Em sentença datada de 6 de maio último, o juiz substituto Edson da Silva Júnior, da 2ª Vara do Trabalho de Bauru, pertencente ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, condenou a USP à obrigação “de não promover a transferência” do funcionário Ricardo Pimentel Nogueira, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), “sob pena de multa diária de R$ 1.000, devendo a parte reclamada manter a parte autora trabalhando em uma de suas unidades no município de Bauru-SP”.

Técnico de documentação e informação, Ricardo foi um dos cerca de 520 funcionários do HRAC compelidos pela Reitoria da USP a trabalhar, a partir de fevereiro de 2023, sob as ordens da Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, conhecida pela sigla Faepa, “organização social de saúde” contratada pelo governo estadual por R$ 309 milhões, sem licitação, para fazer a gestão do Hospital das Clínicas de Bauru (HCB) por cinco anos.

A cessão gratuita do corpo funcional do HRAC à Faepa ocorreu mediante a adesão individual a um “Termo de Anuência”, documento que as trabalhadoras e trabalhadores do hospital foram coagidos a assinar sob “pressão gigantesca e verdadeiro assédio moral” — como Alceu Carreira, advogado de Ricardo, descreve na ação acatada pela 2ª Vara do Trabalho de Bauru — e que obriga as e os anuentes a acatar regras e ordens dos gestores privados da Faepa.

A migração compulsória da força de trabalho foi precedida de um “acordo de cooperação” firmado pela USP com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo em 29 de dezembro de 2021, visando transferir para o HCB as atribuições de assistência à saúde até então prestadas pelo HRAC. O HCB foi instalado no chamado “Prédio 2”, o prédio novo do HRAC. Depois que a Faepa assumiu o controle do HCB, passou a utilizar não apenas o prédio novo, mas também as instalações antigas (“Centrinho”), onde realiza cirurgias, não raro expondo os pacientes durante o trajeto que percorrem em macas.

Embora o contrato entre governo estadual e Faepa para gestão do HCB sequer cite o HRAC, a verdade é que a Reitoria desmantelou o hospital e o entregou “de porteira fechada”, pois desde o início das tratativas sabia-se que o governo iria repassar a gestão a uma “organização social de saúde”. O reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., que já foi presidente do Conselho de Curadores e Administração da Faepa (2013-2016), admitiu, em conversa com sindicalistas, “preferir” que a gestão fosse confiada a essa fundação privada.

Algumas das pessoas obrigadas a trabalhar para a Faepa se insurgiram contra a violação de direitos praticada pela Reitoria da USP e recorreram à Justiça do Trabalho. Além de Ricardo, sabe-se de pelo menos dois casos de trabalhadoras do HRAC que obtiveram vitórias judiciais, tendo reconhecido seu direito de trabalhar para a universidade e não para uma fundação privada.

USP rejeitou pedido do autor da ação para trabalhar na Biblioteca da FOB

A ação ajuizada por Ricardo assinala que a pressão para que todos assinassem “espontaneamente” o “Termo de Anuência” incluia a ameaça, caso não o fizessem, de “serem ilegalmente transferidos para câmpus distantes de Bauru, a exemplo de Lorena (510 km) e da Capital (300 km)”. Ricardo relatou ainda, por intermédio de seu advogado, que vinha “prestando serviços à Faepa, que é uma instituição privada, e recebendo salário da USP, que é uma Autarquia Pública, desde novembro de 2022, ou seja, há quase um ano, e optou por apresentar Termo de Arrependimento em 28/9/2023, conforme foi garantido a todos os servidores que assinaram o Termo de Anuência”.

Depois de apresentar o Termo de Arrependimento, recusando-se assim a continuar trabalhando para a Faepa, o trabalhador solicitou à USP sua realocação na Biblioteca da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), “deixando clara sua intenção de permanecer trabalhando nesta cidade, num dos órgãos da Universidade, na condição de servidor desta Universidade”. Requerimento administrativo com esse intuito foi apresentado por ele à Comissão Permanente de Relações de Trabalho da USP (Copert), em 25 de maio de 2023. Toda a sua vida funcional, “bem como sua formação”, explicou, vinculam-se ao trabalho em bibliotecas. Porém, a Copert não deu qualquer resposta a seu requerimento.

Tendo em vista a ausência de resposta, Ricardo decidiu “buscar o Poder Judiciário para ver garantido o seu direito de permanecer trabalhando em Bauru, junto à USP”. Sustentou que a possível transferência “não respeita a eleição do Câmpus de Bauru, realizada por ocasião da inscrição no concurso, o que viola o princípio da adstrição ao edital”, registra a sentença do juiz Edson Silva Junior, “uma vez que o ente público fica vinculado ao edital, sendo vedado descumprir as normas e condições previamente estabelecidas, conforme disposto no artigo 41, da lei 8.666/93 e que a reclamada tenciona punir todos os empregados do HRAC que não concordaram com a assinatura do termo de anuência, impondo ameaças de transferência para localidades distantes, sem se preocupar com a ilegalidade do seu ato”.

Ainda segundo a sentença, a USP contestou, no processo, as afirmações do autor, “alegando inexistência de alteração contratual lesiva e indisponibilidade de vaga, no campus de Bauru da USP”, para a função laboral desenvolvida por Ricardo. Sustentou ainda, como se a extinção do HRAC fosse produto de uma catástrofe natural e não de uma deliberação da Reitoria, “o fato de os servidores não assinarem o referido termo, ou de posteriormente pedirem a sua revogação, enseja naturalmente o risco da transferência de localidade, já que inexistem vagas suficientes no campus de Bauru para absorver todos os servidores que antes trabalhavam no HRAC”.

Alegou ainda a Procuradoria Geral da USP que “a partir de 1/2/2023, data em que as atividades assistenciais de saúde do HRAC foram encerradas na USP e foram assumidas pelo HCB, tem-se a configuração da hipótese prevista no § 2º do art. 469 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], a qual permite ao empregador, no limite, transferir o empregado para localidade diversa do domicílio deste”.

Ao decidir, o juiz levou em conta que Ricardo e sua família estão plenamente estabelecidos em Bauru, por vínculos de estudo e trabalho, “restando a ameaça de transferência do reclamante para outra localidade uma verdadeira afronta à unidade e à estrutura familiar”. Além disso, anota, “a parte reclamante foi contratada segundo edital que previa trabalho na cidade de Bauru”, razão pela qual “a transferência da parte reclamante para outro município implicaria em efetiva violação da previsão do artigo 468 da CLT e, por assim ser, defiro a tutela provisória pleiteada e a torno definitiva, determinando que a parte reclamada não promova a transferência da parte reclamante para outro Município”.

“Não prestei concurso para trabalhar para fundação privada”, diz Ricardo

“Gostaria de registrar minha satisfação em ter meu direito preservado, enquanto servidor da USP, e encorajo a todas e todos que busquem também seus direitos e o devido respeito. Não prestei concurso para trabalhar para uma fundação privada”, declara Ricardo ao Informativo Adusp Online. “Ocorre que, desde o desmonte da antiga biblioteca ramal que existia no Centrinho, eu e mais servidores contratados como Técnicos de Documentação e Informação não desempenhamos mais atividades para uma biblioteca, e sim em outras áreas, o que considero desvio de função. No meu entendimento, meu local de trabalho é uma biblioteca”.

A “biblioteca ramal” citada pelo trabalhador, conhecida como Unidade de Ensino e Pesquisa (UEP), era constituída por um acervo especializado em anomalias craniofaciais e por uma equipe que atendia o público do HRAC (“Centrinho”) e o laboratório de informática, realizando, entre outras atividades, serviços de biblioteca, orientação e levantamento bibliográfico. Tudo isso foi desmontado pela Reitoria.

A USP recorreu ao TRT da 15a Região para tentar reverter a derrota sofrida. “Isso evidencia que a USP ainda pretende me punir, recorrendo à segunda instância para tentar me deslocar para longe de minha família, sendo que o campus de Bauru vivencia a falta de servidores, inclusive na Biblioteca Central de Bauru”, declara Ricardo ao Informativo Adusp Online. “Cabe lembrar que a USP realizou concurso com vagas em Bauru na função técnica, evidenciando mais uma vez total falta de gestão de recursos humanos”.

Qualquer que seja o desfecho da ação, a sentença proferida em Bauru representa um desagravo ao corpo funcional do HRAC e a seus pacientes, frente ao imenso abuso de poder praticado contra eles pela Reitoria, desde a gestão do reitor M.A. Zago.

EXPRESSO ADUSP


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