Serviço Público
Institutos estaduais de pesquisa têm mais de 7.900 cargos vagos (80% do quadro total), e salário de pesquisadores(as) encolheu 70% desde 2013
No dia 29/11, a Assembleia Legislativa (Alesp) sediou a audiência pública “Por uma política de ciência e tecnologia para São Paulo”, por iniciativa da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas e Institutos de Pesquisa, coordenada pela deputada estadual Beth Sahão (PT), com apoio da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que representa o corpo funcional de 16 institutos públicos de pesquisa — e defende a recriação dos institutos de Botânica, Geológico e Florestal, que foram extintos e substituídos pelo recém-criado Instituto de Pesquisas Ambientais.
A audiência foi uma homenagem ao Dia Estadual do Pesquisador Científico, comemorado anualmente em 18/11. No entanto, os pesquisadores científicos paulistas enfrentam uma situação preocupante. Há 7,9 mil cargos vagos nos institutos de pesquisa, contra apenas 2,2 mil cargos preenchidos. Portanto, do total de 10,1 mil servidores que poderiam estar trabalhando para produzir ciência nos 16 institutos de pesquisa, apenas 21,4% estão contratados e em atividade. “Isso é praticamente o esvaziamento total dos institutos”, denunciou Patricia Bianca Clissa, presidenta da APqC, no início da audiência pública (confira aqui os slides da sua apresentação).
As vagas não preenchidas são de três carreiras: Pesquisador Científico, Assistente Técnico e Pessoal de Apoio. Os números refletem a situação até dezembro de 2022 e foram extraídos do Diário Oficial do Estado pela APqC. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento é a que enfrenta a maior escassez de pesquisadores e profissionais de apoio. Dos 5.610 cargos, apenas 1.117 estão preenchidos, isto é: 80,1% estão vagos. Na Secretaria de Saúde, os cargos vagos representam 76,5% do total. Na Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, os cargos vagos são 77,1% do total.
Além disso, o governo estadual não reajusta os salários de acordo com a inflação desde 2013. Por serem os 16 institutos de pesquisa vinculados à administração direta, os reajustes dependem de lei complementar editada pelo governador. Um estudo encomendado pela APqC ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que os servidores que atuam nos institutos tiveram apenas 20% de aumento entre novembro de 2013 e julho de 2023, enquanto a inflação acumulada nesse período, medida pelo IPCA, foi de 77%. “Essa desvalorização compromete pesquisas em todas as áreas de conhecimento do estado”, afirma a presidenta da APqC. “Além de dificultar a retenção de talentos. Um salário muito baixo faz com os pesquisadores busquem cargos na iniciativa privada ou em órgãos federais”.
Na audiência, a deputada Beth Sahão relatou que, dentro da luta histórica por uma política de ciência e tecnologia, tem feito esforços para dialogar com as autoridades do setor, mas sem avanços. “Os resultados ainda são muito aquém do que a gente precisa. Nós precisamos valorizar nossos pesquisadores, nós precisamos de salários melhores, nós precisamos de melhores condições de trabalho. Abrir concursos públicos, porque muita gente se aposenta, esses cargos estão ficando vazios e as pesquisas acabam ficando pelo caminho”, destacou. “Então há muito que se fazer, para que a gente não continue perdendo cérebros importantes. Um estado que se quer desenvolvido precisa olhar para esse campo da ciência e tecnologia”.
Outra questão que aflige a categoria é o fato de que notáveis instituições de pesquisa vem sendo extintas e suas áreas são alvo de interesses econômicos. Em razão da lei 17.293/2020 (decorrente da aprovação do PL 529/2020), sancionada pelo então governador João Doria (PSDB), o Instituto Florestal foi extinto e foram unificados o Instituto Geológico e o Instituto Botânico em uma nova unidade, denominada Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), que em tese também absorveu parte da herança do Florestal. A extinção e fusão dessas instituições está sendo questionada em ação judicial que tramita em segunda instância. A APqC, por decisão de assembleia geral de seus associados, lutará pela revogação da lei 17.293/2020, mantendo em seu site o nome das instituições extintas.
Também em consequência da lei 17.293/20, a Superintendência do Controle de Endemias (Sucen) foi extinta e seus pesquisadores transferidos para o Instituto Pasteur. “Esse desmonte das unidades de pesquisa, que vem acontecendo no estado de São Paulo há anos, coloca em risco toda a população. Essas entidades produziram conhecimento e um riquíssimo patrimônio acumulado que não pode ser negligenciado”, destaca a presidenta da APqC em documento preparatório da audiência pública de 29/11.
“O parlamento estadual foi o responsável pela aprovação da extinção de institutos de pesquisa, essenciais para o Sistema de Defesa Ambiental do Estado, em 2020”, continua Patricia. “Por isso, este debate precisa ser levado ao conhecimento da classe política, para que entendam a relevância destas instituições centenárias para o desenvolvimento do Estado”, afirma Patricia, referindo-se ao Instituto Florestal e demais entidades desmanteladas pelo governo estadual com a cumplicidade da Alesp.
Na audiência, o pesquisador Fred Arzolla, presidente da Comissão Permanente de Regime de Tempo Integral da Secretaria de Ciência e Tecnologia (CPRTI), responsável pela carreira de pesquisador científico do estado, observou preliminarmente que os institutos estaduais de pesquisa encontram-se presentes na maior parte do território de São Paulo, seja na forma de estações experimentais, de unidades de desenvolvimento regional, de laboratórios ou de áreas de conservação.
Na opinião de Arzolla, a dissolução dos institutos Florestal, Geológico e de Botânica, resultante da lei 17.293/20, revela-se altamente problemática. “Houve uma grande desagregação daquelas instituições, que foram amalgamadas numa instituição denominada Instituto de Pesquisas Ambientais. Foi um processo pouco participativo, não foi democrático, e essa estrutura do Instituto de Pesquisas Ambientais realmente precisa ser revista, mediante um processo mais participativo. Esse é o anseio dos pesquisadores. Não existe mais, nessa instituição [IPA], a sensação de pertencimento”.
Ele enfatizou a importância da vinculação dos institutos de pesquisa à administração direta. “O que isso traz? Essas instituições têm o poder de atuação à medida das necessidades governamentais, de situações da sociedade. Têm a capacidade de proporcionar respostas rápidas. Como a Patricia disse [na apresentação], isso foi visto na questão da Covid, em que vários institutos participaram: Adolpho Lutz, com os exames diagnósticos, Butantã, o desenvolvimento da vacina, o Instituto Biológico fazendo análises”.
O presidente da CPRTI citou outros exemplos na mesma linha. “Temos situações emergenciais na questão climática. O quadro de apoio do agora Instituto de Pesquisas Ambientais foi acionado quando aconteceu a situação de São Sebastião, então atuaram de forma rápida. O mesmo podemos dizer dos institutos da Secretaria de Agricultura, porque novas pragas acontecem de um dia para o outro, e aquelas pragas ou doenças que haviam sido eliminadas voltam, existem novos ciclos. São situações de respostas rápidas, por isso é importante ter os institutos vinculados à administração direta do Estado, com essa capacidade de retorno imediato diante de situações de crise”.
Arzolla relatou ainda que os institutos do Meio Ambiente e os da Agricultura permaneceram sem a realização de concursos públicos por vinte anos, desde 2003. Somente no final de 2022 é que foi autorizado um novo concurso público para preencher cargos nas instituições de pesquisa vinculadas à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), pertencente à pasta estadual da Agricultura. “Só conseguimos no final do governo passado [de Rodrigo Garcia]. Com o forte trabalho dos institutos, da coordenação da APTA, junto com o secretário, esse concurso foi autorizado”, informou. “Estamos em pleno trâmite da realização desse concurso, que repõe 37 vagas para os institutos de pesquisa da Secretaria de Agricultura. No entanto, outros institutos, do Meio Ambiente, da Saúde, não conseguiram”.
A reposição de quadros, frisou o pesquisador, é essencial para que esses institutos consigam manter a excelência de suas atuações. “São instituições que as mais novas têm cinquenta anos, as mais antigas vêm da época do Império. O Instituto Agronômico de Campinas foi criado pelo imperador Pedro II. Vejam a importância, o marco na história da ciência e tecnologia do estado de São Paulo e do país”, salientou.
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