Universidade
Superintendência de Gestão Ambiental participa de reunião virtual sobre corte de árvores e morte de bugios no câmpus de Ribeirão Preto, mas não ouve especialistas em flora e fauna
O Jornal da USP publicou, em 28 de março último, matéria que descreve, em tom otimista, soluções adotadas pela Prefeitura do Câmpus de Ribeirão Preto (PUSP-RP) para resolver graves questões ambientais apontadas pela comunidade acadêmica, tais como a derrubada indiscriminada de árvores de grande porte e a morte de primatas de uma espécie ameaçada de extinção.
A matéria cita a instalação de passarelas aéreas para evitar a morte de macacos bugios, uma vez que o abate de árvores pode obrigá-los a se deslocarem por terra, nas ruas do câmpus, o que os expõe a atropelamentos, como já ocorreu. Também são mencionados um certo “estudo técnico abrangente”, que por sua vez propôs, entre outras soluções, um “plano de manejo florestal abrangente”, embora não seja informada a autoria de um e de outro. Trata-se de um Laudo Técnico de Fauna, datado de 28 de junho de 2023.
De acordo com o Jornal da USP, publicação oficial da Reitoria, tal estudo “destaca a baixa importância e o grau pouco preocupante das podas e cortes atuais, exceto no caso de espécies que constam na lista vermelha do Estado de São Paulo, as quais estão vulneráveis independentemente do local”. Porém, na avaliação da professora Patrícia Ferreira Monticelli, bióloga e especialista em comportamento animal do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP, ou “Filô”), essa conclusão do estudo é errada e irresponsável.
“O relatório ao qual se referem foi realizado por uma empresa especializada em avaliação de impacto, em decorrência de corte de bambus que eram importantes para os bugios. A empresa entregou um laudo de quase 70 páginas descrevendo flora e fauna do campus, mas a repórter do Jornal da USP recebeu de funcionárias da PUSP-RP apenas o final dele, um pequeno parecer do responsável técnico que associa o suposto ‘baixo impacto’ ao afugentamento da fauna antes de se efetuar o corte”, diz Patrícia.
“Esse afugentamento não acontece e nem poderia, já que a Comissão de Meio Ambiente (CMA) da PUSP-RP não possui biólogos nem técnicos habilitados para afugentar os animais”. Além disso, acrescenta, “o atropelamento de uma mãe bugio com o filhote agarrado no seu corpo aconteceu após a entrega do laudo que previa ‘baixo impacto’”.
Prefeitura do Câmpus “levou meses para agendar reunião com o Comdema”
No inicio de 2024, explica a docente da Filô, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Ribeirão Preto (Comdema) tomou conhecimento da prática continuada de podas drásticas e extração de árvores nativas no câmpus da USP e da sua relação com a morte de macacos bugios. “Formou-se um grupo de membros do Comdema para realizar uma primeira conversa com a administração do câmpus da USP de Ribeirão Preto”, prossegue.
“A administração do câmpus levou meses para agendar a reunião com o Comdema, que acabou por acontecer nesta terça-feira, dia 9 de abril, de forma virtual, com a participação de Patricia Iglecias, superintendente da Superintendência de Gestão Ambiental da USP (SGA) e portanto a maior autoridade da universidade em matéria ambiental”, pontua a docente da Filô, que integra a Comissão Técnica de Gestão Ambiental (CTGA), na condição de coordenadora e responsável pela Gestão de Fauna.
“Além da superintendente e de uma representante local da SGA, estiveram presentes o presidente do Conselho Gestor do câmpus e representantes da PUSP-RP, segundo relatado em reunião do Comdema no dia seguinte. Se o assunto eram macacos e árvores, chama a atenção que a PUSP-RP não tenha levado nenhum especialista”, diz Patrícia Monticelli. “O câmpus tem vários especialistas em temas diversos de fauna e flora, entre docentes, alunos e funcionários, tanto no Departamento de Biologia da FFCLRP, como em outras unidades — por exemplo na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) e na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP)”.
Do ponto de vista institucional, conta-se com a CMA, criada para atuar na preservação da biodiversidade do câmpus e, ainda, com a CTGA, criada pela própria Superintendência de Gestão Ambiental, como um dos instrumentos da Politica Ambiental da USP. “Se o objetivo era prevenir novas mortes de animais por atropelamento e perda de cobertura vegetal, por que não havia especialistas na reunião, além dos membros do Comdema?”, questiona ela, apontando distorções na atual composição da CMA.
“A mesma pergunta deve ser feita pela comunidade quanto às matérias veiculadas pelo Jornal da USP e pela TV Record”, observa a professora da Filô. “Nessa reportagem da emissora é evidente a ausência de especialistas da universidade em flora e fauna. O coordenador da CMA, um engenheiro civil, cita um número errado de bugios presentes no câmpus, mostrando desconhecimento — e descaso — dos estudos que a própria universidade produz sobre sua biodiversidade! Também erram, o engenheiro e o secretário de Meio Ambiente da cidade, ao falar em biomas, no plural, como se houvesse mais de um no câmpus e os macacos fossem de um para outro. Esses senhores não têm que saber isso, mas a universidade tem!”, lamenta Patrícia.
Macaco-prego que migrou para o câmpus em dezembro morre em circunstâncias desconhecidas
Recentemente soube-se da presença, no câmpus de Ribeirão Preto, de um macaco-prego, o que é inédito. Depois, no entanto, circulou nos grupos de WhatsApp da comunidade a imagem de um macaco-prego, possivelmente o mesmo indivíduo, morto e acondicionado em uma caixa de papelão, colocada na caçamba de um carro da Guarda Universitária. Antes solícitos e engajados na proteção da fauna, os agentes da Guarda agora negam-se a dar informações relativas ao caso a docentes interessados.
O professor Wagner Ferreira dos Santos, do Departamento de Biologia da Filô, que estuda há décadas as populações de bugios existentes no câmpus de Ribeirão Preto, acredita que o macaco-prego se deslocou do Centro da Cana, ou do Horto Florestal, até as matas da USP. “Passou por três estradas, cerca, muro, concertina, cachorro, e conseguiu chegar no câmpus. Um colega me enviou a foto deste macaco, tirada próximo à entrada da Avenida Bandeirantes, em 14 de dezembro de 2023”, relata Santos. “Não consegui o boletim de ocorrência sobre a morte do animal, o chefe da Guarda Universitária me disse que só pode me passar se a prefeita do câmpus autorizar”.
Integrantes do Comdema que participaram da reunião virtual de 9 de abril com a SGA revelaram que as representantes da PUSP-RP presentes duvidaram da ocorrência de danos à fauna do câmpus e consideraram que a morte do macaco-prego, que lhes foi comunicada por eles, é “invenção”.
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