Duas das principais “organizações sociais de saúde” (OSS) do Estado de São Paulo, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e a Fundação Faculdade de Medicina (FFM), inscreveram-se no chamamento do governo estadual destinado a escolher a entidade privada que vai gerir, pelos próximos cinco anos pelo menos, o futuro Hospital das Clínicas de Bauru (HCB).

Apesar do nome, as OSS são entidades privadas, guiadas pelo lucro, na contramão do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua atividade foi objeto da CPI das OSS, que a Assembleia Legislativa (Alesp) levou a cabo em 2018. A lei prevê que fundações privadas, ditas “de apoio” a universidades públicas — como a FFM, constituída por docentes da Faculdade de Medicina da USP, e a SPDM, mantida por docentes da Universidade Federal de São Paulo — podem solicitar qualificação como OSS.

O HCB vai funcionar num prédio cedido pela Universidade de São Paulo e deverá absorver o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), pertencente à USP e referência mundial no tratamento de fissuras labiopalatais. O desmonte do HRAC foi planejado e iniciado na gestão M.A.Zago-V. Agopyan (2014-2017), que já no seu primeiro ano conseguiu que o Conselho Universitário aprovasse a “desvinculação” do hospital.

Além da SPDM e da FFM, estão dispostas a participar da licitação a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Faepa), que há décadas controla o HCFMRP; a Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (Famesp), responsável pela gestão de vários equipamentos públicos em Bauru e Botucatu; e a Fundação do ABC.

A informação consta de comunicado do atual superintendente do HRAC, Carlos Ferreira dos Santos, que também é diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB). Segundo Ferreira, trata-se de “informação oficial da Secretaria de Estado da Saúde”. Em reunião do Conselho Deliberativo do HRAC realizada em 10/2 ele comprometeu-se a divulgar informações sobre o processo licitatório.

A chocante extinção do HRAC, conhecido em Bauru como “Centrinho”, provocou perplexidade entre cerca de 500 funcionárias e funcionários do hospital. Não se trata apenas do inexplicável desmanche do hospital, que será incorporado pelo HCB em condições incertas, mas também da própria situação funcional de trabalhadoras e trabalhadores da saúde que dedicaram boa parte de sua trajetória profissional ao HRAC — e agora terão de optar entre trabalhar no novo HCB e portanto se submeter às ordens de uma entidade privada, ou permanecer na USP sem saber onde irão atuar.

Em reunião realizada com o corpo funcional em 31/1, Ferreira prestou alguns esclarecimentos sobre a situação criada pela decisão do governo estadual de delegar a uma OSS a gestão do HCB. Na ocasião, diversas funcionárias expressaram muitas dúvidas e preocupações, inclusive em relação à continuidade das atividades de pesquisa e ensino hoje desenvolvidas no HRAC.

O superintendente deixou claro que, na hipótese de uma rejeição coletiva ao trabalho no HCB, a FOB não teria condição de absorver 500 pessoas nos seus quadros. Desse modo, quem não quiser atuar no HCB terá de optar por uma unidade da USP fora de Bauru. Por outro lado, Ferreira enfatizou a existência da “cláusula de arrependimento”, que permitiria à pessoa experimentar o trabalho no hospital privatizado e, em caso de insatisfação, reveja essa opção, dentro de dois anos.

No dia 5/2, como se nada disso estivesse acontecendo, Ferreira foi reconduzido ao cargo em portaria do reitor publicada no Diário Oficial. Ele havia sido o mais votado pelo Conselho Deliberativo do HRAC, em processo eleitoral de lista tríplice realizado em 9/12/2021.   

A nomeação de superintendentes do HRAC pelo reitor da USP continuou ocorrendo depois da “desvinculação” e transformação desse hospital em “entidade associada”, como propôs à época a Procuradoria Geral da USP com anuência da Comissão de Legislação e Recursos. Uma solução esdrúxula e certamente ilegal, pois “entidades associadas” são aquelas que preexistem como entidades externas à USP e a elas se associam. E não partes orgânicas da universidade das quais ela deseja se livrar.

Acontece que as normas da USP não prevêem a nomeação de dirigentes das “entidades associadas”. Nem poderiam, pois elas independem da USP para existir e não possuem qualquer vínculo funcional com a universidade. Por essa razão, o Informativo Adusp solicitou à Reitoria, por intermédio da Assessoria de Imprensa, que informe se houve alguma alteração no status do HRAC.

EXPRESSO ADUSP


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