A Diretoria da Adusp enviou um ofício ao Departamento de Recursos Humanos (DRH) da USP para questionar a universidade quanto aos procedimentos adotados para cancelar os descontos referentes ao pagamento do plano coletivo de saúde Bradesco Saúde, Apólice 5.252, firmado inicialmente pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP) com a empresa em 1997, mas gerido pela Qualicorp desde 2019.

O desconto é autorizado pelo(a) docente beneficiário(a) ao plano e aparece discriminado no holerite emitido pela USP. Porém, há casos em que o desconto não é efetuado e o(a) docente muitas vezes só se dá conta quando precisa usar algum serviço de saúde. Ao questionarem a Qualicorp, docentes recebem um boleto para pagar a parcela “atrasada”, com incidência de juros.

Essa foi a situação narrada por uma docente aposentada da Faculdade de Educação (FE) da USP na reunião promovida pela Adusp nesta quarta-feira (12/2) para discutir os problemas do plano de saúde. À revelia da professora, o desconto não foi efetuado no mês de novembro de 2024 e ela recebeu posteriormente um boleto para pagamento com acréscimo. Nos meses seguintes, o desconto foi feito normalmente.

Nesse meio tempo, no entanto, a professora tentou agendar um exame, mas a autorização foi negada por falta do pagamento do mês de novembro. “Eu preciso do plano funcionando normalmente. Não sei se devo pagar esse boleto e espero que a USP resolva esse problema”, disse na reunião. A docente vai receber orientação do Departamento Jurídico da Adusp, que está à disposição dos(as) filiados(as) à entidade para essas e outras situações.

“Quem tem que arcar com as consequências do erro é a instituição, que cometeu o erro, não o associado. Se a USP se compromete a descontar do servidor e fazer o pagamento do plano e isso por qualquer motivo não acontece, não é um problema do associado, é um compromisso que a USP tem, de fazer esse pagamento. Ao não fazer, gerou dano ao associado”, ponderou na reunião o professor Marcos Bernardino de Carvalho, docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH).

“Quem na Reitoria dá autorização para que o valor não seja debitado? Se está autorizado, quem mexeu ali? A USP tem que colocar o dedo nessa ferida”, questionou outro docente.

No ofício, encaminhado nesta sexta-feira (14/2) ao diretor-geral do DRH, professor Wilson Aparecido Costa de Amorim, a Adusp questiona qual é o órgão da administração responsável pelo procedimento e como se dá o cancelamento do desconto do holerite. A Adusp solicita ainda a interrupção imediata desse cancelamento, de forma a não ocasionar ônus às e aos docentes.

Um segundo ofício foi encaminhado também na sexta-feira ao diretor executivo da FUSP, professor Marcílio Alves, e ao reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior (leia abaixo).

Empresa enfrenta cenário de crise e cancela contratos unilateralmente

Na reunião, realizada no Auditório Marcelo Damy do Instituto de Física e com participação remota pelo Google Meet, outros(as) docentes fizeram relatos de problemas como mau atendimento, negativas constantes de agendamento de consultas e/ou exames e dificuldades com os sistemas online para marcação de procedimentos.

Na avaliação de participantes do encontro, os problemas tiveram início com a transição da gestão do plano para a Qualicorp, em 2019. “O que aconteceu é o ‘mau caratismo’ da Qualicorp. Ficou evidente que alguns colegas estavam dando muita despesa para o plano e, por coincidência, eram os que estavam sendo excluídos”, afirmou um professor aposentado.

De acordo com reportagens publicadas na imprensa, nos últimos anos a Qualicorp vem enfrentando uma crise, cenário aliás comum a muitas outras operadoras do setor. No início de 2024, demitiu 630 funcionários(as), o equivalente a um quarto do quadro de pessoal da empresa. Além disso, fechou lojas, devolveu imóveis e cortou outros investimentos.

A empresa tem perdido clientes de forma significativa por conta de fatores como os reajustes elevados e a migração de usuários(as) para os chamados planos PME, modalidade coletiva oferecida para pequenas e médias empresas e cujo custo é menor para os(as) clientes.

A Qualicorp e outras operadoras de saúde têm rompido unilateralmente seus contratos, especialmente em quadros em que os(as) beneficiários(as) utilizam frequentemente os serviços médicos. Essa é uma prática abusiva e vedada pela Lei 9.656/1998, que rege os planos e seguros privados de saúde.

Ex-diretor da FUSP lamenta mudanças na gestão

Diretor da FUSP na época da migração para a Qualicorp, o professor Antonio Vargas de Oliveira Figueira, docente do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP de Piracicaba, participou de maneira remota da reunião e lamentou as mudanças que ocorreram em relação ao plano de saúde desde então.

“Conheço muito esse processo todo. Havia problemas sérios na forma como a apólice foi estruturada e por isso a gente teve que tomar essa medida de migrar”, relatou, sem detalhar a afirmação. Figueira disse também que a FUSP ainda é responsável por essa apólice e confirmou que ela continua a receber um percentual por sua administração.

“Quando saí, existia uma funcionária que respondia pelo plano. Era um compromisso moral de tentar continuar dando assistência e manter esse atendimento, que era muito melhor”, disse. “Havia um contato em linha direta com Bradesco ou Qualicorp para resolver os problemas, mas isso foi cortado e sinto que agora a universidade de fato se afastou”, prosseguiu. Uma das manifestações concretas da opção de se afastar do caso é a criação do auxílio-saúde, implementado em 2023 para os(as) servidores(as) da ativa.

Figueira explicou que a FUSP não pode reassumir a administração do plano, como aventado por docentes na reunião, por não ser credenciada como administradora pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ele se colocou à disposição dos(as) docentes para relatar o processo de transição do plano para a Qualicorp.

Adusp cobra transparência e reitera pedido de reunião

A presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, lembrou que a entidade tem reiteradamente procurado o diretor executivo da FUSP, professor Marcílio Alves, e a Reitoria para o agendamento de uma reunião com o objetivo de esclarecer os termos da relação entre a empresa e a fundação. Até o momento, porém, a única resposta tem sido o silêncio.

Esse é o tema do segundo ofício enviado pela Adusp nesta sexta-feira. A entidade indaga a FUSP e a Reitoria sobre a relação mantida pela fundação privada com as empresas (Bradesco e Qualicorp). A presidenta da Adusp cita que na reunião veio a público a informação de que a FUSP continua a receber um percentual para fazer a intermediação e, em nome da transparência que deve reger a administração pública, as atribuições e responsabilidades da FUSP em relação às empresas devem ser divulgadas para o conjunto dos(as) servidores(as) técnico-administrativos(as) e docentes. Michele reforçou os termos do ofício enviado em dezembro de 2024, que solicita uma reunião da Adusp com a FUSP e a Reitoria para tratar do tema.

Na reunião da quarta-feira, a professora ressaltou que os problemas enfrentados pelos(as) beneficiários(as), como a rescisão unilateral de contratos ou estratégias para forçar a inadimplência, não são exclusividade dessa apólice, mas atingem muitas operadoras em todo o Brasil. “Há uma tentativa de cortar pessoas que estejam em tratamentos longos ou que tenham doenças crônicas, e a ANS não faz a devida fiscalização”, apontou.

Um dos termômetros da crise, enfatizou, é o fato de que há cerca de 250 projetos de lei relacionados a planos de saúde tramitando no Congresso Nacional. “Há alguns senadores e senadoras que estão fazendo a denúncia da perversidade dessa atuação das empresas. Mas a coisa não está boa no geral, senão não teríamos 250 projetos”, destacou.

Em relação à USP, Michele lembrou que a Adusp ajuizou uma ação para garantir o pagamento do auxílio-saúde também para os(as) docentes aposentados(as). O processo segue em tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). “Ao se aposentar a pessoa tem perdas financeiras, perde auxílios e vales e com isso diminui enormemente o seu poder aquisitivo, justamente num momento em que muitas pessoas têm aumento de despesas por serem cuidadores/as de pai ou mãe idosos”, disse.

A presidenta da Adusp também ressaltou a importância das lutas pelos equipamentos de saúde da própria USP, como o Hospital Universitário (HU), objeto de sucateamento desde a gestão reitoral de M.A. Zago-V. Agopyan (2014-2017), e o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), “desvinculado” da USP e incorporado pelo novo Hospital das Clínicas de Bauru (HCB).

A relação entre condições de trabalho e saúde, por sinal, é tema de uma pesquisa do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Nível Superior (Andes-SN), que pode ser respondida pelos(as) professores(as) até a próxima quarta-feira (19/2).

“Temos que pensar coletivamente para garantir uma luta mais consistente com foco na gestão da universidade. Estamos em ano de eleição reitoral, e as questões da saúde podem ser elementos de perguntas para candidatos e candidatas à Reitoria”, finalizou Michele.

EXPRESSO ADUSP


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