Universidade
Docente da UFMG representa ao Ministério Público Federal contra a Capes, que estaria descumprindo acordo chancelado pela Justiça Federal
Agência do MEC continua a aplicar retroativamente os parâmetros de avaliação dos Programas de Pós-Graduação, diz a denúncia encaminhada ao MPF por Rodrigo Ribeiro, docente da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais
A Procuradoria Regional do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) e a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) assinaram, em 31 de agosto de 2022, um Termo de Autocomposição (ou seja, um acordo), por meio do qual a Capes comprometeu-se a rever o seu Sistema de Avaliação da Pós-Graduação no Brasil.
A assinatura do Termo de Autocomposição resultou de uma ação ajuizada pelo MPF-RJ contra a Capes e que tramitou na 32ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Os autores da ação judicial, procuradores regionais da República Jessé Ambrósio dos Santos Jr. e Antonio do Passo Cabral, demonstraram que o Sistema de Avaliação da Capes não atendia aos princípios da irretroatividade, da segurança jurídica e da legalidade, publicidade e transparência das regras públicas.
Isso ocorria porque a Capes realizava várias alterações dos parâmetros de avaliação ao longo do período avaliativo (quadriênio) e os aplicava retroativamente para avaliar os mais de 4 mil programas de pós-graduação (PPGs) existentes no país. Os resultados da avaliação da Capes impactam a distribuição de recursos públicos (concessão de bolsas, acesso a editais e outras modalidades de financiamento) e incidem no próprio credenciamento ou descredenciamento dos PPGs pela Capes.
Por essa razão, a prática de aplicação retroativa de critérios sempre beneficiou alguns PPGs em detrimento de outros, induzindo uma indesejável competição entre PPGs e afetando negativamente o funcionamento normal da pós-graduação no Brasil.
O Termo de Autocomposição (TA) estabeleceu regras para duas situações distintas: a avaliação que estava em curso à época (Avaliação Quadrienal 2017-2020) e as avaliações seguintes (Avaliação 2021-2024 e avaliações subsequentes). Mas há fortes indícios para se acreditar que a Capes não vem cumprindo o acordo com o MPF.
É o que afirma o professor Rodrigo Ribeiro, docente da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coautor de minuciosa análise do Sistema de Avaliação da Pós-Graduação, que serviu como subsídio à ação que transitou na 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Ribeiro encaminhou ao MPF em fevereiro deste ano, “na condição de cidadão brasileiro”, representação contra a Capes.
“A Capes tem utilizado artifícios e empenhado os seus esforços para realizar a avaliação da pós-graduação no Brasil da maneira como deseja, mesmo que seja realizada à revelia das leis brasileiras às quais ela está submetida. E isso vem ocorrendo por mais de uma década”, destaca o professor da UFMG na sua representação. A seu ver, a Capes adotou uma interpretação errônea do TA assinado em agosto de 2022, e procura “manter sua avaliação na ilegalidade”, o que termina por prejudicar vários PGGs.
Ao rebaixar a nota do PPGEP-UFMG, Capes desrespeita acordo com MPF
Para exemplificar o problema, ele utiliza o PPG de Engenharia de Produção no qual atua (PPGEP-UFMG) como um “caso específico”, porque relacionado à Avaliação Quadrienal 2017-2020, para demonstrar que a ilegalidade se aplica ao “caso geral”, ou seja, à Avaliação Quadrienal 2021-2024 e avaliações quadrienais subsequentes de todos os PPGs do Brasil.
“O PPGEP-UFMG teve a sua nota rebaixada de ‘5’ (na Avaliação Quadrienal 2013-2016) para ‘4’ (na Avaliação Quadrienal 2017-2020). Por tal razão, o PPGEP-UFMG entrou com um recurso administrativo junto à Presidência da Capes, solicitando a repetição da nota do quadriênio anterior, como previsto na Cláusula Terceira do TA, p. 2”, continua Ribeiro na representação ao MPF. “Neste recurso, foi demonstrado que, de fato, ocorreram várias alterações nos parâmetros de avaliação ao longo do quadriênio e foi solicitado que, devido a isso, a nota ‘5’ do quadriênio anterior deveria se manter”.
Contudo, a solicitação do programa foi indeferida pela Capes, que manteve o rebaixamento da sua nota para ‘4’. “Na análise do ‘Parecer’ que substanciou a decisão da Capes, no entanto, verifica-se que a Capes utiliza uma exigência descabível, de modo a se esquivar de cumprir o acordado no Termo de Autocomposição”, prossegue.
Para refutar a solicitação feita pelo PPGEP-UFMG, o parecer utiliza o §1o, artigo 4º da Portaria Capes 178/2019, que estabelece os procedimentos para processamento dos recursos, a saber: “Caberá ao interessado a prova dos fatos que alegar, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução do processo”. Em outras palavras, diz Ribeiro, “a Capes alega que o PPGEP-UFMG deveria provar que as alterações nos parâmetros de avaliação, realizadas extemporaneamente pela Capes, foram a razão do rebaixamento da sua nota”, exigência, na sua visão, “inviável”.
No entendimento do docente, para comprovar a relação causal entre o rebaixamento da nota do programa e a adoção extemporânea da nova ficha de avaliação, o PPGEP-UFMG deveria ser capaz de realizar toda a Avaliação Quadrienal 2017-2020, com base nos parâmetros de avaliação do quadriênio de 2013-2016. “Isso exigiria a reabertura da coleta de dados junto aos mais de 4 mil PPGs brasileiros e para tal, toda a alteração do Sistema Sucupira, seguida de novas rodadas de análise de todos os dados das 49 Coordenações de Área da Capes que, efetivamente, realizam a avaliação dos PPGs”, diz.
“Essa exigência é descabível para o PPGEP-UFMG, mas até mesmo para a Capes. A impossibilidade de refazer a avaliação de 2017-2020 com base nos parâmetros da avaliação de 2013-2016 foi a razão alegada pela Capes junto ao MPF-RJ — e também em uma outra ação judicial — para manter a Avaliação Quadrienal 2017-2020, mesmo que com o uso dos parâmetros de avaliação inseridos a posteriori. Não faz sentido algum, portanto, que a Capes exija do PPGEP-UFMG algo que ela alegou perante a Justiça que seria impraticável de ser feito”, protesta Ribeiro.
Notas de corte devem ser divulgadas previamente, de modo a não prejudicar PPGs
Na representação, o professor observa que o rebaixamento imposto pela Capes trouxe prejuízos materiais para o programa da UFMG, uma vez que “os recursos públicos alocados a ele, nos anos de 2021 a 2023, o foram com base na nota ‘4’ e não na nota ‘5’”.
O docente identificou, porém, uma questão ainda mais grave no citado parecer desfavorável ao recurso, com implicações para a Avaliação Quadrienal 2021-2024 e as subsequentes. Isso porque afirma-se, no parecer, que “[…] o Termo de Autocomposição firmado entre o MPF e a Capes […] ‘mantém incólume o caráter comparativo da Avaliação Quadrienal, não impondo a necessidade de definição prévia de fatores de corte ou outros elementos puramente comparativos que, por sua natureza, somente podem ser conhecidos após a aplicação dos parâmetros de avaliação preestabelecidos’”. O trecho destacado por nós corresponde à citação de uma nota sobre o TA publicada pela própria Capes. Ou seja: o parecer baseia-se numa interpretação da Capes, e não no texto do TA.
Ocorre, salienta Ribeiro, que a afirmação de que a Capes não necessita divulgar previamente as notas de corte — vale dizer, que elas poderiam ser definidas a posteriori e aplicadas retroativamente — “vai contra o cerne do TA e das razões jurídicas pelas quais o MPF-RJ acionou a Justiça contra a Capes”. Apesar de não citada nesse parecer, a divulgação a posteriori do “Qualis”, que estabelece critérios para avaliação das produções científicas e sua aplicação retroativa, também é vedada pelo TA.
As “notas de corte” estabelecem as faixas a serem utilizadas para as atribuições das notas dos indicadores da avaliação e da nota final de cada PPG. O “Qualis”, por sua vez, define os critérios para avaliação das produções acadêmicas dos PPGs. Ambos, lembra o docente, são efetivamente “parâmetros de avaliação”, tendo em vista que o TA cristalinamente os define dessa maneira: “(iv) por ‘parâmetro de avaliação’, compreendem de maneira abrangente qualquer elemento utilizado, direta ou indiretamente, para avaliar seus respectivos Programas de Pós-Graduação (PPGs), atribuindo-lhes conceitos, notas, pesos ou quaisquer outros atributos aptos a alterar sua situação jurídica decorrente do processo avaliativo, impactando a nota ou o conceito final, seja tal elemento denominado critério, quesito, item, subitem, fator, indicador, coeficiente, aspecto, índice ou que contenha ou reflita qualquer outra informação ou dado referente à atividade das instituições reguladas (Cláusula Segunda do TA, p. 3)” (destaques adicionados por Ribeiro na representação).
“Em síntese, os princípios da irretroatividade, da segurança jurídica e da legalidade, publicidade e transparência das regras públicas devem se aplicar a todos os parâmetros do sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, não cabendo à Capes definir, por conta própria, aqueles que ela vai divulgar no início de cada quadriênio avaliativo e aqueles que ela vai definir a posteriori e aplicar retroativamente, mantendo sua avaliação na ilegalidade”, sustenta o professor (destaque no original). Caso seja permitido à Capes manter esse entendimento para a Avaliação de 2021-2024 e subsequentes, adverte ele, “ela vai continuar com uma prática sabidamente ilegal”, afetando todos os PPGs avaliados pela Capes.
Por tal razão, Ribeiro deixa explícito, na sua representação, que ela “é de interesse público e de natureza federal, dado que visa reestabelecer a ordem jurídica e os direitos coletivos: (i) de todos os cidadãos/cidadãs brasileiros(as) que são afetados(as) pela maneira como a Capes está avaliando os mais de 4 mil Programas de Pós-graduação do Brasil, tais como os docentes e discentes da pós-graduação e aqueles(as) que são beneficiados, direta ou indiretamente, pelas pesquisas advindas da pós-graduação brasileira; e (ii) da sociedade brasileira, pela maneira não isonômica como os recursos públicos estão sendo distribuídos com base em uma avaliação ilegal”.
Recursos indeferidos com base na Portaria 178 devem ser aceitos, diz Ribeiro
Do total de 347 recursos administrativos contra os resultados da Avaliação Quadrienal 2017-2020, 234 (67,4%) recursos foram indeferidos e 113 (32,6%) foram deferidos. “Não é possível, no entanto, saber quantos dos 234 recursos indeferidos, fora o do PPGEP-UFMG, o foram com base no §1o, Artigo 4o da Portaria Capes 178/2019, discutido acima”, pondera Ribeiro. “Daí, origina-se a primeira solicitação dessa denúncia/representação ao MPF, que tem como objetivo garantir que nenhum Programa de Pós-graduação brasileiro seja prejudicado pela mesma exigência, inviável e descabível, utilizada pela Capes para indeferir o recurso do PPGEP-UFMG” (destaque no original).
Assim, a primeira medida por ele sugerida ao MPF é exigir que a Capes realize uma análise dos pareceres de todos os recursos administrativos interpostos por PPGs “e defira todos aqueles que foram indevida e injustamente indeferidos” com base na Portaria Capes 178/2019. “Caso a Capes se negue a fazer isso, que seja exigida a inversão do ônus da prova, devido à hipossuficiência dos PPGs em comparação à estrutura da Capes, no que se refere à equipe avaliadora, à equipe de tecnologia da informação e à coleta de dados via Sistema Sucupira”.
Outra solicitação é exigir que a Capes utilize, para a Avaliação Quadrienal 2021-2024, “as mesmas notas de corte e os mesmos Qualis utilizados na Avaliação Quadrienal 2017-2020”, dado que, diferentemente do que estabelece o TA (Cláusulas 2a, 4a e 5a, p. 2-3), a Capes “não divulgou esses parâmetros de avaliação até 15 de março de 2021, ou seja, do primeiro ano do período avaliativo”.
No tocante às avaliações futuras, Ribeiro propõe ao MPF “exigir que a Capes divulgue, em 15 de março de 2025, todos os parâmetros de avaliação que serão utilizados na Avaliação Quadrienal 2025-2029 e que tal prática se mantenha para os períodos avaliativos subsequentes, sendo tal divulgação realizada sempre no dia 15 de março do primeiro ano avaliativo”.
O docente da UFMG solicita ainda, na representação, a aplicação de “penalidades” à Capes, a seus dirigentes e funcionários e a colaboradores (docentes, avaliadores, pareceristas), “caso seja verificada a reincidência, nos procedimentos ou na execução da Avaliação da Pós-Graduação no Brasil, de qualquer item, regra e/ou ato individual ou coletivo que vá contra os artigos 113, § 2o, e 421-A, I, do Código Civil”; ou que fira o artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB); ou, ainda, que atente contra os “princípios da irretroatividade, da segurança jurídica e da legalidade, publicidade e transparência das regras públicas”.
Por fim, propõe ao MPF exigir “que a Capes crie e ministre um treinamento interno para todos os membros do seu Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES), seus(suas) dirigentes, avaliadores(as), pareceristas e funcionários(as)”, informando a todos(as) da ação do MPF-RJ e do TA assinado em 2022; da atual representação ao MPF (se aceita) e da solução encontrada (por meio de novo TA ou nova ação judicial); das regras que a Capes deverá seguir; e “das penalidades que serão aplicadas no caso de descumprimento das regras”.
No presente momento, a representação de Ribeiro aguarda decisão da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do MPF sobre um conflito de competência. A 1ª CCR deverá definir se ela será encaminhada à Procuradoria Regional da República no Rio de Janeiro, onde tramita o processo de acompanhamento do TA firmado pela Capes (como propõe despacho de 11 de junho último do procurador Adailton Ramos do Nascimento), ou se ficará a cargo da Procuradoria Regional da República em Minas Gerais, por ter sido protocolada em Belo Horizonte.
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