrou que os três militantes morreram no local ao tentar assaltar o jipe. Apesar de terem ocorrido três mortes violentas, não houve perícia”, conforme relatório da CEMDP.
“As fotos do corpo de Manuel indicam sinais de tortura não descritos no laudo de necrópsia, que também não faz menção a nenhum dos tiros fatais”. Manuel teria sido levado para o DOI-CODI do II Exército (hoje Comando Militar Sudeste), onde teria sido espancado, levado choques e morrido em virtude da aplicação da chamada “coroa de Cristo”.
Repassadas por companheiros de militância de Manoel, essas informações sobre as circunstâncias de seu assassinato constam de depoimento oficial prestado à CEMDP por Maria Fernanda Mendes de Abreu, sua irmã. Ela relata ainda ter recebido seu corpo “das mãos de policiais do DOI-CODI-SP”, que exigiram dela sigilo total. “Ao abrir o caixão [Maria Fernanda] verificou as inúmeras violências sofridas por Manuel (vários hematomas). Sua cabeça não tinha perfurações, mas estava toda afundada”, o que confirmaria o uso do infame método de tortura conhecido como “coroa de Cristo”, utilizado no suplício de Aurora Maria do Nascimento Furtado.
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