Movimento Estudantil
Estudantes da USP aprovam greve geral por contratação de docentes e políticas de permanência; na FFLCH, diretor fecha prédios e tem que recuar por conta da mobilização discente
Em assembleia setorial realizada nesta quarta (20/9), docentes da FFLCH decidiram paralisar atividades de 21 a 26/9, em apoio à pauta estudantil
Em assembleia geral realizada no vão do prédio da História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) no final da tarde da terça-feira (19/9), estudantes da USP aprovaram o início da greve estudantil a partir desta quinta-feira (21/9). Cerca de mil estudantes de diversos cursos e unidades participaram da assembleia.
A mobilização tem dois eixos fundamentais: a contratação de docentes e a implantação de mudanças no Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), como o fim do teto de concessão de bolsas e o aumento no valor dos benefícios.
A falta de docentes atingiu um ponto crítico em muitas unidades, levando a situações como o cancelamento de disciplinas e o adiamento da conclusão de cursos.
De acordo com levantamento da Adusp, o déficit de professore(a)s chega a 1.042 em relação a 2014, quando a gestão reitoral de M. A. Zago-V. Agopyan deu início às políticas de desmonte e de restrição de contratações.
“Além da queda do número de docentes, há que considerar a qualidade do trabalho daqueles que aqui estão”, disse a presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, em atividade promovida pela mobilização de estudantes do curso de Letras da FFLCH na terça-feira. “Os docentes estão absolutamente sobrecarregados, pressionados e pressionadas pela lógica produtivista, que muda e descaracteriza a universidade”,
denunciou. “A universidade passou por um processo de expansão, o número de vagas aumentou enormemente, a produção científica aumentou enormemente, tudo isso com menos funcionários e menos docentes. A situação de trabalho está crítica, e recebemos cotidianamente nas entidades pessoas que estão absolutamente oprimidas no seu espaço de trabalho. O assédio institucional leva ao adoecimento”, afirmou.
Diretoria da FFLCH alega “iminente oportunidade de danos ao patrimônio público” para fechar os prédios
A mobilização estudantil pelo direito a contar com oferta integral de disciplinas nos cursos teve um capítulo tenso na FFLCH no início da semana. A atitude arbitrária da Diretoria de cancelar as aulas do período noturno na segunda-feira (18/9) e do período matutino na terça (19/9) foi considerada pelo(a)s estudantes da faculdade um ato hostil e um ataque ao direito de greve e de manifestação.
A medida foi comunicada pela Diretoria num e-mail enviado no final da tarde da segunda-feira. No texto, a direção da unidade falava em “iminente oportunidade de danos ao patrimônio público” e informava que os prédios estavam “sob controle da Guarda Universitária”.
O absurdo da situação chegou ao ponto de estudantes, usuários da Biblioteca Florestan Fernandes, serem retirados de lá por ordem da Diretoria.
A decisão de cancelar as aulas e fechar os prédios foi tomada na véspera da deflagração da greve estudantil nos cursos de Geografia e de Letras da unidade, que haviam decidido em suas assembleias começar a mobilização dois dias antes da data indicada para a greve geral do corpo discente.
“Consideramos que essa medida foi uma subida de tom. Imediatamente, em questão de minutos, os estudantes se organizaram e o prédio da Letras foi ‘piqueteado’ para impedir que a Guarda Universitária pudesse tomar conta dele”, descreve Luiza Arantes, diretora do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” (CAELL).
O(a)s aluno(a)s consideraram que era importante dar uma resposta a essa atitude autoritária e decidiram também subir o tom, realizando a ocupação do prédio da Administração da FFLCH.
Rapidamente, além das viaturas da Guarda Universitária, chegaram ao local várias viaturas da Polícia Militar, criando um clima de tensão e ameaça ao(a)s estudantes.
A mediação da professora Elisabetta Santoro e do professor Augusto Massi impediu que houvesse ações violentas da PM. Permitiu, ainda, que o diretor da FFLCH, Paulo Martins, recebesse uma comissão de aluno(a)s, com dois representantes de cada centro acadêmico, após a realização de uma massiva assembleia que, àquela altura, reunia mais de mil estudantes.
A assembleia estabeleceu que a Diretoria se comprometesse com quatro condições para a retirada da ocupação do prédio da Administração: 1) destrancar os prédios da FFLCH e devolvê-los aos e às estudantes; 2) remover a PM e a Guarda Universitária; 3) pressionar a Reitoria para marcar uma reunião com urgência para discutir a contratação de docentes na FFLCH; 4) providenciar uma carta de retratação pública, com desculpas pelo fechamento dos prédios e especialmente pelo vídeo que o diretor Paulo Martins divulgou no site da unidade, no qual rebate o que chegou a qualificar de “versões” que “não refletem a realidade dos fatos” sobre a falta de docentes na unidade.
Martins concordou com as reivindicações ─ o que não impediu que, presente à assembleia em que a comissão de estudantes comunicou o resultado da reunião, o diretor ofendesse um estudante com um palavrão.
A liberação dos prédios e a saída da PM e da Guarda Universitária ocorreram imediatamente. A reunião com a Reitoria ainda não confirmada.
Em vídeo, Martins chega a falar em “fake news” ao se referir à falta de docentes na unidade
Na tarde desta quarta-feira (20/9), a Diretoria da FFLCH divulgou um comunicado no qual diz que “não acionou a Polícia Militar e também não endossa sua presença nos prédios da Unidade”. “A Faculdade está em contato com a Guarda Universitária e preza o diálogo com a comunidade acadêmica”, conclui a nota.
O comunicado não faz menção ao vídeo publicado na segunda-feira no site da FFLCH, no qual Martins afirmou que a unidade deve realizar as 70 contratações dos claros docentes concedidos pela Reitoria até a metade do ano de 2024, uma vez que no segundo semestre do ano que vem há restrições devido à legislação eleitoral. “Isso é um problema muito sério”, diz o diretor no vídeo.
A razão: a precarização do trabalho promovida pelas últimas gestões reitorais: “O número de funcionários que tratam dessas inscrições são poucos [sic], a gente não tem um número suficiente de funcionários para realizar todos os concursos ao mesmo tempo”, justificou.
Contrariamente ao que testemunham cotidianamente o(a)s aluno(a)s e ao que apontam os dossiês produzidos pela entidades estudantis, Martins afirmou que “apenas dois cursos [sic] estão tendo algum tipo de problema” na unidade: as habilitações de japonês e de coreano do curso de Letras.
Em relação ao japonês, acordo com o(a)s docentes teria garantido que, “em caráter emergencial”, sejam ministradas todas as disciplinas obrigatórias, exceto uma, relacionada aos anos iniciais. Portanto, afirmou Martins, se alguém disser que não poderá se formar por falta de disciplinas “está divulgando fake news”.
Já o caso do coreano “é sui generis”, apontou. Martins relatou que o curso sempre recebeu um docente enviado pelo governo da Coreia do Sul, o que não ocorreu neste ano. “Estamos tentando junto ao governo coreano que eles mantenham esse acordo firmado internacionalmente para a garantia desse curso”, enfatizou. Devido a essa ausência, “os professores acharam por bem fechar o ranqueamento de coreano [seleção de interessados(as) na habilitação] por um ano até que a situação seja normalizada”, disse o diretor, ressaltando novamente que ninguém deixará de se formar na habilitação por falta de professor.
“É uma situação emergencial, mas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo não haverá nenhum aluno que não se forme por falta de professor”, garantiu. “Quero dizer, finalmente, que isso, não devo me vangloriar disso, é uma situação complexa, é uma situação difícil que está sendo tratada pela direção da faculdade para que resolvamos isso a contento”, finalizou, de forma confusa.
O quadro da unidade expressa a política de sucateamento da educação e da universidade pública, considera a aluna Luiza Arantes, do CAELL.
Por sua vez, em assembleia realizada nesta quarta-feira, docentes da FFLCH decidiram paralisar suas atividades até a próxima terça-feira (26/9), quando realizarão nova assembleia para avaliar a situação.
Precarização e competição transformam ambiente da universidade, aponta presidenta da Adusp
Na atividade promovida pela mobilização de estudantes do curso de Letras na terça-feira, a presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, traçou um histórico da política de restrição de contratações e de precarização do trabalho docente na USP desde a gestão reitoral de M.A. Zago-V. Agopyan, incluindo o nebuloso caso da contratação da consultoria McKinsey&Company para a elaboração do projeto “USP do Futuro”, denunciado pela Adusp, e a implementação dos “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira”, em 2017, sem que a Reitoria jamais tenha lutado contra o subfinanciamento por parte do governo do Estado.
As políticas “atacam a concepção de universidade pública que a gente defende e geram exploração dos trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou.
As relações estabelecidas nas unidades também são transformadas, apontou a presidenta da Adusp: “Passamos de um ambiente que era colaborativo, de uma produção conjunta, para um ambiente competitivo, e isso é absolutamente deletério”.
Dentre as políticas de precarização do trabalho docente, uma das mais perniciosas foi a da contratação de professore(a)s temporário(a)s, que atingiu um pico em 2021, durante a gestão V. Agopyan-A. Hernandes, com 557 casos.
“Quando pedimos a contratação de docentes, a palavra ‘efetivos’ tem que estar junto, prevendo a contratação por concurso público”, defendeu. Michele Schultz reivindicou ainda que a reposição das vagas oriundas de aposentadorias, falecimentos, exonerações ou outros motivos seja imediata, com os claros reservados ao mesmo departamento, ao contrário da recente medida adotada pela Reitoria de destinar 50% dessas vagas para uma espécie de “banco concorrencial” que deve distribuí-las por critérios competitivos.
Um edital que ofereceu 63 claros docentes por critérios de “mérito” gerou “uma grande crise na universidade, com disputas internas, departamentos e unidades brigando entre si por essas poucas vagas, considerando o total que precisamos”, ressaltou.
A professora lembrou ainda que algumas unidades, como a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), nunca completaram o quadro docente considerado ideal e, portanto, os cálculos de reposição já partem de um patamar insuficiente.
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