Privatização
Em evento no IPT, assessor de Vahan anuncia que a lei estadual de incentivo à “inovação” será atualizada
A lei complementar (LC) 1.049/2008, que institui “medidas de incentivo à inovação tecnológica, à pesquisa científica e tecnológica, ao desenvolvimento tecnológico, à engenharia não-rotineira, à informação tecnológica e à extensão tecnológica em ambiente produtivo ou social”, será atualizada pelo governo estadual. O anúncio partiu do secretário-executivo da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo estadual, Thiago Rodrigues Liporaci, durante a abertura do evento “Direito e Inovação”, realizado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em 9/8.
A trajetória de Liporaci é peculiar. Simples procurador da USP, foi nomeado pelo então reitor M.A. Zago chefe de gabinete, em 2014. Envolveu-se na elaboração do chamado projeto “USP do Futuro”, que a consultoria norte-americana McKinsey&Company desenvolveu para a Reitoria entre 2015 e 2017. O projeto foi coordenado por Patricia Ellen da Silva, diretora da McKinsey, depois convidada pelo governador João Doria (PSDB) a assumir a então Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE). A nova secretária nomeou Liporaci chefe de gabinete da SDE —e o professor Américo Ceiki Sakamoto (FMRP), que também atuou no projeto USP-McKinsey, tornou-se secretário-executivo da pasta.
Uma vez que a SDE passou a responder pelo setor público de ciência e tecnologia, o trio Patricia Ellen, Sakamoto e Liporaci esteve à frente de um dos principais projetos de privatização conduzidos pelo governo estadual: o programa “IPT Open Experience”, que alocou nas instalações desse centenário instituto público de pesquisas cerca de uma dezena de grandes empresas nacionais e estrangeiras, entre as quais Vale, 3M, Ambev e Google. O contrato mais icônico do programa foi firmado, sem licitação, com a Faculdade Inteli-IBTCC (ligada ao BTG Pactual), e é especialmente danoso para o IPT. A Faculdade Inteli se apoderou de parte do campus do IPT e dispõe de uma portaria própria para saída de alunos(as), identificada com as marcas da empresa privada.
Ao assumir, em janeiro de 2023, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) recriou a Secretaria de Ciências, Tecnologia e Inovação e a confiou ao ex-reitor Vahan Agopyan, o qual por sua vez nomeou Liporaci como secretário-executivo. E isso fez de Liporaci, também, presidente do Conselho de Administração do IPT. Assim, na sua breve manifestação durante o evento de 9/8, o secretário-executivo de Vahan tratou de comemorar o suposto êxito do programa IPT Open.
“O IPT é grande exemplo de aplicação, um laboratório de aplicação do nosso Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, especialmente aquele instituto [conjunto de normas] ali do artigo 4º, que é o compartilhamento de instalações, laboratórios, com o nosso projeto IPT Open”, disse Liporaci. “Há alguns dias eu ouvi uma palestra do doutor Bruno Portela, que é procurador federal, e ao falar do contrato celebrado entre a Fiocruz, a Astra-Zêneca e a Universidade de Oxford [para produção de vacinas contra Covid-19] foi citando os institutos e ao falar do artigo 4º o exemplo que ele dá é o IPT Open. Para vocês verem a magnitude [a] que isso chegou, e é um projeto construído a muitas mãos”, congratulou-se.
“A gente vai, como Secretaria, começar finalmente a trabalhar na atualização da lei estadual de inovação, a lei complementar 1.049, e também do decreto 62.817, que é o que regulamenta no Estado de São Paulo a lei 10.973, marco legal federal, e a nossa lei. Além de atualizar, a gente já tem notícia de que na União estão sendo estudadas novas atualizações. De maneira que além de correr atrás do prejuízo, a gente ainda vai ter que ter uma interlocução muito forte com o governo federal, com a AGU [Advocacia-Geral da União], para que já vá na medida do possível fazendo os ajustes junto com o que eles já estão prevendo. O ideal é a gente trabalhar junto”.
Embora Liporaci não tenha entrado em detalhes sobre o teor da pretendida atualização da LC 1.049/2008, deve-se notar que os outros oradores do evento insistiram muito na tecla da “insegurança jurídica” que ainda caracterizaria os atuais diplomas legais e na necessidade de aperfeiçoar a legislação existente de modo a lhe dar maior “flexibilidade”.
É importante registrar que a Adusp, juntamente com várias outras entidades sindicais e grupos de pesquisa, faz parte do Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública, cujo manifesto pode ser acessado aqui. A Adusp vem denunciando há tempos os efeitos da lei 13.243/2016 (que modificou a lei 10.973/2004), o chamado Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação que, entre outras medidas, cria meios para a privatização da ciência e do conhecimento.
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